Tonico Benites: A palavra dos Ava Kaiowá

Por Raul Fitipaldi.

Fotos: Lívia Monte.

O antropólogo guarani-kaiowá, Tonico Benites, fala mansa, olhos luz, lançou dois livros no Auditório da FAED/UDESC em Itacorubi: A Escola na Ótica dos Ava Kaiowá, impactos e interpretações indígenas e, Kiringue Arandua Rupiguare, as ideias das crianças, da prof. Antonella tassinari e outros audotres indígenas, publicado pelo NEPI, que trata da realidade de  morro do ccavalos. Além do valor intrínseco da apresentação, o resgate feito por Benites de alguns conceitos fundamentais na luta dos povos originários pela sua terra e pelo respeito à sua história foram centrais.

Costumamos falar de apartheids, quando conversamos da situação que vivia África do Sul, ou da que padece a Palestina. No entanto, quando nos referimos aos diversos tipos de muro (físicos, jurídicos e até virtuais) levantados contra as civilizações originárias, suas famílias biológicas e suas famílias sociais, desde a Alaska até o sul da Argentina usamos o eufemismo “reservas”. Vantajosa palavra para os brancos, porque parece uma concessão piedosa dos invasores, uma falsa proteção que sugere o limite no qual são encerrados, ou aonde são despejados ou limitados os povos originários. A prisão, muitas vezes variável, na que vivem os povos indígenas, despejados, deslocados, assassinados por milhares a cada ano na Nossa América, e a cultura branca de costas a este genocídio tiveram uma interrupção do silêncio no Brasil, com a luta dos Guarani-Kaiowá. Portanto, foi oportuna a decisão de trazer a apresentação destes livros e das artes indígenas, sobre tudo, da descrição da guerra que estes povos suportam contra o agronegócio e um Estado cúmplice.

Com muita clareza e calma, com rara naturalidade para nós brancos, sem ódio, com dignidade e grandeza, Tonico Benites tirou toda supresa, toda novidade àquilo que tem acontecido em Mato Grosso do Sul. Benites nos explica que nada mudou em todos estes anos: “A forma de atacar e torturar continua a mesma. Pistoleiro e militar se confundem no método de ataque e expulsão desde muitas décadas atrás.”

A reserva que foi criada para sua família, foi feita encima do que já lhes pertencia. Essas áreas estão regularizadas desde 1992, no entanto a luta começou em plena ditadura nos anos 80. Porém, a defesa tem séculos. No século XVI, quando os relatos dos portugueses os reconheciam como povos originários, a luta pela preservação da terra e da cultura por parte dos povos indígenas também existia. O retorno à democracia depois de 21 anos de ditadura no Brasil, não mudou a situação dos povos e das famílias originárias. Passaram-se Collor de Melo, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e agora está Dilma Rousseff e nada, absolutamente nada mudou. A agressão do agronegócio, das empresas multinacionais, dos Estados e da injustiça capitalista continua a mesma.

A hora dos povos originários chegou à Nossa América, o capitalismo e o imperialismo sabem isso, a cultura eurocentrista também, o ódio e o desprezo branco se acirra a cada palmo de terra, para explorar, exaurir, liquidar. A limpeza étnica, o êxodo sociocultural e físico dos povos originários pelo mecanismo da invasão, a expulsão e o genocídio merecem atenção de parte dos que honestamente acreditam, lutam e confiam em Outro Mundo Possível. É necessário escutar, ler, ver e conhecer cada dia mais esta realidade. Se os brancos pobres ficamos de costas, seremos responsáveis junto com o poder capitalista da destruição final das civilizações e da Mãe Terra. Tonico Benites lançou um alerta. Tonico, um homem originário destas terras,

“Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico”

Como há tantos anos soube sonhar, escrever e descrever Caetano Veloso.

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