Terramérica – Até a morte pela última floresta

Foto: José Garth Medina/IPS
Foto: José Garth Medina/IPS

Comunidades aborígines do norte nicaraguense reclamam ações urgentes das autoridades para deter o ataque às suas vidas e ao habitat por parte de milhares de intrusos.

Por José Adán Silva*.

Manágua, Nicarágua, 13 de maio de 2013 (Terramérica).- Indígenas da etnia mayangna travam uma batalha crucial em defesa de seu ancestral assentamento na Reserva da Biosfera de Bosawas, no norte da Nicarágua, gravemente ameaçada pela depredação por colonos invasores.

O presidente da nação indígena mayangna, Aricio Genaro, contou ao Terramérica que a luta dos povos autóctones por esta reserva, que ainda constitui a maior selva da América Central, se intensificou a partir de 2010, diante do aumento da presença de camponeses procedentes do leste e centro do país. Genaro assegurou que a invasão se tornou violenta contra os recursos naturais e a própria comunidade, estimada em cerca de 30 mil integrantes.

Neste contexto, Genaro afirmou que 13 indígenas morreram desde 2009 em defesa do território. A última vítima desse enfrentamento foi o indígena Elías Charly Taylor, que morreu em decorrência dos ferimentos a bala que recebeu na comunidade de Sulún, no dia 24 de abril, quando regressava de uma manifestação contra a destruição da floresta.

Este protesto, iniciado em fevereiro, chamou a atenção do governo esquerdista de Daniel Ortega e expôs o tema da destruição da área que, em 1997, quando foi declarada Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), contava com mais de dois milhões de hectares de espécies florestais e florestas tropicais úmidas.

O estudo publicado em 2012 pela Sociedade Alemã de Cooperação Internacional, União Nacional de Agricultores e Pecuaristas, União Europeia e Oxfam alertava que “serão necessários 24,4 anos para não ter florestas em Bosawas e 13,3 anos para dispor de zona de amortização na Reserva” caso continue a depredação em curso.

Vida silvestre em retirada

Os mayangnas vivem da caça, da pesca, da criação de animais para consumo doméstico, coleta de frutas, e produção de grãos e tubérculos com antigos métodos de cultivo natural. Mas esta forma de vida foi perturbada pelos camponeses invasores.

“Disparam contra tudo, queimam tudo, envenenam a água dos rios e cortam as árvores gigantes que por anos nos deram sombra e proteção, e depois prosseguem, nada os detém”, afirmou Genaro. “Já não se vê antas, os pumas e jaguatiricas fugiram da área e já não se ouve o canto dos milhares de pássaros que nos anunciavam a chuva. Nem os peixes grandes a gente vê nos rios. Tudo está desaparecendo”, detalhou.

Segundo o ecologista Kamilo Lara, da não governamental rede de organizações ambientalistas Fórum Nacional de Reciclagem, já foram destruídos mais de 96.500 hectares dentro do núcleo da Reserva da Biosfera de Bosawas. Lara apontou que “55% das florestas na zona de amortização, onde se assentaram cerca de 20 mil mestiços camponeses, foram derrubados para se vender a madeira”, e também estimou que 12 mil dos 19.896 quilômetros quadrados que compunham originariamente a reserva foram depredados com a expansão dessa área de amortização, que em sua origem era inferior a 5.500 quilômetros quadrados.

O assessor presidencial para assuntos ambientais, Jaime Incer Barquero, disse ao Terramérica que as autoridades nacionais deveriam acelerar as medidas de proteção, “antes que a reserva perca o status (de patrimônio da humanidade) e o mundo perca a reserva”. Com ele concordou o representante da Unesco na Nicarágua, Juan Bautista Arríen, que afirmou ao Terramérica que também é favorável à aplicação de “urgentes e firmes ações” para proteger tanto a comunidade indígena quanto a natureza.

Reação oficial

Diante da denúncia dos indígenas e das observações dos ambientalistas, o governo de Ortega começou a implantar algumas medidas contra a depredação. Autorizou o uso da força mediante o envio de 700 militares do Batalhão Ecológico do Exército da Nicarágua e outro tanto de policiais, com o propósito inicial de controlar a violência entre colonos e indígenas. Também criou uma comissão de autoridades nacionais para coordenar ações e aplicar uma política de “mão dura” contra pessoas e organizações apontadas como depredadoras do meio ambiente.

Após visitar a área no começo deste mês e constatarem in loco o dano, as autoridades baixaram o decreto 15-2013 que cria a Comissão Interinstitucional como um órgão de caráter permanente para a Defesa da Mãe Terra em Territórios Indígenas e Afrodescendentes do Caribe.

Para “fortalecer o Regime de Autonomia da Costa do Caribe”, esta comissão terá a função de garantir os direitos ancestrais de propriedade nos territórios indígenas com as instâncias operacionais e amparar as medidas que forem tomadas em conjunto com as autoridades da comunidade e territoriais para resguardar a biodiversidade da reserva.

Também foi anunciado o início de uma série de julgamentos penais, administrativos e ações civis contra todas as pessoas acusadas de destruírem e atentarem contra o meio ambiente e os direitos das comunidades indígenas. Segundo o Estatuto de Autonomia das Regiões da Costa Atlântica da Nicarágua, a Norte e a Sul, os territórios indígenas só podem ser ocupados e usufruídos por membros das comunidades autóctones.

O diretor do Centro de Iniciativas de Políticas Ambientais, sociólogo Cirilo Otero, apoiou as ações de proteção, mas disse que a aplicação de medidas coercitivas para proteger o meio ambiente, sem o acompanhamento de políticas de apoio aos camponeses que invadem a área por questão de pobreza, criaria outro conflito socioeconômico e violência rural.

O governo expôs o problema e pediu ajuda à diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, enquanto o país procura por seus próprios meios deter a destruição da último grande selva da América Central. Envolverde/Terramérica

* O autor é correspondente da IPS.

Fonte: Envolverde

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