Sabotagens e petróleo: Entenda a crise econômica e as ingerências na Venezuela

País depende da exportação de matéria-prima e importa alimentos, remédios e outros bens e EUA tem histórico beligerante em regiões produtoras de petróleo

Foto: AVN/Telesur
Desde 2017, os EUA lançam uma série de sanções contra empresas que atuam na Venezuela, proibidas de fazer transações em dólar

Por Wallace Oliveira.

Reeleito presidente da Venezuela com 67% dos votos válidos, Nicolás Maduro enfrenta sérias ameaças a seu segundo mandato. Ele tomou posse no dia 11 de janeiro. No dia 12, seu principal opositor no Legislativo, o deputado Juan Guadió, atribuiu a si mesmo o status de presidente da República. No dia 13, a esposa do deputado disse pelo Twitter que ele foi preso e liberado horas depois.

No dia 14, discursando para a Assembleia Constituinte, Maduro taxou a suposta prisão de “manobra desestabilizadora”, feita para “criar um show, intensificar a guerra midiática e impor uma opinião que justifique uma intervenção militar”. De fato, desde que Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos, a Venezuela vive o pesadelo de um possível ataque armado a seu território, com o apoio da oposição. Até agora, porém, as principais movimentações dos inimigos do regime acontecem na economia, na relação entre governos e na política interna.

Crise econômica: as sabotagens e o petróleo

Desde 2017, os EUA lançam uma série de sanções contra empresas que atuam na Venezuela, proibidas de fazer transações em dólar. Contas nos setores industrial e farmacêutico foram fechadas e recursos públicos bloqueados no exterior. A economia do país, que depende da importação de alimentos, remédios, peças para carros e máquinas, afundou ainda mais em uma crise que já dura cinco anos.

“Há um sistema de saúde pública excelente, com postos nas comunidades pobres, um programa equivalente ao Mais Médicos, hospitais públicos de qualidade. Porém, faltam remédios porque o governo não consegue comprar. Importar remédios se dá por contratos que passam por bancos e esses bancos sofrem pressão para não fazerem negócios com a Venezuela”, exemplifica Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.

O centro da crise é o petróleo, que responde por mais de 90% das exportações venezuelanas. O país caribenho é um dos 15 principais produtores da matéria-prima no mundo. Enquanto o preço do barril crescia ou rondava os US$ 100, o PIB venezuelano também cresceu acima da média da América Latina. A partir de meados de 2014, antes mesmo das sanções econômicas, a Venezuela se viu às voltas com a queda da cotação do petróleo no mercado internacional. Uma profunda recessão atingiu em cheio a economia do país. A inflação e o desemprego dispararam. Com uma economia pouco diversificada e sem uma indústria pujante, a Venezuela se viu vulnerável diante da crise.

“[Por décadas] o petróleo fez com que o país tivesse uma renda grande. Tornou-se mais conveniente, no cálculo econômico, comprar externamente as mercadorias industrializadas do que produzi-las internamente. A renda do petróleo fez com que a Venezuela não desenvolvesse a indústria nacional, uma indústria regional. Então, a Venezuela ainda é uma economia muito carente na consolidação de sua indústria química e metalúrgica, que são a base para o desenvolvimento das outras indústrias, explica a economista Olívia Carolino, da direção da Consulta Popular.

Ofensiva oposicionista e reviravolta

A crise econômica desgasta o governo, dando sinal verde para grupos oposicionistas. Em 2015, nas eleições para a Assembleia Nacional Legislativa (o Congresso venezuelano), a oposição ganhou 112 das 167 cadeiras parlamentares. Maduro reconheceu o resultado. Simultaneamente, adversários realizaram protestos e sabotagens no comércio, escondendo produtos básicos, como alimentos.

No dia 1º de maio de 2017, Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para enfrentar a crise. Prevendo que, com a Constituinte, o chavismo reconquistaria o apoio popular, a oposição conclamou o país ao boicote e, no dia 18 de julho, anunciou um poder paralelo. Grupos armados atacaram edifícios públicos. Opositores se recusaram a disputar as eleições para deputados constituintes. Embora o voto seja facultativo, cerca de 8 milhões de pessoas (41% dos eleitores) compareceram voluntariamente às urnas.

O chavismo virou o jogo. Os protestos da oposição refluíram nas ruas e, nas urnas, o PSUV, partido de Maduro, venceu as eleições estaduais, ficando com 17 dos 23 governadores. Em dezembro, conquistou 300 das 335 prefeituras. Em maio de 2018, Maduro reelegeu-se presidente com 5,8 milhões de votos, 4 milhões a mais que o militar Henri Falcón, segundo colocado. O militar não aceitou o resultado e pediu novas eleições. Em dezembro, o PSUV elegeu cerca de 90% dos vereadores.

Venezuela: estão de olho no petróleo

Estados Unidos tem uma trajetória beligerante em regiões produtoras da matéria-prima
Herdeiro político do ex-presidente Hugo Chávez, Nicolás Maduro chegou ao governo em meio à comoção pela morte do líder que, além de impulsionar a chamada Revolução Bolivariana, colocou a economia venezuelana no mapa geopolítico mundial.

A chegada de Hugo Chávez à presidência, em 1998, marcou o fim do modelo de Punto Fijo (ponto fixo), acordo entre as elites que davam as cartas desde os anos 60. Esse sistema se baseava na distribuição da renda do petróleo em uma ampla rede de troca de favores entre políticos, sindicatos atrelados ao Estado e empresários. Apenas dois partidos de direita se alternavam na presidência: a Acción Democrática (AD) e o Comité Electoral Partidario Independente (Copei).

“A direita estava muito desgastada naquele momento [eleições de 1998]. Ela sempre foi muito fechada, um clubezinho de famílias que têm suas propriedades, sua vida social e a maior parte de seus investimentos em Miami (EUA). Tratava-se, então, de romper com essa visão de fora para dentro”, comenta o professor Gaby Clauss Fernandes. Desde 2002, ele viaja periodicamente à Venezuela para acompanhar a situação do país.

Para a economista Olívia Carolino, o projeto bolivariano tentou inverter essa lógica. “Chávez quebra com o Pacto de Punto Fijo, fazendo com que o povo entre na história do desenvolvimento e da construção nacional. A isso ele chamou de desenvolvimento voltado para dentro, com participação dos venezuelanos. A principal empresa pública, a PDVSA, passou a estar subordinada a isso. Esse processo é muito recente, não está completo”, afirma.

Geopolítica e petróleo

É impossível entender a crise venezuelana sem pensar nos Estados Unidos, maior consumidor de derivados do petróleo no planeta: combustíveis, cosméticos, plásticos, roupas, parafina, asfalto e outros. Mesmo após se tornar o maior produtor, eles são o segundo maior importador, atrás apenas da China. Apesar de comprarem petróleo venezuelano, seus principais parceiros estão no Oriente Médio. Porém, a proximidade geográfica com a Venezuela faz com que o percurso de transporte do óleo seja dez vezes mais rápido.

Em nome do petróleo, os EUA promoveram guerras no Golfo Pérsico, Síria, Iraque, Líbia e outros lugares. Agora, a Venezuela é o alvo prioritário. “Estão pensando em uma ofensiva dessa natureza sobre o petróleo. Então, é muito importante o domínio político e econômico sobre a Venezuela, que tem uma das maiores reservas do mundo”, comenta Olívia.

Articulações

Para concretizar a ofensiva e derrubar Maduro, os Estados Unidos precisam contar com aliados na América do Sul. Por isso, em agosto passado, o chefe da Defesa estadunidense, General James Mattis, cumpriu um roteiro de visitas à Argentina, Brasil, Chile e Colômbia. O objetivo foi comprometer as forças armadas desses países com o cerco ao vizinho caribenho. Os quatro integram o famoso Grupo de Lima, articulação composta também por Canadá, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru, sob comando norte-americano.

O presidente da Argentina, Maurício Macri, cogitou implantar bases militares ianques na região de fronteira com Bolívia e Chile. O governo colombiano negocia o estabelecimento de uma base da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) em seu território. No Brasil, o governo Bolsonaro, além de ofertar território nacional para uma base dos EUA, elegeu-se com um discurso agressivo, pregando uma guerra contra o país vizinho.
China e Rússia.

Na medida em que fica isolado no cenário regional, por outro lado, mais o governo Maduro estreita a parceira com China e Rússia, principais contrapontos aos Estados Unidos nos planos econômico e militar, respectivamente. Em dezembro, em Moscou, ele selou vários contratos de cooperação comercial com Vladimir Putin, garantindo US$ 5 bilhões em investimentos na área petrolífera, além de US$ 1 bi na mineração e outros recursos para agricultura e armamentos. Dias depois, os dois países realizaram exercícios militares conjuntos no norte venezuelano.

Na China, Maduro firmou 28 acordos e 700 projetos. Destaque para o que previu ampliar para 1 milhão o número de barris diários exportados para a potência asiática. Outro contrato prevê investimentos chineses na produção de ouro no sudeste da Venezuela, onde se encontra a quarta maior reserva do mundo.

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