Trabalho doméstico é ‘uma das piores formas do trabalho infantil’, diz Isa Maria de Oliveira

trab_inf4“O trabalho doméstico precisa ser valorizado porque ele contribui para que, principalmente mulheres que ocupam um espaço importante no mercado de trabalho, possam fazê-lo, visto que tem alguém na retaguarda: a doméstica”, destaca a secretária do Fundo Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira.

“Infelizmente, uma boa parcela da população, as famílias e as próprias crianças e adolescentes envolvidos no trabalho infantil não identificam a tarefa doméstica como um trabalho”, lamenta Isa Maria de Oliveira em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Considerado pelo decreto n. 6481/2008 como a pior forma de trabalho infantil, a atividade doméstica ainda é desempenhada por mais de 250 mil crianças e adolescentes. “O que é mais grave é que esse número não expressa a realidade. Há aí uma subnotificação. Então, certamente o universo de crianças e adolescentes que estão no trabalho infantil é maior, mais preocupante ainda”, pondera.

Na avaliação de Isa Maria, a aprovação da PEC, que garante direitos trabalhistas às domésticas, é uma conquista importante e pode contribuir para retomar as discussões sobre a proteção a crianças e adolescentes que atuam como trabalhadores domésticos. “De certa forma a PEC contribui para esclarecer, para informar e para alertar a população e os conselhos tutelares que, ao ser identificada uma situação de criança e adolescente trabalhando como empregado infantil doméstico, isso precisa ser denunciado e resolvido”, assinala.

Isa Maria de Oliveira é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás. Possui pós-graduação na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o trabalho infantil doméstico é compreendido no Brasil?

Isa Maria de Oliveira – Infelizmente, uma boa parcela da população, as famílias e as próprias crianças e adolescentes envolvidos no trabalho infantil não identificam essa tarefa doméstica como um trabalho. Ainda persiste aquela compreensão de que a menina está ajudando, seja na própria casa ou na casa de terceiros. Então, não há uma compreensão de que é um trabalho infantil e, ainda menos, compreende-se tratar-se de uma das piores formas do trabalho infantil. O Brasil assim o definiu a partir de estudos, incluindo alguns conduzidos por especialistas de saúde e segurança do trabalho. Inserimos o trabalho infantil doméstico na lista das piores formas de trabalho infantil, lista aprovada pelo decreto n. 6481/2008. Mas ainda não há a compreensão de que se trata de um trabalho, e de que é proibido para todas as pessoas que não completaram 18 anos.

IHU On-Line – Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad, realizada em setembro de 2011, havia pouco mais de 250 mil crianças e adolescentes exercendo trabalhos domésticos por todo o Brasil. O que esse número representa?

Isa Maria de Oliveira – Esse é um número expressivo; trata-se de um grande contingente. O que é mais grave é que esse número não expressa a realidade. Há aí uma subnotificação. Então, certamente o universo de crianças e adolescentes que estão no trabalho infantil é maior, mais preocupante ainda.

IHU On-Line – Como avalia a PEC que garante direitos trabalhistas às domésticas e, ao mesmo tempo, a situação de meninas menores de idade que trabalham em casas de família?

Isa Maria de Oliveira – Todos os cidadãos e cidadãs deste país têm de realmente aplaudir a aprovação desta PEC, que estendeu às domésticas e aos domésticos os direitos já assegurados a todas as demais categorias de trabalhadores. Trata-se de uma questão de justiça social.

A aprovação da PEC trouxe muita controvérsia e especulação. Infelizmente, aflorou-se a concepção ainda escravagista, quer dizer: quando se trata do trabalho doméstico, há uma não aceitação ou um questionamento de não definição da jornada, de garantia de repouso remunerado, e há sempre uma controvérsia de “como é que vamos registrar isso?”. Não tenho nenhuma dúvida de que as famílias têm respeito pelo ser humano, têm uma conduta ética, moral e vão saber encontrar uma maneira de acordar com o seu trabalhador doméstico o cumprimento da jornada estabelecida. Infelizmente também algumas famílias ainda exploram as trabalhadoras com jornadas ininterruptas. Algumas levantam de madrugada para atender as crianças, para atender quem está chegando e quer um lanche etc. Esse ainda é um problema. Mas é possível que cada patrão (e patroa) encontre a forma de estabelecer um acordo com o seu trabalhador, respeitando a jornada de 8 horas diárias, 44 horas semanais.

Ao discutir esse tema, trazemos para a pauta a questão da proteção da criança e do adolescente e a proibição do trabalho doméstico antes dos 18 anos. Então, de certa forma a PEC contribui para esclarecer, para informar e para alertar a população e os conselhos tutelares de que, ao ser identificada uma situação de criança e adolescente trabalhando como empregado infantil doméstico, isso precisa ser denunciado e resolvido. Desse ponto de vista, a PEC favorece porque é uma oportunidade para dar mais informações a respeito das piores formas de trabalho infantil que não são tão conhecidas ou que não são tão divulgadas quanto deveriam.

IHU On-Line – Quais os reflexos do trabalho infantil doméstico para a sociedade no futuro?

Isa Maria de Oliveira – A manutenção desses valores escravocratas. A sociedade brasileira é atrasada, conservadora, retrógrada em relação aos direitos humanos e à justiça social para um segmento extremamente importante. O trabalho doméstico precisa ser valorizado porque ele contribui para que, principalmente mulheres que ocupam um espaço importante no mercado de trabalho, possam fazê-lo, visto que tem alguém na retaguarda: a doméstica em casa, cuidando das crianças e do bom funcionamento da casa, com comida pronta na mesa, higiene, segurança e tudo mais.

Seria positivo se a sociedade avançasse no sentido de reconhecer a importância desse trabalho para a vida social e, particularmente, das mães trabalhadoras que precisam contar com esta retaguarda. Do ponto de vista das domésticas, continua a luta por fazer valer os direitos que foram conquistados e assegurados.

Como a justiça trabalhista no Brasil é eficiente e reparadora de violações de direitos, a partir do momento que essa discussão aumentar, as próprias adolescentes trabalhadoras saberão que essa situação é ilegal, e irão buscar proteção na Justiça, nos conselhos tutelares, no Ministério Público do Trabalho e Emprego, nas superintendências e no Ministério Público do Trabalho, que são órgãos que podem realmente colher essas denúncias.

IHU On-Line – Que outras medidas são necessárias para mudar o discurso de que é “melhor que as crianças estejam trabalhando do que roubando”?

Isa Maria de Oliveira – Essa compreensão permanece. Ao longo dos anos avançamos nesta discussão e alguns segmentos conseguiram compreender isso. É preciso continuar, em todos os espaços educativos, discutindo o tema da garantia dos direitos trabalhistas. Essa discussão tem de ser levada para a escola, fortalecida no atendimento do Sistema Único de Saúde – SUS, na negociação trabalhista entre patrão e empregado. Então, é preciso fortalecer o que já se vem fazendo em termos de pautar a proteção da criança e do adolescente, protegendo-os contra a violação de seus direitos.
(Ecodebate, 19/04/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

Fonte: Ecodebate.

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