Só pra lembrar, Estado e Governo não são sinônimos

Por Montserrat Martins.*

Se uma criança faltar aulas uma semana, sua família recebe uma visita do serviço social. Isso na Inglaterra, onde também é exemplar o serviço de saúde comunitário, que não corre risco de parar quando muda o governo, pois já está incorporado como uma política pública de Estado.

Faz muita falta ao Brasil essa cultura de diferenciar o governo do Estado, pois aqui prevalece a prática personalista de cada governo mudar tudo, sem dar continuidade aos bons programas do serviço público, nem preservar os interesses da sociedade.

Na economia a mesma coisa, como vamos mudar nosso perfil de país dependente de ‘commodities’, de venda de matérias-primas, se não temos uma política de longo prazo? Ao invés de um planejamento para as próximas décadas, nossa política é movida pelo calendário eleitoral de curto prazo, imediatista, onde só vale o que der resultado a tempo de vencer as próximas eleições.

Os brasileiros parecem não saber que o governo não é dono do Estado, que por sua vez não é dono da sociedade. Ao contrário, o papel do governo é servir ao Estado e, através desse, à sociedade. O que a Inglaterra tem de mais invejável, além de seus serviços sociais e de saúde, são esses conceitos claros do que é governo, Estado e sociedade.

Paradoxalmente, preservaram a figura da monarquia mas de modo figurativo e apartada do governo, daí a expressão “rainha da Inglaterra” para descrever quem não manda nada. É um negócio turístico, hoje, de onde possivelmente se deriva também a expressão “pra inglês ver”, de algo meramente simbólico. Talvez tenha sido o modo didático de lembrarem que algo permanece, o Estado, que se diferencia do governo do primeiro-ministro.

Aqui se diz que alguém é “rei do pedaço” quando manda em tudo, controla um território eleitoral, do tráfico de drogas ou de milícias, variantes do poder territorial no Brasil, que aliás podem andar juntos, como mostrou “Tropa de Elite 2”. Nossa cultura política se formou e se mantém até hoje com o espírito das Capitanias Hereditárias, territórios doados pelo Rei para particulares serem seus donos.

Em contraste com nossa Constituição Federal evoluída, temos uma cultura política atrasada, pois a mentalidade popular não assimilou ainda as conquistas civilizatórias. Discutimos política como quem discute quem vão ser os nossos donos, não os nossos servidores.

Isso explica a demonização dos políticos dos partidos contrários, pois diante da omissão social seus poderes se tornam absolutos, de fazer e desfazer tudo. Numa democracia constitucional ninguém tem tantos poderes, quando a população conhece os seus direitos.

O que as pessoas pensam não depende das leis escritas, mas daquilo que elas veem acontecer. Por outro lado, só acontece aquilo que a sociedade permite que aconteça, e é isso que se chama cultura política

*Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade.

Fonte: EcoDebate

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