Sapos verdes e a execução de Marielle: sobe o grau da guerra semiótica brasileira

Por Wilson Ferreira.

Em um dia o industrial sem indústria e rentista Paulo Skaf lançava a campanha “Chega de engolir sapo” (ironicamente contra os juros altos) em frente ao prédio da Fiesp diante de um enorme batráquio verde inflado. E no dia seguinte a vereadora do PSOL/RJ Marielle Franco era executada com quatro tiros certeiros na cabeça. Intensifica-se a guerra semiótica com a ocupação do campo simbólico da sociedade pela direita. No primeiro caso, principalmente pela ironia dos autores da campanha, uma mensagem prá lá de ambígua que ainda tenta surfar na onda anti-PT/Lula, pela proximidade do “grand finale” da sua prisão. E no trágico episódio do Rio, uma vítima exemplar, escolhida a dedo, para detonar a “bomba identitária”, ato inaugural (assim como o “laboratório” da intervenção no Rio) para “melar” a eleição desse ano através do discurso da ameaça de um inimigo interno: o crime organizado. Fator até aqui ignorado pelos analistas políticos, mas que tem parte importante na guerra semiótica brasileira, desde os ataques de 2006.

Na noite de 12 de maio de 2006 iniciou-se a maior onda de atentados contra forças de segurança no Estado de São Paulo. Foram 251 ataques em todo Estado com 90 ônibus queimados, ataques a delegacias de polícia e corpo de bombeiros, além de rebeliões em 73 presídios. Diante dos ataques comandados pela facção de crime organizado PCC, o comandante-geral da PM disse que tudo não passava de uma reação desesperada contra a ação repressiva da polícia que fechava o cerco contra os criminosos.

Levou alguma horas para a grande mídia entender o que acontecia, até se alinhar à narrativa oficial do Governo – a de que tudo não passaria de uma reação aloprada do PCC contra a eficiente ação anticrime organizada pelas polícias estaduais.

Na noite de 13 de junho de 2013 chegava-se ao ápice das manifestações com violenta repressão policial contra 22 mil pessoas que seguiam para a Avenida Paulista. Eram as chamadas Jornadas de Junho contra o aumento das tarifas de transporte público. Contou com forte impacto na opinião pública, fazendo relembrar os jovens “cara pintadas” quando do impeachment de Collor de Mello em 1992.

Também a grande mídia levou um tempo para entender o que acontecia (foi uma semana de condenação às manifestações tidas como “ignorância política misturada com rancor sem rumo”) até cair a ficha e adotar a narrativa do “não é apenas pelos 20 centavos”: era contra a Copa, o Governo, o PT etc.

Em um dia 13…

E novamente em um dia 13 (dia sincrônico, agora nesse mês de março!) a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) aposentou o gigantesco e icônico pato amarelo inflável das manifestações pelo impeachment de 2016 e substituiu por um também imenso sapo verde. “Chega de engolir sapo!”, bradou o presidente Paulo Skaf protestando contra os juros altos em evento de lançamento de campanha em frente ao prédio da Federação, na Avenida Paulista.

Irônica campanha, tanto para a Fiesp como para a grande mídia que deu toda visibilidade ao mascote batráquio inflável:  afinal, ambos, presidente e proprietários dos grande grupos midiáticos, em última instância são rentistas interessados na escalada dos juros.

 E nessa mesma semana, a execução da vereadora do PSOL/RJ Marielle Franco com quatro tiros certeiros na cabeça, não restando dúvidas quanto à intencionalidade e profissionalismo da ação. Uma vítima escolhida a dedo: mulher, negra, nascida na Favela da Maré, militante de esquerda e LGBT,  e participante de uma comissão de vereadores destacada para acompanhar a intervenção militar no Rio de Janeiro.

Dessa vez não houve delay na grande mídia – certamente depois do traquejo conquistado nesses anos de bombas semióticas diárias e intensa guerra híbrida.  A grande mídia, e a Globo em particular, instantaneamente se alinharam com o discurso do Governo Federal que lembrou o mesmo discurso do comandante-geral da PM lá na crise dos ataques do PCC de 2006: para o presidente desinterino Temer, a execução foi uma reação do crime organizado contra o sucesso da intervenção federal.

Alusão a algum sapo barbudo? No dia 13?

Os resultados de quatro bombas semióticas  

Quatro bombas semióticas. Quatro episódios no qual a “direita” (na verdade um complexo formado pelas buchas de canhão da direita e hidrófobos brasileiros + interesses geopolíticos que motivam a atual guerra híbrida em escala planetária dos EUA) mostra a habitual expertise em ocupar o campo semiótico da sociedade.

No primeiro episódio, o resultado foi o silêncio da mídia sobre a questão do crime organizado (PCC) que silenciosamente ocupou o país inteiro, chegando até a colocar um representante no STF – como diz a jornalista Bárbara Gancia, um picolé de limão para quem dar o nome…

Quanto às jornadas de 2013 não é preciso muitas elucubrações: a narrativa midiática do “não é apenas pelos 20 centavos” conduziu o País à crise política, econômica e o impeachment, seguindo milimetricamente o roteiro das turnê das “Primaveras” que deram a volta pelo planeta – Egito, Ucrânia, Síria etc.

Quanto ao industrial sem indústria, rentista e político tardio Paulo Skaf, depois de perder o protagonismo com o Governo Temer e também pedir sua renúncia, cria o não-acontecimento do sapo inflável. E lançando a campanha em um dia 13 (número do PT), com uma alegoria prá lá de ambígua: será tudo um irônico trocadilho a Lula, o “sapo barbudo”? Um trocadilho ao estilo “vamos tirar o País do vermelho” de uma das campanhas de propaganda do desinterino Temer? Como Dória Jr., Skaf ainda quer surfar na onda anti-PT?

Foto: Thais Alvarenga

 

A bomba identitária

Mas a guerra semiótica atravessou o rubicão com a premeditada execução da vereadora Marielle Franco. Mas por que semiótica? Por que uma trágica e criminosa morte como essa se aproxima de uma natureza sígnica no campo semiótico da sociedade?

Para começar pela “exemplaridade” da vítima: mulher de esquerda, negra e LGBT. Praticamente uma, por assim dizer, bomba semiótica identitária – relativa aos movimentos de afirmação da identidade social centrada em fatores biológico, étnico-raciais ou geracionais.

Uma bomba conveniente, muito conveniente, especialmente para a Globo que vive um duplo momento: ao mesmo tempo em que leva o governo nas costas com a necessidade editorial de criar a ilusão da retomada econômica, tenta lavar as mãos de toda responsabilidade por ter dado visibilidade aos movimentos de ódio e intolerância que ajudaram a desfechar impeachment em 2016.

Por essa razão, ao mesmo tempo em que dá o tom noticioso de que o assassinato é um “teste para o Governo no combate contra o crime organizado” (invertendo os sinais e justificando a intervenção federal no Rio), na quinta-feira abriu todo espaço na cobertura aos protestos por todo País.

Com direito a apresentar no Jornal Nacional um vídeo forte que circulou na Internet  com a seguinte locução: “mais uma mulher ASSASSINADA… não apenas uma MULHER, mas uma mulher NEGRA… uma MILITANTE”, que movia estruturas e foi EXECUTADA a sangue frio… GENTE, PAREM DE MATAR GENTE, esse assunto é URGENTE. MARIELLE, PRESENTE”.

E com um acréscimo da Globo: “…uma homenagem e também um alerta. Tudo começa como respeito. À vida” – clique aqui.

Como uma luva para a Globo…

O apoio e visibilidade aos movimento identitários passaram a ser uma obsessão para a Globo, tema atualmente transversal no telejornalismo, telenovelas e entretenimento. Muitos críticos falam em “apropriação alienante” dos “discursos de protesto” pela Globo.

Uma obsessão da Globo

Não é para menos que a estratégia semiótica de guerra híbrida ultrapassou os limites, vamos dizer, simbólicos para ingressar no campo brutal do atentado e assassinato. A bomba semiótica identitária de Marielle além de cair como uma luva na atual estratégia discursiva da Globo, ajuda a elevar o tom dos chamados “movimentos identitários”.

Posso discordar da maioria dos analistas políticos, mais tais movimentos, assim como as “jornadas de Junho de 2013, pretendem assumir o lugar dos partidos políticos, criando uma espécie de barreira apenas alegórica ao avanço do autoritarismo. E que, inadvertidamente, acaba dando combustível à estratégia discursiva midiática genérica do “respeito pela vida”, “fim da violência e intolerância”, “por um Brasil melhor”.

Slogans tão genéricos que lembram os cínicos liberais intelectualizados do filme Corra (Get Out, 2017) que se interessam pela questão negra porque “está na moda” – sobre o filme clique aqui.

Tanto os “movimentos identitários” quanto o discurso genérico da Globo convergem para o mesmo desvio discursivo: contornar a realidade da luta de classes.

Realidade na qual pulsa a verdadeira intencionalidade dessa “bomba identitária” que explodiu na opinião pública: a partir desse brutal episódio inaugural, explodir outras bombas que “melem” a eleição desse ano para posterga-la sine die sob o pretexto de um estado de exceção criado pela necessidade do confronto contra um suposto inimigo interno. Inimigo, aliás, que parece ser o sócio de tudo isso. Desde os ataques de 2006.

Afinal, somente aqueles muito ingênuos podem acreditar que os artífices do golpe político, cujos passos foram planejados desde 2006, deixariam no final tudo ser decidido através de uma eleição democrática.

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