Terceirizaram minha escola em Caçador

Este ano fiz um concurso para professor temporário, e numa dessas coincidências da vida, este concurso para especialista me colocou como coordenador de uma CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil Dona Gladis Vargas Roesch) em Caçador-SC, cidade de 75 mil habitantes no interior de Santa Catarina.

Sinceramente não sabia que meu trabalho seria coordenar uma instituição, nunca gostei desse tipo de atividade e nunca procurei esse tipo de atribuição (o cargo de especialista se modifica na atribuição em cada nível de ensino no município, no ensino fundamental fica num meio termo entre orientador e professor volante, nas creches trabalha na coordenação pedagógica e gestão). Mas o rendimento compensava, assim como a possibilidade em voltar à educação infantil, que é área que sempre me identifiquei, me atraíram.

A instituição em questão se localiza em um bairro de periferia numa cidade cujo IDH é apenas o 148º em Santa Catarina, no entanto possui 16º PIB estadual, uma desigualdade da Somália, ou brasileira mesmo, se preferirem. E estamos no que deve ser o segundo bairro mais pobre do local, o Mutirão (do primeiro bairro, falarei em breve), numa cidade com IDEB 0,6 pontos abaixo da média estadual.

Apesar de todos os percursos, com poucos recursos (escola recebe cerca de 600 reais por mês da prefeitura, mais recursos do PDDE vinculado a escola de ensino fundamental do lado) eu e pouco mais de 20 outros profissionais sempre tentamos dar nosso melhor e acreditamos que somos queridos pela comunidade, pela forma como se dirigem a nós e pelo respeito com nosso trabalho e instalações físicas.

Apesar de promessas de campanha diferentes, aos poucos fomos percebendo que a ideia de Educação Infantil para a cúpula da prefeitura (Prefeito Saulo Speroto, PSDB) e para a atual gestão da Secretaria Municipal da Educação, a visão da importância da educação infantil não estava no potencial educativo, que segundo várias pesquisas apontam são importantíssimas no desenvolvimento da criança, na vida escolar das mesmas e para o futuro delas propriamente dito.

Desde o início do ano parece ter ficado claro que a visão de Educação Infantil para a Secretaria atual é assistencial primeiro, educativa se muito. A frequente lembrança que as professoras “trabalham 30 e ganham 40” – se referindo de maneira pejorativa pelo direito adquirido de hora atividade, que outros professores de outros níveis de ensino também gozam e não são diminuídos em seu trabalho, para tanto -, foi a minha primeira sensação de que a Educação infantil, principalmente a não obrigatória (0-3), era menosprezada por essa gestão.

Depois foi a diminuição do recesso em uma semana para as professoras e opção da prefeitura de que os únicos funcionários da educação a trabalharem em ponto facultativo seriam as professoras das crianças de 0-3 anos de idade. Aos poucos nos foi parecendo que a visão da Educação Infantil como política assistencial, mas de sobremaneira assistencialista, tinha se instalado na administração local, a despeito de posicionamentos ao contrário de pessoas de dentro da secretaria, sejamos justos.

Hoje 19/07 fomos surpreendidos com a notícia que a OnG local denominada ACEIAS (Associação Caçadorense de Educação Infantil e Assistência Social), passaria a gerir as duas CMEIS dos dois bairros mais pobres de Caçador, o Mutirão, onde trabalho, e da Vila Santa Terezinha (edifício novo construído com recursos federais do Pró-Infância).

A ACEIAS é uma OnG conhecida por gerir uma série de creches no município, conhecidas pela quantidade alta de crianças por sala, estrutura física aquém do recomendado por documentos nacionais e tem por característica contar com uma grande quantidade de professoras não formadas, com pouco tempo de experiência e pagar salário inferior ao piso nacional do magistério para 40 horas semanais, para estas não formadas. Apesar de contar com boa fama na comunidade, no meio educacional local não é bem vista.

Nada mais, nada menos que entregarão as duas creches dos bairros mais pobres de nossa cidade, para uma entidade assistencial, desconsiderando toda a luta política e simbólica dos profissionais de Ed. Infantil para a sua área ser considerada uma área relevante importante e merecedora do sistema educacional (faz parte da Ed. Básica e recebe recursos da mesma), para retornar quase 30 anos atrás quando a política educacional para pequena infância era de responsabilidade da assistência, e não a efetivação de um direito eminentemente EDUCATIVO das crianças.

Tirarão professoras e profissionais com ensino superior, especialização e mestrado, para colocar, NOS DOIS BAIRROS MAIS POBRES de Caçador a administração de uma OnG sem qualquer discussão com comunidade, professores, funcionários e famílias (não que eu esperasse decisão democrática numa prefeitura que nem permite eleição direta para diretor de escola).

Uma decisão unilateral (e provavelmente fruto de acordos políticos de bastidores) que desempregará uma quantidade significativa de professoras e funcionários da educação de contrato temporário na metade do ano, quando é praticamente impossível conseguir novas turmas para lecionar. As efetivas serão remanejadas, e temporárias de outros CMEIs também perderão seu emprego por conta disso.

Essas profissionais sairão sem se despedir das crianças e familiares e interromperão o trabalho iniciado com as turmas no começo do ano, trazendo todo tipo de problema educativo advindo dessa interrupção.

E não falemos apenas de profissionais, são mães de famílias, pessoas com responsabilidades, contas a pagar e compromissos financeiros, que por conta disso terão seu futuro incerto numa época de crise.

Obviamente, como de costume, culparão crises e ausência de recursos. Mas para demais gastos como catracas em sala de aula ou na sala dos professores e aplicativos para pais com internet móvel e smartphones (a minoria nos dois bairros em questão), como pretendido pela Secretaria, terá dinheiro.

Alias, me permitam contar uma quase anedota:

Começo deste ano fui atrás de uma divisória para separar o berçário da creche, que fica no mesmo ambiente que as portas para secretaria, sala e banheiro dos professores (ambiente inadequado, mas que com algumas reformas, poderia resolver o problema). Na época custaria entre 1,300 e 1,400 reais. Um figurão da Secretaria me proibiu de fazer essa compra (dentro do orçamento da instituição), pois queria uma grande reforma geral. Quando o questionei novamente da tal divisória, meses depois, o mesmo disse que faria duas salas moduladas a custo de 70,000 reais cada, para resolver o problema. Essa é a contabilidade da Secretaria municipal de Educação.

Embora o CMEI onde trabalho possua alguns problemas estruturais que precisam de atenção, a CMEI da Vila Santa Terezinha (CMEI João Maria Fernandes), tem pouco mais de dois anos de inauguração. Fruto de recursos do governo Federal para a Ed. Infantil (o Pró-Infância e PAC), e será terceirizada, entregue de mão beijada para uma ONG.

Esta manhã a Secretaria de Educação acompanhou os novos gestores da CMEI para vistoriar as suas novas responsabilidades, que provavelmente será assumida assim que o recesso se finalizar em 31 de agosto.

Não acredito, sinceramente que a atual gestão reverta isso. Talvez algum alento para as servidoras temporárias possa existir, mas muito provavelmente uma reprovação generalizada da comunidade educacional trará certo incômodo para os dirigentes educativos de Caçador.

Por isso compartilhem isso o máximo possível. Até chegarmos aos principais nomes da educação e que se monte ao menos uma reprovação coletiva de nossa categoria, pois temos visto a cada dia mais esse tipo de atitude, como na compra de vagas em escolas particulares em Balneário Camboriú e Florianópolis, a cessão de escolas para as PMs, a terceirização da educação em Goiás, terceirização da gestão em outros lugares e assim por diante.

Educação Infantil é algo sério, e quando bem executada, como qualquer nível de ensino, possui vantagens inigualáveis para a vida dessas crianças, famílias e da sociedade em geral, além de ser de RESPONSABILIDADE do Município. Então, se você é contra esse sucateamento, contra a diminuição das responsabilidades do setor público na educação e sabe da importância da Educação Infantil, por favor, compartilhe isso!

Ass.
Cristian Dutra
Coordenador CMEI Dona Gladis Vargas Roesch – Caçador-SC
Doutorando em Educação – UnB

Caçador 3Caçador

1 COMENTÁRIO

  1. Lamentável, a educação mais significativa deixada de lado…..isso mostra que a gestão pública trata a educação infantil e seus professores como meros cuidadores, esquecem a importância dessa fase do desenvolvimento da criança que é a base para uma educação de qualidade……enquanto professora de educação infantil lamento muito por vcs e acho que os professores deveriam se unir para tentar reverter esse retrocesso….

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