Tempos conturbados 4: Como sair dali?

Por Urda Alice Klueger.

(Parte do livro “Meu cachorro Atahualpa”, publicado em 2010)

Penso agora na forma solidamente católica/luterana dentro da qual havia sido criada: era necessário viver-se da forma como a vida se nos apresentava; era necessário saber-se resistir às provações  que aparecessem, fossem elas quais fossem. Em nenhum momento, naqueles meses angustiantes, pensei que poderia sair daquele ambiente, que parecia que tinha sido bombardeado, para uma outra realidade – o máximo que chegara a pensar, nos primeiros meses após a Tragédia, fora de comprar um trailer para viver nele, onde estaria sempre pronta a fugir das hecatombes da natureza. Na verdade, era um velho sonho que vinha desde lá dos tempos do Movimento Hippie, e que, naquela altura em que estava fora de casa, parecia-me a melhor idéia possível – Atahualpa e eu viveríamos com muita frugalidade e simplicidade, dentro de um trailer, e poderíamos ser felizes com muito pouco. Pensei muito seriamente no assunto: cheguei a ir ver locais onde poderia estacionar um trailer em Blumenau, já que minha cidade não está preparada para tais coisas; cheguei a fazer contatos e ir a lugares onde se vendiam trailers, para ver se achava um compatível com a realidade de uma escritora e de um cachorro, e só não fomos morar em um porque não apareceu o adequado.

No momento em que voltamos para aquele caos em que se transformara a rua Hermann Huscher, no entanto, eu não conseguia visualizar outra realidade a não ser a de continuar ali e agüentar aquilo.

 Voltáramos em fevereiro; já era maio quando, afinal, surgiu uma luz no fim do túnel, e veio através do Nisael, um amigo que é corretor de imóveis:

                                   – Por que é que tu não vendes este apartamento e vais morar em outro lugar?

                                   – Mas alguém compraria este apartamento?

                                   – Sim, compraria. Muitas pessoas gostariam de morar aqui.

Até hoje fico pensando o que levaria pessoas a quererem ir morar naquele lugar deteriorado e perigoso, mas o fato é que as havia. Penso que talvez a proximidade do centro era um grande atrativo, não sei. O fato é que tão logo dei sinal verde ao Nisael, um e outro e outro interessados foram aparecendo, e num instante apareceu a casinha dos meus sonhos, em bairro seguro, livre de enchentes, e longe de barrancos e de ribeirões, espaçosa e bonita, com uma varanda na frente que era a coisa mais amada! A casa fazia parte de um pequeno condomínio fechado com algo como 40 outras casinhas, salão de festa, parquinho e praça de esportes. O condomínio tinha um jardim comunitário, mas cada casinha tinha seu próprio jardinzinho e, detalhe que fez com que me apaixonasse perdidamente por ela: nos fundos, havia uma mata virgem virgem mesmo, cheia de animaizinhos de pena e de pelo. Só não comprei a casa no primeiro dia porque tinha que vender o apartamento primeiro, e as diversas pessoas que apareciam querendo comprar o meu apartamento não o faziam no mesmo dia porque tinham que vender outros imóveis primeiro. Então a coisa foi-se arrastando, mas agora havia uma chama acesa na minha alma, e eu me derretia de ternura quando falava com Atahualpa:

– Meu amor, eu estou te prometendo que nós iremos sair deste lugar horrível, que iremos morar numa casinha onde haverá um jardinzinho só para ti! – eu lhe dizia centenas de vezes, em todos os momentos, mas principalmente quando estávamos no trânsito congestionado das seis da tarde, quando meu cachorrinho, deitado no banco do lado, enfiava o focinho e a cabeça sobre minhas pernas. Nessa altura ele atingira os mais de nove quilos que tem até agora, e há muito não cabia mais no meu colo enquanto eu dirigia, como o fizera enquanto era um bebê.

Aquilo tinha se tornado ponto de honra para mim, e me partia o coração a cada dia que passava oprimida na velha realidade, sem poder dar ao meu cachorrinho a largueza de uma casa com varanda e seu próprio jardinzinho.

Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

“Eu me dei conta de que cada vez que um dos meus cachorros parte, ele leva um pedaço do meu coração com ele. Cada vez que um cachorro novo entra na minha vida, ele me abençoa com um pedaço de seu coração. Se eu viver uma vida bem longa, com sorte, todas as partes do meu coração serão de cachorro, então eu me tornarei tão generoso e cheio de amor como eles.”  (Autor desconhecido)

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