Saúde como autogestão e resistência II

Por Rodrigo Gagliano.

A consciência é apenas uma pequena parte do que somos e, nessa sociedade suicida, é a parte de nós que, não poucas vezes, funciona contra nós mesmxs: é ela quem se intoxica, quem se vicia. O modo como ela, a consciência, funciona é muito determinado pelo cenário em que nascemos: família, cultura local, alimentação, concepções de saúde-doença-cura, etc. Mas, se somos observadorxs, e não estamos muito intoxicadxs – xs intoxicadxs hibernam –, podemos perceber que há qualquer outra coisa, uma outra inteligência, que, se damos espaço, emerge, é uma espécie de sabedoria corporal que repica de muitas formas, nesse mesmo espaço da consciência: uma intuição, uma emoção súbita, uma frase estranha que nos passa pela mente, a lembrança de alguém que não vemos faz tempo e que depois nos diz que naquele momento também pensava em nós, uma falta de apetite, ou uma vontade de comer algo muito específico, uma fruta, quem sabe, que faz muito tempo não comemos… Observamos muitas vezes, essa inteligência agindo como contradição com que a boca diz… Por exemplo, você informa alguém que essa pessoa deve ir para a direita para encontrar um determinado lugar, mas, sua mão aponta para esquerda, já reparou que sua mão nunca erra a direção? Ou, outro exemplo ainda, uma pessoas está conversando com você, apesar das boas palavras que saem de sua boca, a expressão facial da pessoa desmente o que ela diz e, então, ficamos desconfiados… Esses todos são apenas detalhes, quase banais, dessa inteligência, contudo, que devemos ficar muito atentos para que nossa atenção possa captar coisas muito mais sutis. A atenção é como o couro de um instrumento de percussão, quanto mais esticado, melhor seu repique…

Conforme vamos abrindo espaço para essa outra inteligência, que está sempre ao nosso favor, crescemos em confiança. A nossa atenção capta essa inteligência e essa captação aumenta nossa confiança que aumenta nossa atenção. A atenção apenas precisa ser instigada pelo nosso desejo. Uma das pessoas sábias que passou por esse mundo, não precisamos de nomes, disse que deveríamos observar nossa mente com a mesma energia atenta com que observaríamos um quarto todo trancado com nós e uma cobra venenosa dentro, certamente, diz ela, nossa atenção estaria inteira ali, sem contradições, nos salvando da cobra. Ou, outra imagem mais meiga, da mesma pessoa, é que deveríamos olhar nossa mente com a mesma atenção que dispensamos a um filho recém-nascido, olhamos cada movimento, cada necessidade de nosso bebê… Será que somos capazes mesmo disso em relação a nossa mente?

Mais acima, deixei explícita uma relação entre auto-observação e intoxicação, como proporcionalmente inversas, isto é, quanto mais intoxicados, menos atenção. As formas de intoxicação passam por todos os sentidos: paladar, olfato, visão, tato, audição. E, obviamente, a DES-intoxicação passa também pela limpeza de todos esses canais, pela limpeza de corpo/mente. Trataremos nos próximos textos dos processos de (des)intoxicar…

Até agora x leitorx deve estar se perguntando o que essa inteligência tem com saúde como autogestão e resistência. A autogestão em saúde passa por essa pesquisa interna, corporal/mental, pessoal, é preciso desbloquear os canais para “ouvirmos” mais e mais essa inteligência, é ela que tem boas bússolas para caminharmos em direção à saúde… Ela é imprescindível para nossa orientação própria.

Além da atenção e a crescente confiança, é preciso ainda outro passo em direção a essa inteligência saudável, é preciso uma ruptura psicológica com toda e qualquer autoridade: do médico, do farmacêutico, do analista, do professor, dos pais, do estado, do artista, do cientista, do padre/pastor, etc. As autoridades são SEMPRE um mal, em muitos sentidos, mas um deles é o fato de que se depositamos a confiança em qualquer dessas autoridades, deixamos de nos ouvir, de observarmos a nós e ao mundo, bloqueados pelo saber da autoridade, delegamos nossa vida a outrxs. Romper, psicologicamente, com a autoridade, se não podemos bani-las concretamente e de vez (infelizmente, esse é um fazer coletivo), significa que podemos ouvir o que tem para nos dizer, mas, nossa postura diante desse dito é outra, é uma postura interrogativa, iconoclasta e de desacato.

Ou seja, a autogestão da vida e da saúde passa pela horizontalização da vida, das relações, das quebras com ídolos e autoridades, pela resistência ao empoderamento dxs outrxs sobre nós. Em bom sentido, anarquia é vida e saúde!

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