Se sua casa estivesse prestes a ser removida, você gostaria de ser consultada/o?

Por Thatiany Nascimento.*

Uma sala, dois quartos, uma cozinha, um banheiro e um pequeno quintal. Uma casa que abriga sete parentes e três gerações. O casal, que criou três filhos, e ainda uma neta e o genro. De aparência simples, o imóvel e a família, demoraram certo tempo para organizarem-se. O piso veio após anos de economia, assim como o andar de cima, que recentemente veio garantir a privacidade dos dois casais. Muito há que ser feito ainda no pequeno imóvel, para que o conforto seja estendido a todos os familiares. Mas, aos poucos, as rendas somadas, divididas, ampliadas, irão garantir os desejados benefícios. Na comunidade, que começou a ser estruturada há mais de 40 anos, a história parece repetir-se em cada residência. O “papel da casa”, que fará a matriarca, um dia, finalmente, dormir sossegada, é um dos pleitos antigos da associação de moradores junto à prefeitura. Quem sabe daqui a alguns anos ele saia. Apesar de parecer difícil, o sonho da casa própria, assim como qualquer outro, permanece apesar dos empecilhos. É a fé que ajuda. Porém, as tormentas que antes reduziam-se a calcular se o salário daria conta das dívidas mensais, se a prestação será paga sem juros, se os meninos (grandes) irão dormir em casa ou se o gás (que deve acabar nos próximos dias) ainda está com o mesmo preço que o do mês passado, atualmente, até parecem insignificantes. É que a alegria de ter a Copa do Mundo em seu País, há alguns meses, transformou-se em agonia. Disseram ao casal que o imóvel, que tem uma sala, dois quartos, uma cozinha, um banheiro e um pequeno quintal, e abriga sete parentes e três gerações, será removido. “É necessário”. Foi a única justificativa, que ouviram de pessoas desconhecidas, no dia em que a residência foi marcada com um número. Duas ou três vezes, eles escutaram “o pessoal do governo” dizer na TV que “as famílias sairão do local para dar lugar a uma grande obra que beneficiará a cidade inteira”. “É uma exigência da FIFA”, garantiram outras vezes. Uma indenização deverá consolar a família, que segundo governo, tem se mostrado, completamente, intransigente “nas negociações”. Isto tudo porque a obra está prestes a acontecer e não houve nenhuma audiência pública, ninguém da comunidade foi consultado sobre a ação, um decreto foi publicado sem o menor diálogo com a população, o Estudo de Impacto Ambiental (obrigatório para este tipo de intervenção) não levou em conta as alternativas que geravam menor impacto aos habitantes, uma lei (que prever indenizações pífias) foi aprovada no parlamento, sem que nenhum parlamentar ouvisse o que os moradores têm a dizer e entre todas essas famílias, que continuam a sonhar com a casa própria, até agora, ninguém sabe qual teto irá abriga-los enquanto a bola estive rolando nos gramados brasileiros durante o Mundial. Contrariando a Constituição Federal, o Estatuto das Cidades e os Planos Diretores, o autoritarismo do poder público, consolida a incerteza, dessa e de outros milhares de famílias. Se fosse minha casa, sei que faria questão de ser consultada antes. De participar. Sobretudo, reivindicaria ser tratada como gente.  Se sua casa estivesse prestes a ser removida, você gostaria de ser consultada/o ou isso tudo é uma grande bobagem e a gente resolve com o “jeitinho brasileiro” até a Copa de 2014?

* Jornalista.

Charge: Eder

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.