Sobre alienação em Saúde – 4

Dando seguimento às discussões sobre alienação em saúde, no texto dessa semana irei abordar a alienação em relação às outras pessoas, como um dos aspectos da alienação geral e talvez o aspecto que mais está impactando na saúde das pessoas nos tempos atuais.

Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.

Marx abordou alguns problemas da alienação já em sua tese de doutoramento. Nela, Marx abordou a alienação a partir do entendimento de “privatização da vida”, a individualidade isolada. Para Marx, o socialista verdadeiro parte da ideia de que o conflito entre vida e felicidade deve cessar, afinal, na natureza esse conflito não existe. Esse debate interno tem por objetivo apenas a individualização, o isolamento e a dificuldade de os trabalhadores se perceberem enquanto classe. Da mesma forma, Marx enfatiza que a exteriorização e alienação constituem um modo de existência independente e que a autoconsciência é a individualidade abstrata.

Os aspectos gerais da alienação vão conduzir o trabalhador a um estado de autoalienação, onde todos os aspectos já estudados confluem para explicar a situação de angústia vivida pela classe. Mas isso será assunto do texto da próxima semana.

Partindo ainda dos escritos de Marx, pode-se perceber em seus textos sobre a questão judaica as consequências da teoria defendida por Rousseau e fortemente combatida por Marx, a guerra de todos contra todos. Essa compreensão do homem faz com que o individualismo se torne ainda mais forte. No certame da política, da vida pública, essa teoria separa o “cidadão público” do “indivíduo privado”, provocando estranhamento com relação ao “ser comunitário”, estranhamento de si mesmo e dos demais.

Essa condição de separação vulnerabiliza o trabalhador, coloca-o em condição de abandono, de desprezo, onde a satisfação pessoal não faz mais sentido, pois se esgota no próprio indivíduo, diminui a possibilidades de realização humana e suprime os desejos.

Há que se considerar a profundidade que a alienação adquire nos tempos atuais onde o modo capitalista de produção, bem como suas formas de controle e de submissão dos trabalhadores, avançaram de forma acelerada  com a forte concorrência amplificada pelas crises cíclicas do capital.

Todo esse contexto aparece de forma muito expressiva na atual condição de organização da classe por meio dos movimentos sociais, sindicatos e outra associações de classe. As gerações mais recentes são o reflexo historicamente construído de uma sociabilidade individualizada, concorrencial e brutalizante, onde a posse de bens e de dinheiro ocupam valoração central na vida dessas pessoas, ao passo que, a militância engajada é considerada desimportante.

As consequências desse quadro são terríveis, pois direitos sociais são perdidos diariamente, enquanto as políticas públicas tornam-se cada vez mais voltadas para o bem-estar empresarial. Os investimentos do Estado não priorizam mais o bem-estar mínimo dos trabalhadores, mas estão abertamente voltados para pagamento de benefícios ao grande capital especulativo representado pelos bancos e outras instituições financeiras.

Ao trabalhador resta o adoecimento lastreado pelo sofrimento psíquico, pelo medo do desemprego, pela falta de acesso a bens de consumo, pela violência de classe que o patrão exerce ainda mais quando o exército de reserva é numeroso e pela violência social que essa alienação com relação aos outros ocasionam. Afinal o trabalhador atual tem dificuldade de identificar seu inimigo e termina agredindo, muitas vezes companheiros de classe, que vivem a mesma exploração.

Por isso as inúmeras formas de organização coletiva não-alienantes* devem ser estimuladas e valorizadas como forma de resistência ao capital e até mesmo de sobrevivência dos trabalhadores individualmente.

* Quando falo de formas de organização não-alienantes, estou considerando a problemática atuação das igrejas ou outros grupos religiosos, organizações secretas, como a maçonaria e até organizações políticas muito comuns nos dias de hoje, que valorizam o repertório neoliberal como modo de vida e como modo de solução individual para os problemas.

Imagem de Jesús Rodríguez Vázquez em Artelista.com

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

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