Salário emocional, nova tática para precarizar

Foto: reprodução internet

Por Paulo Schwartzman.

Em tempos pandêmicos de hiperprecarização, nos quais a famigerada Reforma Trabalhista compete com novos modos de dominação e cortes nos direitos laborais, ganha força um novo termo que vem com tudo para alavancar os lucros das grandes corporações e incrementar a dose de autoexploração dos indivíduos. Estou a falar sobre o salário emocional, termo que bomba cada vez mais em uma certa rede social conhecida por seu foco no “mercado e networking”, sem nenhum tipo de projeto, ideologia ou Link oculto, claro.

Um termo que pode soar estranho ao primeiro toque nos ouvidos, seu timbre fica ainda pior quando aprofundamos na análise do que está por trás do referido conceito. Bom, para aqueles que ainda não estão familiarizados, o conceito de salário emocional remete a “benefícios” não monetizáveis que determinado posto de trabalho em determinada empresa poderia oferecer – como, por exemplo um bom clima de trabalho, a capacidade de expor suas ideias aos demais colaboradores, chefia inclusa e ter o seu trabalho devidamente reconhecido – dentre tantas outras benesses citadas por “experts” da área.

Totalmente de acordo que todos as características acima citadas, como tantas outras que também estão englobadas no conceito de salário emocional, são de fato positivas ao trabalhador, o ponto que aqui é exposto é que a questão nunca foi “se” o salário emocional e seus benefícios são bons, mas sim “por que” existe uma aberração como salário emocional para designar tipos de comportamentos mínimos que deveriam ser adotados por todas as corporações quando do trato com seus colaboradores.

Exatamente nesse sentido que fica claro o intuito precarizador do referido instituto, que é usado para baixar o nível salarial dos colaboradores que teriam a benesse de ter um salário monetário baixo, mas uma complementação em “salário emocional”. Ora, se estamos sob a égide de um sistema capitalista – pelo menos é isso que é jogado em nossa cara 24/7 – qual o motivo de não aumentar o salário do empregado de modo que esse possa viver dignamente e também tratá-lo com a referida decência mínima, essa que engloba todas as “benesses” citadas acima – muitas delas que, diga-se de passagem, continuam sendo imposições basilares dos direitos trabalhistas do cidadão (como a vedação ao assédio moral e sexual, para dizer o mínimo). O trabalhador não conseguirá, de fato, pagar suas compras de mercado com o famigerado “salário emocional”. Não dá pra virar para a caixa do supermercado e falar, quando esta perguntar a forma de pagamento, que a conta será paga com salário emocional.

Assim, o que fica patente é a troca entre um salário que corresponda de fato às atribuições do cargo – descontada claro a mais valia, essa que é seguramente retirada do trabalhador em ambos os regimes – e um salário decotado, em que parte do valor devido é retido a título de salário emocional. É óbvio que a operação é mais sutil do que aqui narrada, até mesmo porque técnicas de dominação não costumam ser anunciadas como tal, e sim miudamente inseridas dentro do seio sociocultural a fim de promover um nível biopsíquico de absorção das ideias por elas veiculadas. Todavia, o que se tem é de fato o trabalhador achando que está recebendo uma regalia ao ser bem tratado no ambiente de trabalho, como se não fosse mera obrigação de seu empregador.

Mais que isso, com o uso da técnica, existem até mesmo empregados que preferem o dito trabalho com alto “salário emocional” em detrimento de um salário maior em empresas que não tenham o dito cujo. Percebe-se aí uma perfeita adoção dos valores capitalistas, ou seja, o empregado “comprou” a ideia difundida de que, de algum modo, ele não teria o direito inerente ao trabalho de ser respeitado em seu ambiente laboral, de ter suas ideias ouvidas, de ter seu trabalho reconhecido etc. Ora, o salário emocional está a fazer verdadeiro desfavor aos trabalhadores, na medida em que normalizam a situação de desrespeito aos direitos destes.

Outrossim, anota-se que as empresas que oferecem o referido salário emocional não o fazem por bondade ou elevação espiritual, mas sim porque visam ao lucro, e este pode ser mais facilmente obtido se os custos com a mão-de-obra forem mais baixos. Nesse sentido vê-se claramente que o salário emocional é a execução de padrões meramente mínimos de conduta frente ao empregado que acabam por gerar, considerando o cenário sistêmico de violações de toda estirpe aos direitos trabalhistas em Pindorama do séc XXI, uma vantagem competitiva.

Byung-Chul Han – em seu livro O que é poder? – já bem assentou que “o poder permite ao ego ser no outro por si mesmo” e nesse sentido vemos que o nível de intrusão do capitalismo na mente dos trabalhadores já faz com que os conceitos por aquele pregados passem a ser facilmente assimiláveis por esses. Observa-se então o fenômeno da autoexploração, na qual o sujeito sente-se livre, mas justamente por sentir essa liberdade permite dinâmicas exploratórias que atuam a nível de psicopoder. Vale lembrar a clássica transmutação da pessoa de sujeito a projeto e de projeto a projétil de si mesmo – o que acaba por bem definir o que decorre desse modo de agir contemporâneo.

Um dia talvez teremos uma sociedade que esteja apta a remunerar condignamente seus trabalhadores, ainda que seja impossível de vislumbrá-la sob a égide atual capitalista. Até lá continuaremos com conceitos, institutos e termos vazios usados para imperceptivelmente controlar a vida dos trabalhadores, manipulando-os para atender aos escusos interesses dos poderosos. Nesse diapasão, salário emocional seria, com uma analogia clássica dos tempos de infância, pior que o famoso troco em bala – a bala pode até ser boa, mas preferimos a devolução de nosso dinheiro – com a ligeira diferença que o trabalhador já teria direito tanto à bala quanto ao troco.

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