Sete perguntas para Noam Chomsky

Foto: picture-alliance/DPA/U. Deck

Por Amélia Gonzalez.

Aos 93 anos recém-completados, o linguista, sociólogo e filósofo diz que o sistema liberal está na origem dos danos ambientais e que o maior ativismo da sociedade ainda não se mostrou eficiente para mudar esse jogo.

  1. A vitória de Joe Biden é motivo de comemoração para a causa ambientalista?

É motivo para ficar aliviado, não para celebração. Sem a maldade de Trump no mundo — pelo menos temporariamente —, ficamos com algum espaço para enfrentar a ameaça da catástrofe ambiental. Trump estava dedicado a acelerar a corrida para o abismo e, se ficasse no poder por mais quatro anos, ele nos conduziria para bem perto de um ponto de ruptura. Talvez até mesmo para além desse ponto. Nunca houve tamanha perversidade na história humana. São palavras fortes, mas verdadeiras. Teremos motivos para celebrar se Biden for capaz de dar os passos necessários para evitar o desastre. Isso vai requerer uma enorme pressão pública. Graças, principalmente, aos esforços corajosos de jovens ativistas, Biden apresentou um programa ambiental que é muito melhor do que o de qualquer de seus predecessores, embora ainda longe de ser suficiente.

  1. Hoje, o conceito ESG (Environmental, Social and Governance, em português, Ambiental, Social e Governança), tem tomado as discussões empresariais. Alguns chamam de retórica inútil. Como o senhor vê o papel dessas empresas?

Na década de 1950, nós estávamos certos de que as empresas haviam entendido sua responsabilidade social e estavam se tornando “corporações com alma”. Mas comprovamos a “real generosidade” delas, particularmente quando começaram a ganhar enorme controle político sob o regime neoliberal dos últimos quarenta anos. Adam Smith teve um olhar certeiro. O guru econômico da era neoliberal, Milton Friedman, foi admiravelmente franco sobre isso ao argumentar que as corporações não têm de ser responsáveis com a sociedade. Sua única responsabilidade, afirmou ele, é enriquecer os acionistas e, naturalmente, enriquecer a si próprias. Literalmente, a “vilania de Smith”. Os patrões executaram a tarefa de maneira muito eficiente. Poucos anos atrás, o sistema corporativo começou a enfrentar o que chamou de “riscos de reputação”. Como se diz comumente, os camponeses estão chegando com suas forquilhas, o que pode começar uma luta de classes incessante, a partir do capital. Passamos, então, a ouvir líderes corporativos reconhecerem erros cometidos em suas gestões e afirmarem sua intenção de transformar suas empresas para que elas se tornem “corporações com alma”, devotadas apenas ao bem-estar da população. Dessa forma, os camponeses podem botar de lado suas forquilhas e empenhar sua esperança nos líderes corporativos humanos e generosos. Acredite nisso por sua conta e risco.

  1. No livro Crise climática e o Green New Deal global, o senhor diz que o resgate do movimento sindical é tarefa essencial para a causa da crise climática. Por quê?

Usar a palavra “importância” é um eufemismo. Em vez disso, eu digo que é essencial. O movimento trabalhista tem sido vanguarda, tanto na mudança social progressista quanto na transformação social. Os poderosos, e aqueles que cumprem suas ordens, sabem disso muito bem. Quando (o presidente americano Ronald) Reagan e (a primeira-ministra da Inglaterra Margaret) Thatcher lançaram o ataque neoliberal sobre a população, seus primeiros atos foram no sentido de atacar os sindicatos. Para que o ataque tivesse sucesso, foi necessário destruir os meios primários que os trabalhadores usam para se defender e para defender a sociedade. Hoje, muitos dos mais respeitados economistas dizem que a destruição dos sindicatos é o principal fator que originou esta imensa desigualdade social criada nos últimos quarenta anos.

  1. De que maneira é possível juntar as duas lutas: contra a desigualdade e contra as mudanças climáticas?

O capitalismo descontrolado, quase por definição, produz duas crises: o aumento da desigualdade e a destruição do meio ambiente. Não somente por causa de sua dinâmica operacional, mas também porque o aumento do poder econômico permite aos poderosos da economia minar a democracia. Cada vez eles ficam mais poderosos e já se tornaram “os principais arquitetos da política” nos governos, usando o poder do Estado a favor de seus próprios interesses. Extirpar as raízes dessas duas crises — uma destrutiva, a outra letal — é a tarefa do movimento para criar um futuro para o bem comum.

  1. A jovem sueca Greta Thunberg arregimenta jovens do mundo todo na luta contra as mudanças climáticas. Como o senhor vê esse engajamento?

É inspirador o que os jovens vêm fazendo, e suas ações deixam uma lição cruel. Quando Greta Thunberg se dirige a nós dizendo: “Vocês nos traíram”, ela está certa. E nós deveríamos ouvi-la. É vergonhoso que gerações mais velhas tenham tolerado este caminho para o colapso social e o suicídio das espécies, de fato até estimulando isso. É vergonhoso que os jovens tenham de liderar um movimento para superar os danos severos que nós causamos.

  1. Podemos imaginar que cada país, cada região, vai encontrar um modo para lidar com a crise climática?

Regiões, e mesmo indivíduos, podem e deveriam encontrar seu próprio caminho para um futuro melhor. Mas os problemas são internacionais. Eles não têm fronteiras. Somente através de uma solidariedade internacional podemos pensar em ter alguma esperança de superar as crises que nos confrontam hoje e, assim, poderemos nos mover para um futuro melhor.

  1. O Fórum Econômico Mundial discutiu o chamado “The great reset”, que em tradução literal quer dizer “O grande reinício”. Que impacto é possível

O aquecimento global é uma ameaça existencial. Se a crise não for superada logo, nada mais importa. Há medidas possíveis que resultariam num mundo muito melhor do que ele é hoje. No entanto, só saber disso não é suficiente. As medidas têm de ser implementadas. Há ações encorajadoras em alguns lugares, mas elas precisam ser amplamente expandidas. Há um grande esforço acontecendo agora para moldar a sociedade pós-pandêmica. O Fórum pode ajudar a inclinar a balança no sentido de uma ordem social que se guie pelas necessidades humanas, não pelo lucro e pelo poder para poucos.

 

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