Retrospectiva: SUS, privilégio do Brasil

Imagem: Pixabay.

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Poderá o SUS sobreviver ao ataque neoliberal em curso?

Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.

Todo exercício de futurologia, apesar de tentador, incorre em limites impostos pela realidade, mas podem, em alguma medida, auxiliar na predição de fenômenos, na prevenção de desastres ou podem aumentar a turbidez da realidade se não forem bem arquitetados. No caso das previsões referentes ao SUS, e no conjunto das políticas sociais no Brasil, o prognóstico é sombrio.

Falar em sobrevivência do SUS necessita de alguma especificação, pois o SUS está no Brasil de maneiras muitos diferentes em cada rincão do país, pois a condução das política depende do apoio de cada esfera de governo, da priorização que se dá para essa política, bem como da organização popular em torno da saúde e da orientação do Estado diante do provimento de segurança social maior ou menor. Há que se perceber qual SUS defendemos. Ou trata-se apenas de um projeto de SUS que nunca se consolidou? O SUS constitucional, ou legal é pautado pela Universalidade (que nunca existiu, pois não atende a toda a população), pela integralidade (outra panaceia, pois, no sentido primeiro da integralidade, nunca deu conta de todas as necessidades, sequer clínicas) e pela equidade (princípio diametralmente oposto a tudo que a sociedade brasileira vive, com a concentração de dinheiro, poder e recursos).

O SUS é um projeto ainda utópico, mas que possui grande valor, tanto pelo posicionamento político que exige como com relação aos avanços que conquistou. O SUS coloca o Brasil em condição ainda privilegiada, do ponto de vista humanitário na esquálida América Latina. No entanto, não é possível que os movimentos favoráveis ao SUS mantenham-se na simples “defesa do SUS”. O SUS mal começou e exige uma grande transformação na sociedade como um todo para ser colocado rigorosamente em prática. O SUS precisa de avançar e não apenas defender.

Nos dias de hoje, construiu-se um discurso de que não há recursos econômicos suficientes para assegurar a manutenção e desenvolvimento do Estado de bem-estar social, onde o SUS se encaixa. Esta narrativa afirma que as “políticas públicas não funcionam”. Com tantas riquezas sendo produzidas a partir de um lastro tecnológico jamais visto, onde estão os recursos para as políticas sociais?

O avanço do SUS está condicionado ao modelo de desenvolvimento de cada país e à conjuntura econômica mundial. Assistimos, atualmente, a predominância de um discurso fundado na certeza de que haveria um impasse entre crescimento econômico (produtividade e rentabilidade do capital) e o desenvolvimento humano e ecológico. O pensamento neoliberal aponta para um antagonismo entre mercado e políticas públicas, principalmente as sociais que em nome da justiça social combatem as desigualdades e recusam a meritocracia. E o SUS, segundo o discurso neoliberal, não cabe mais no atual modelo de desenvolvimento. Afinal o orçamento dos estados nacionais está majoritária e prioritariamente comprometido com o capital financeiro por meio do sistema da dívida. E essa sim coloca-se prioritária para os governos. Esta maneira de considerar o papel do Estado recebeu amplo apoio de vertentes políticas conservadoras e entre partidos trabalhistas ou populares que haviam liderado reformas sociais, na segunda metade do século XX.

Para piorar o prognóstico do SUS e de todas as políticas sociais deve-se levar em conta a crise da economia mundial que se avizinha, pois o diagnóstico da OCDE aponta que a expansão global começa a perder força e Alemanha está entrando em recessão, com repetida diminuição do crescimento global da economia.

A resposta à provocação, ao meu ver é de que não conseguiremos manter nem avançar o SUS se as coisas se mantiverem na mesma direção que seguem. Com divisões entre setores da esquerda, com o capitalismo à beira de uma de suas maiores crises de sua história avançando a passos largos e grande falta de orientação/formação política em meio à classe trabalhadora.

Mas o destino está em nossas mãos, precisamos (classe trabalhadora) construir uma alternativa para transformar a crise estrutural do capitalismo em uma revolução social, e não no aniquilamento da humanidade.

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

 

 

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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