Sudão do Sul: Países que criaram a crise agora reclamam

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Integrantes da etnia murle, do Sudão do Sul, esperam pela ajuda alimentar após os ataques de uma etnia rival, em 2012, que afetaram pelo menos 120 mil pessoas, segundo a ONU.

Por Katelyn Fossett*. 

Especialistas pedem aos Estados Unidos e à comunidade internacional em geral que aumentem a pressão sobre o governo do Sudão do Sul para que resolva suas debilidades em matéria de governança.

Um painel formado por acadêmicos e especialistas alertou, no dia 24, que corrupção, má gestão e falta de unidade nacional representam obstáculos para a estabilidade desse país africano.

“Esse é o medo, e por isso falamos de uma reforma”, explicou Lual Deng, diretor do Centro Ebony de Estudos Estratégicos, com sede em Yuba, capital do Sudão do Sul. “Vemos que o Sudão do Sul está entre Somália e República Democrática do Congo (RDC). Se não tivermos cuidado, cairá para qualquer dos lados”, alertou.

Deng se referia a uma tema de crescente preocupação, que é a grande concentração de poder nas mãos de umas poucas pessoas, bem como os sinais de corrupção generalizada. Em especial, mencionou o desaparecimento, no ano passado, de US$ 8 bilhões da venda de petróleo, que se acredita foram roubados por funcionários públicos.

A negligência do governo sul-sudanês também preocupa organizações de direitos humanos, após a divulgação, há cerca de dez dias, do informe mundial publicado pelo Departamento de Estado norte-americano anualmente sobre este assunto particular. O documento detalha um panorama lúgubre em 2012, primeiro ano de soberania do Sudão do Sul, após uma guerra civil com seu vizinho do norte, que gerou o que se considera uma das piores crises humanitárias dos últimos anos.

Os principais problemas mencionados pelo informe incluem atropelos das forças de segurança, falta de acesso à justiça e abusos em áreas de conflito. Também menciona “assassinatos extrajudiciais, torturas, violações, intimidações, corrupção na justiça e deslocamento de população civil devido a combates entre forças sudanesas e sul-sudanesas”.

Várias organizações de direitos humanos, entre as quais se destacam Act for Sudan, American Jewish World Service, Enough Project e United to End Genocide, divulgaram um comunicado no dia 22, no qual consideram que o informe do Departamento de Estado é uma “oportunidade” para que o governo do Sudão do Sul resolva os problemas.

As alternativas são investigar e assegurar “que tais atropelos não voltem a ocorrer, bem como levar adiante o plano de ação assinado com a Organização das Nações Unidas (ONU), submeter-se a todos os tratados relevantes em matéria de direitos humanos e avançar no processo de reconciliação nacional previsto”.

“Queremos que fique claro que apoiamos o Sudão do Sul, como fazem muitas organizações não governamentais e governos, mas não queremos fechar os olhos às violações de direitos humanos só por ser um país novo e com muitos desafios”, disse à IPS o diretor-executivo da Enough Project, John C. Bradshaw.

O debate do dia 24 se concentrou no fortalecimento das instituições de governança do Sudão do Sul como a única forma de enfrentar as possíveis ameaças à sua existência, que são a corrupção, os abusos do governo e a má gestão econômica. “Creio que é muito importante ver a história e o contexto onde surge o Sudão do Sul”, afirmou Kate Knopf, do Centro para o Desenvolvimento Global, com sede em Washington. “É um Estado construído do nada e virtualmente sem antecedentes de governança centralizada”, acrescentou.

De fato, um dos principais assuntos do debate foi a falta de capacidade local para desempenhar cargos de governo. Uma das soluções apresentadas no painel, especialmente por Deng, foi incentivar o retorno, de forma temporária ou permanente, dos sul-sudaneses no exterior para que ocupem esses postos.

O professor Eirk Reeves, do SmithCollege, especializado em Sudão e Sudão do Sul, alertou que uma leitura incompleta do informe do Departamento de Estado pode minar as esperanças de encontrar uma solução. Reeves disse que não se pode compreender as violações de direitos humanos do governo sul-sudanês sem vinculá-las ao agravamento das hostilidades de seu vizinho do norte.

Segundo Reeves, o Sudão abriga e apoia combatentes armados renegados que, se sabe, cometem ataques no Sudão do Sul, a maioria deles por conflitos étnicos. “O efeito é enormemente destrutivo e aviva as tensões raciais que já são importantes no Sudão do Sul”, afirmou à IPS, lembrando que “Cartum cria uma situação incendiária na qual é mais provável que ocorram violações de direitos humanos”.

Reeves indicou que o Departamento de Estado foi descuidado ao não contemplar o papel de Cartum na situação dos direitos humanos no Sudão do Sul, em seu desejo de preservar a relação com o governo sudanês por seus interesses em matéria de contrainteligência. Depois deu a entender que a embaixada dos Estados Unidos em Cartum realiza intensas atividades de inteligência. “O informe sobre o Sudão do Sul é uma ampliação da política norte-americana para o Sudão, que foi e continua sendo desequilibrada por sua excessiva valorização de questões supostamente antiterroristas”, acrescentou.

Além das causas externas, alguns dos assuntos que mais preocupam sobre o Sudão do Sul parecem ser a corrupção e a concentração do poder. São problemas que, se não receberem atenção, tirarão peso de alguns progressos, como a ampliação do acesso à educação e a melhoria nas relações com o Sudão.

“Esperamos que o presidente sul-sudanês, Salva Kiir, leve muito a sério o problema da corrupção e detenha algumas vacas sagradas para enviar uma forte mensagem”, ressaltou Deng. “Oferecer ao Sudão do Sul as melhores lições aprendidas com outros países não importa. As soluções devem vir de dentro”, insistiu Knopf.

Foto: Jared Ferrie /IPS

Fonte: Revista Diálogos do Sul

*IPS de Washington para Diálogos do Sul

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