Temer cancela cimeira em Portugal

Por Tereza Cruvinel.

Na sexta-feira, o governo confirmou o cancelamento da viagem de Temer a Lisboa, na sexta-feira 2, invocando os preparativos para a votação da reforma previdenciária. Mas o que fez Temer desistir foi o medo de ouvir críticas, e certamente vaias, durante a entrega do Prêmio Camões 2017, que deveria acontecer durante a XII Cimeira Brasil-Portugal, da qual participaria. O Camões é o maior prêmio conferido a escritores de Língua Portuguesa e o ganhador do ano passado, Manuel Alegre, é respeitadíssimo em Portugal não só por sua obra como também por sua militância progressista e libertária, tendo sido exilado durante o salazarismo. No ano passado, a entrega do mesmo prêmio, aqui no Brasil, terminou numa escaramuça: o agraciado, Raduan Nassar, criticou duramente o golpe do impeachment e o governo de Temer na frente do então ministro da Cultura, Roberto Freire, que sob gritos de “Fora Temer”, agrediu o premiado.


Além de participar da cimeira, um evento da agenda diplomática bilateral, Temer deveria ter encontros privados com o primeiro-ministro António Costa e com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. A suspensão da viagem, que segundo o Planalto será remarcada, desconcertou a diplomacia portuguesa, que já investira muito trabalho no encontro. No Brasil, prevalece a explicação de que tudo se deve ao intenso trabalho de articulação política que Temer terá que fazer com vistas à votação da reforma previdenciária, prevista para os dias 19 ou 20 de fevereiro. Logo, ele ainda teria tempo de sobra para fazer suas articulações após voltar de Portugal, no próximo final de semana.

Uma fonte diplomática portuguesa diz ter apurado que o verdadeiro motivo para a desistência de Temer foi o temor de ser hostilizado na entrega do prêmio. Tanto o premiado, em seu discurso, como a colônia brasileira, que é muito ativa, poderiam protestar contra sua ilegitimidade, contra a crescente dilaceração da democracia no Brasil e contra a condenação penal e a provável inabilitação eleitoral do ex-presidente Lula, que escandaliza meio mundo lá fora.

Manuel Alegre é um militantes histórico da esquerda portuguesa, que precisou exilar-se na Argélia durante o salazarismo. Na volta, fez também carreira pelo Partido Socialista, tendo sido candidato à presidência da República em 2006 e 2011. Seus primeiros livros, “Praça da Canção” (1965) e “O Canto e as Armas” (1967) foram apreendidos pela ditadura salazarista mas circularam amplamente nos meios intelectuais lusitanos, de forma clandestina.

Alegre também já teve seus poemas musicados. Um dos mais famosos é “Trova do Vento que Passa”, que foi cantado por Amália Rodrigues e outros intérpretes. Seus versos, como boa parte de sua obra, são considerados hinos de resistência ao fascismo e já foram cantados por muitos músicos portugueses e mesmo por Maria Betânia, que gravou “Assombrações”, “Trova do Amor Lusíada” e “Senhora do Vento Norte/Senhora Das Tempestades”.

“Mesmo na noite mais triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não”, diz a “Trova do Vento que Passa”.

A ausência de Temer talvez não evite que a entrega do Prêmio dê lugar a protestos contra a noite triste do Brasil.

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