STF diz sim aos voos de envenenamento

Ineficaz contra os mosquitos, perigosíssima para a saúde humana e defendida por poderoso lobby, pulverização aérea de cidades tem aval do Supremo.

Foto: Pixabay.

Por Maíra Mathias e Raquel Torres.

O STF E O INSETICIDA QUE VEM DO CÉU

Em 2016, quando os casos de microcefalia assustavam o mundo e a epidemia de zika se tornava uma das maiores emergências de saúde pública já enfrentadas no Brasil, a então presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional uma medida provisória que listava uma série de medidas que poderiam ser tomadas pelas autoridades públicas quando fosse verificada uma “situação de iminente perigo” pela presença do mosquito Aedes aegypti. Durante a tramitação da MP, o deputado federal Valdir Colato (MDB-SC) apresentou uma emenda para incluir na lista a permissão da pulverização aérea de inseticidas para o controle do inseto. Colato, hoje à frente do Serviço Florestal Brasileiro, é autor do projeto que revoga a lei de crimes ambientais e libera a caça.

Pois bem: essa emenda foi aprovada e sancionada já no governo Temer, se transformando em uma das “medidas fundamentais para a contenção de doenças” descritas na lei 13.301, ao lado da pesquisa científica e da universalização do saneamento. Mas, obviamente, sair despejando inseticidas dos céus para matar um mosquito que se adaptou muito bem aos domicílios e voa baixinho é uma ideia que precisa ser sustentada por base científica.

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Na época, pesquisadores reunidos na Associação Brasileira de Saúde Coletiva alertaram que a pulverização apresentava um potencial ainda maior de causar danos à saúde, pois os agrotóxicos usados seriam despejados em creches, lagos que abastecem cidades, hospitais… Eles destacaram que a proposta de Colato vinha, na verdade, do lobby do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola e contrastavam argumentos da entidade: “A proposta de pulverização aérea do SINDAG prevê a aplicação de fenitrotiona, malation, nalede e lambda-cialotrina, que apresentam elevado risco sobre a saúde. A fenitrotiona e o nalede não possuem autorização para uso na Comunidade Europeia. Vale destacar ainda que a lambda cialotrina é um dos componentes da formulação do produto pulverizado por avião sobre uma escola municipal em Rio Verde intoxicando quase 100 pessoas, entre elas crianças e adolescentes; e o malation foi considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde, como provável cancerígeno humano”.

Atenta a tudo isso, a Procuradoria-Geral da República entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo para questionar o trecho da lei que prevê a dispersão de inseticidas por aeronaves. Ontem, finalmente, a ADI foi julgada pelo plenário do STF, que decidiu pela pulverização aérea. Foi uma votação dividida. A relatora da ADI, ministra Carmem Lúcia, era a favor da inconstitucionalidade desse trecho da lei. “Tem-se quadro de insegurança jurídica e potencial risco de dano ao meio ambiente e à saúde humana pela previsão normativa de controle do mosquito Aedes aegypti pela dispersão de produtos químicos por aeronaves”, escreveu. Votaram com ela Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Já Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Alexandre de Moraes consideraram a medida constitucional. Prevaleceu um meio termo, defendido por Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e Dias Toffoli, de que a pulverização só poderá acontecer mediante autorização prévia dos órgãos sanitário e órgão ambiental competentes. Em sua justificativa, Toffoli mencionou a epidemia de dengue: “Conforme noticiado na data de hoje, a incidência da dengue no Brasil aumentou 600% em um ano”.

Acontece que desde que a dengue voltou a gerar epidemias no país, lá nos anos 1980, a estratégia tem sido a mesma. Sem sucesso. “Esse modelo centrado exclusivamente no combate ao mosquito não impediu a dispersão do Aedes no território nacional. Não impediu que a dengue se tornasse endêmica no Brasil. E não impediu que uma doença que a Organização Mundial da Saúde considerava benigna alcançasse o grau de mortalidade que vemos hoje”, resumiu Lia Giraldo, professora da Faculdade de Ciências Médicas da UFPE em 2016. Na mesma reportagem, a especialista em insetos da Fiocruz, Lêda Regis, explicou: “Há diversos estudos que mostram que o inseticida aplicado nas ruas não tem nenhum impacto sobre a população de mosquitos. Vai matar alguns que estejam voando naquela ocasião, naquela área. E pronto”. Isso porque, segundo a entomologista, não adianta atingir 10%, 20% ou mesmo 50% dos mosquitos. “A população tem uma estratégia baseada no crescimento extenso e se repõe rapidamente.”

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