Trabalhadores dos correios entram em greve a partir desta terça-feira

Categoria decidiu paralisar atividades após tentativas frustradas de diálogo

Segundo entidades sindicais, paralisação dos trabalhadores e trabalhadoras dos Correios ocorre após 50 dias de tentativa de negociação com o governo federal. - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Centro de Tratamento de Encomendas dos Correios em Benfica, zona norte da cidade, durante a greve decretada após assembléia geral dos trabalhadores (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por Marina Duarte de Souza.

Trabalhadores dos Correios de todo o país entram em greve por tempo indeterminado a partir desta terça (18) contra a retirada direitos na folha salarial em meio a pandemia e pela preservação da vida.

A mobilização unifica as duas federações – Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect) e Federação dos Trabalhadores em Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos  (Fentect) – que representam os mais de 70 mil funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), vinculada ao Ministério das Comunicações.

Assembleias para consolidar a orientação das entidades sindicais foram realizadas na segunda-feira (17), no entanto, o secretário-geral da Fentect, José Rivaldo da Silva, aponta que a expectativa é uma paralisação a nível nacional. “A gente avalia que diante de todos os ataques já implementados pela direção dos Correio, amanhã as atividades estarão todas paradas. A partir de hoje nos lugares que tem terceiro turno. Os trabalhadores que decidem, mas a nossa expectativa é que haja uma adesão e que a gente tenha uma greve fortalecida nos Correios”, pontua.

De acordo com as entidades, a administração federal quer retirar 70 dos 79 pontos da convenção coletiva que complementam o salário médio de R$ 1.8 mil dos trabalhadores. O representante da federação reitera que a categoria não está fazendo greve por benefícios, mas pela manutenção dos direitos estabelecidos pelo acordo coletivo, inicialmente previsto para valer até 2021.

Em outubro de 2019, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve todas as cláusulas da convenção coletiva, com vigência por 24 meses. Porém, a empresa recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu uma liminar que reduziu pra 12 meses. O recurso da categoria ainda corre na justiça, mas desde 31 de julho, os trabalhadores estão sem cobertura do acordo coletivo.

“Nossa greve é contra a direção dos Correios, que de posse dessa liminar está implementando e retirando uma série de direitos dos trabalhadores, mudando regra de férias, de pagamentos de hora extra, reduziu ticket alimentação, cortou benefício do filho com necessidade especial, reduz a licença a maternidade de 180 dias para 120 dias, diminui o período de amamentação, aumentou desconto do plano de saúde” explica Silva.

Silva explica que a negociação do novo acordo e da campanha salarial foi iniciada há 50 dias à revelia da categoria, que defendeu que as negociações aconteçam pós-pandemia, mas até agora não houve retorno nas tentativas de diálogo com o governo federal.

“A gente não tem grandes pedidos, nada de absurdo na reivindicação. O problema é que desde o ano passado os Correios querem cortar os direitos e a remuneração dos trabalhadores. O que nós resta é arregaçar as mangas e paralisar a produção”, declara Silva.

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é dirigida atualmente pelo general reformado do Exercito, Floriano Peixoto Vieira Neto.

Em defesa da vida

Outro ponto de reivindicação da greve é o risco à vida dos trabalhadores e também dos clientes dos Correios diante do novo coronavírus. Segundo a Fentect, quase 100 trabalhadores morreram em decorrência da covid-19 no último período.

“Nossa greve é (também) em defesa da vida dos trabalhadores. Já morreram muitos por consequência do serviço essencial, exposição na rua e falta de EPIs dos Correios. Enquanto você recebe as encomendas na sua casa, tem gente morrendo e a direção dos Correios não está fazendo nada, é indiferente, é só mais um”, lamenta Silva.

Ele ressalta que os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) só foram distribuídos pela administração federal após as entidades entrarem com ações judiciais para obrigar os Correios a fornecer álcool em gel, máscaras para os funcionários e produtos para desinfecção de pacotes e agências. Ainda assim, segundo Silva, a situação ainda é precária, pois muitas agências não têm a proteção de acrílico para o atendimento no balcão.

O corte na participação do Correios no custeio do plano de saúde, aumentando consequentemente a quantia paga pelos trabalhadores, é, para Silva, um “absurdo” em meio à pandemia. Isso porque, conforme ele relata, tendo que pagar mais pelo convênio médico, e de forma tão repentina, muitos trabalhadores não conseguirão arcar com os custos e ficarão sem assistência.

Privatização

As federações denunciam que a investida do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) sobre os direitos dos trabalhadores se trata de uma tentativa de sucateamento e desmonte para justificar a privatização dos Correios.

“A gente compreende que do jeito que o governo está fazendo é um passo para a privatização, porque você vai reduzir o custo com pessoas. A partir daí, você enxuga a empresa para a privatização”, alerta Silva.

A companhia pública integra o projeto do governo federal que tem por objetivo privatizar estatais. Na lista, entre os destaques para projetos em estudo, os Correios e o Serpro – Serviço Federal de Processamento de Dados, além de Eletrobrás, Casa da Moeda, Telebrás, entre outras.

Lucro?

A categoria enfatiza que corte de direitos dos trabalhadores vem em um momento em que os Correios registram maior volume de rendimentos devido ao crescimento de entregas durante o isolamento social da pandemia do novo coronavírus.

“Tem uma medida também da empresa dizendo que não há lucro e as estimativas, mesmo com a pandemia, são de R$ 800 milhões até o final do ano”, diz ele.

“Você supera o ano anterior e, na crise, na pandemia, os Correios aumentam o faturamento com o serviço de entrega de E-Comerce, Sedex e o mercado de encomendas. Não tem justificativa retirar os direitos dos trabalhadores nesse momento, colocar o trabalhador para pagar a conta”, explica o dirigente sindical.

Segundo dados do Comitê de Métricas da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, em parceria com o Portal Compre & Confie, as vendas online mais que dobraram em junho de 2020. Em comparação ao mesmo período do ano passado, a alta foi de 110,52%. No trimestre de abril a junho de 2020, 18,2% dos internautas brasileiros realizaram ao menos uma compra online, alta de 5,9% em relação ao trimestre anterior (12,3%). Já na comparação com o mesmo período em 2019 houve crescimento de 8,1%.

Militares nos Correios

Outro argumento da Fentect contra a falta de recursos colocada pelo governo federal, apontada pela Fentect é a contratação de militares para ocuparem cargos nos Correios e criação de novas assessorias especiais. De acordo com a organização, já são mais de 10 militares em cargos estratégicos da direção dos Correios e suas subsidiárias ganhando salários de R$ 30 a R$ 46 mil.

Segundo eles, a ata do 125º Reunião do Conselho Deliberativo do Postal Saúde (Caixa de Assistência e Saúde dos Empregados dos Correios), realizada em 13 de março de 2020 e registrada em 11 de maio de 2020, teria criado mais sete assessorias especiais com salários mensais de R$ 27 mil, ao custo de mais de R$ 2,4 milhões ao ano, para a gestão de militares.

“Enquanto ele [Floriano Peixoto] tira um ticket alimentação de R$ 40 do trabalhador, ele cria cargo para assessor de R$ 27 mil que estava reformado. É uma imoralidade muito grande. Você tem hoje no Fundo de Pensão um general, na Caixa Saúde dois generais, no Correios mais três generais, depois eles criaram 16 cargos de assessor para colocar coronel, general, tem um núcleo fechado dessa turma do militarismo que estavam reformados”, denuncia Silva.

Outro lado

A assessoria de imprensa dos Correiros informou em nota ao Brasil de Fato que não afirmou se priorizou os direitos dos trabalhadores nas negociações com as entidades sindicais, mas sim que  desde o início tem como “objetivo primordial cuidar da saúde financeira da empresa, a fim de retomar seu poder de investimento e sua estabilidade, para se proteger da crise financeira ocasionada pela pandemia”.

O texto ainda afirma que a ordem de contenção de despesas por parte do governo federal é de R$ 600 milhões anuais, e que as reivindicações da Fentect, por sua vez, “custariam aos cofres dos Correios quase R$ 1 bilhão no mesmo período – dez vezes o lucro obtido em 2019”.

“Respaldados por orientação da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), bem como por diretrizes do Ministério da Economia, os Correios se veem obrigados a zelar pelo reequilíbrio do caixa financeiro da empresa. Em parte, isso significa repensar a concessão de benefícios que extrapolem a prática de mercado e a legislação vigente”, diz a nota.

Em relação a proteção a saúde dos funcionários e população, a empresa pública afirmou que disponibilizou os EPIs, suspendeu a assinatura do destinatário na entrega de objetos postais, instalou painéis de acrílico em mais de 5 mil guichês de atendimento e nos centros operacionais, e promoveu a reorganização das estações de trabalho, para manter o distanciamento recomendado.

O número de guichês ainda fica aquém da realidade. Os Correios têm cerca de 11 mil pontos de atendimento em mais de 5.500 municípios brasileiros.

Sobre cargos para assessores especiais a estatal não negou e apenas informou que “trata-se de inciativa da Postal Saúde, que tem administração própria, com representantes dos Correios no Conselho Deliberativo”. O órgão não se pronunciou sobre a privatização da estatal.

 Edição: Rodrigo Durão Coelho.

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