Sobre a determinação social da covid-19. Por Douglas Kovaleski.

Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.

Continuando a série que traz elementos para a análise da pandemia da covid-19 e suas especificidades na realidade brasileira, o texto dessa semana aborda a determinação da social da COVID-19. Determinação social compreendida com a estreiteza de relação entre as condições materiais de vida de uma sociedade observadas com a amplitude política, ideológica, econômica, associativa e sociocultural em tela, a condicionante da situação de saúde de uma população. Usar o termo condicionante permite fugir da tão conflituosa noção de causalidade que pode trazer incorreções e restringir a amplitude dos contextos.

Há uma dinâmica que estabelece uma clara ligação com a pandemia da covid-19, a nova dinâmica espaço-temporal que permitiu que o vírus se disseminasse com uma velocidade assustadora. Para chegar a tal constatação não é necessária nenhuma reflexão teórica mais complexa, essa é apenas uma descrição do real em sua superficialidade.

Contudo, saliento alguns aspectos relativos a essa dinâmica, pois ela se distancia de um mero fenômeno natural, revestido de neutralidade para unificar o mundo e permitir o progresso. Ela retrata um processo de deterioração do espaço em detrimento do tempo, da agilidade, da velocidade, da pressa. É preciso produzir muito e depressa, pois há uma concorrência sem limites implantada em todos os recantos da sociedade, desde a grande concorrência das empresas em prol de mais venda de mercadorias a valores cada vez menores até a concorrência dos carros no trânsito, ou de todas as comparações concorrenciais instaladas no cotidiano.

Essa loucura ensandecida atinge a circulação de mercadorias e de pessoas, trazendo uma mundialização desse processo concorrencial que é a alma do capitalismo, mesmo que para isso a vida fique de lado. Aí é importante perceber a falta de clareza do rebanho, pois a pressa e a corrida individual pela produtividade responde apenas à demanda de um grupo pequeno, a burguesia, que acumula riquezas de maneira infinita, enquanto nós, o resto vive mal, correndo e adoecendo.

Todo esse contexto desenha a universalidade do ser social que se expressa em todos seus complexos parciais, respeitando suas particularidades. No caso da saúde, pensar em processo social dessa forma significa evidenciar a dinâmica entre biológico e social, indivíduo e coletividade, expressado de diferentes formas. Assim o processo saúde-doença mostra sua complexidade e sua essência histórica, negando o biologicismo que coloca os microorganismos, a genética e a biologia, de uma maneira geral como aspectos principais no processo saúde-doença.

Para interromper este debate, pois ele tem uma extensão incrível, quero trazer o caráter conjuntural da pandemia, uma vez que suas bases sociais estejam na mundialização do capital, e a compreensão das determinações biológicas específicas precisaram se articular a essas possibilidades objetivas dessa fase de crise cíclica do capitalismo para resultar na pandemia experimentada em 2020. Não basta o coronavírus para criar essa pandemia com o formato e a velocidade de transmissão apresentado. A combinação de fatores como a novidade do agente etiológico, seu potencial de transmissibilidade, o grau de imunização da população, as medidas de profilaxia e tratamento mais ou menos conhecidas, entre outros aspectos compõem esse processo.

No tocante ao Brasil, a mundialização da pandemia assume características de colonialidade da vida, onde vidas negras, pobres, trabalhadoras, de moradores de rua, não importam. Onde também importa pouco a própria vida, pois a autovalorização que se reflete no autocuidado e no cuidado com o outro também importam pouco. Há uma depressão coletiva no país historicamente humilhado e subserviente, com sua voz e sua vontade amedrontadas e sabotadas pelos próprios pares. O que ajuda a entender o avanço da direita, o amor pelo opressor, pelo torturador, uma pouca valorização da vida, do país, do meio ambiente de maneira ampla. Esses são elementos iniciais para pensar no Brasil pandêmico.

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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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