Retrospectiva: “Nem na República Velha”

Foto: Marcelo Camargo Ag Brasil
Operação Lava Jato: onde está o grosso da roubalheira

Por José Álvaro de Lima Cardoso.

O conjunto de denúncias do The Intercept, no que já ficou conhecido como “Vaza Jato”, são verdadeiras “confissões” dos inúmeros crimes cometidos contra o Brasil e o seu povo (parece que tem muito mais). As denúncias revelam o que alguns já sabiam desde 2014: a Lava Jato nunca teve nada a ver com combate à corrupção. Foi uma operação montada antes das eleições de 2014, utilizando o combate à corrupção como pretexto, para tirar as forças populares do poder e entregar as riquezas do Pré-sal, anunciados pela Petrobrás poucos anos antes. A operação Lava Jato foi chave na construção do golpe: contribuiu essencialmente para a recessão econômica de 2015 e 2016, quebrou várias empresas de engenharia de capital nacional (poupando as estrangeiras) e desconstruiu brutalmente a imagem da Petrobrás (principal empresa da América Latina) em um momento de grave crise mundial do petróleo. 

Conforme as denúncias de Moniz Bandeira (e outros pesquisadores) feitas ainda em 2014, todo o processo de manifestações no Brasil, a partir de 2013, foi cuidadosamente preparado com antecedência, e com utilização de agitadores treinados. Os EUA se envolveram diretamente no golpe por interesses econômicos e geopolíticos e a entrada do Brasil no Brics entrou em rota de colisão com aquele país. O país tem uma necessidade fundamental, por exemplo, de manter a hegemonia do dólar como moeda global, e o fortalecimento do Bloco ameaçava tal domínio, na medida em que pretende (ou pretendia) substituir gradativamente a moeda como referência no comércio internacional. Como se sabe, o domínio econômico dos EUA, dentre outras razões, está diretamente relacionado – também – ao fato de poder emitir dólar à vontade e esta ser a principal moeda de realização do comércio internacional. O país não precisa ter “reservas internacionais”, a própria moeda por ele emitida é a reserva, o que proporciona um imenso privilégio nas relações internacionais.

Os EUA também temem, além disso, que se estabeleça outra potência no continente americano. Por isso, uma das primeiras ações do golpe foi prender o Vice-almirante Othon Silva, pai da pesquisa sobre energia nuclear no Brasil, e inviabilizar o projeto de submarino à propulsão nuclear, e outros que concorreriam para elevar a soberania nacional na área. Uma potência na América do Sul e ligada comercial e militarmente à China e à Rússia é tudo o que os Estados Unidos não desejam. Seria de esperar que viesse chumbo grosso contra o Brasil, como veio.

As revelações do The Intercept desmascaram todo o processo de construção do golpe. A partir dos diálogos travados entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, fica muito evidente que não havia nenhum esforço de combate à corrupção, mas a construção de um golpe para tirar uma presidente eleita e colocar um empregado dos EUA no governo. A campanha da Lava Jato foi fundamental para o processo de impeachment em 2016, com denúncias inclusive, sincronizadas com o processo. Como não acharam nada contra Dilma – ficou difícil, inclusive, até levantar calúnias sobre a presidente como fizeram com outros políticos – realizaram o impeachment com base em uma tecnicidade contábil, conforme atestaram todos os juristas sérios. Se não havia campanha real contra a corrupção (como os diálogos vazados comprovam) toda a base para retirar a presidente do poder, caiu por terra. Fica evidente que o conjunto das denúncias eram um grande pretexto para a construção do golpe.

Obviamente todo esse processo tem uma consequência inevitável: as eleições de 2019 foram a maior fraude eleitoral da história do Brasil. Nem na República Velha do Brasil (1889/1930), houve trapaça eleitoral tão sórdida quanto em 2018. A eleição de Bolsonaro foi, portanto, totalmente ilegítima e fraudada. O governo Bolsonaro vem cumprindo as tarefas que os comandantes do golpe lhes passaram: a) entregar o que for possível das riquezas brasileiras para as empresas internacionais. Há no governo uma visão de que tudo que é privado é melhor, e se for estrangeiro é melhor ainda; b) liquidar o que sobrou de direitos sociais e trabalhistas, incluindo a seguridade social; c) transformar o Brasil numa grande colônia dos EUA, de fato.

Os ataques que os trabalhadores estão sofrendo são os mais duros da história, os golpistas vêm implantando um tipo de relação Estado/Sociedade, na qual os direitos sociais e trabalhistas estão sendo metodicamente esmagados. Como já se previa, estão tentando privatizar o ensino público, em todas as suas instâncias, começando pela universidade. A privatização do ensino, inclusive, não é somente uma estratégia para reduzir gastos públicos, mas visa também abrir espaços de negócios para o setor privado, nacional e internacional, procurando compensar a crise. Abrindo negócios, inclusive, para ministros do governo .

No dia 23.07 foi privatizada a subsidiária de postos de combustíveis BR Distribuidora, numa ação que segue com o desmonte da Petrobrás pelo governo Bolsonaro. A petrolífera, que detinha 71,25% das ações, da BR Distribuidora, vendeu 35% por R$ 9,6 bilhões, sendo que a distribuidora agora possui mais capital privado do que estatal. Além de perder uma empresa altamente rentável, localizada num segmento estratégico, a perda do controle acionário da subsidiária tem, para a Petrobrás, um valor intangível de extrema importância.

A venda de uma empresa fundamental para a distribuição de combustíveis, que possibilitava a integração de toda a cadeia produtiva da Petrobrás, só pode ser entendida, se vista num contexto de entrega do patrimônio nacional, que está na raiz do processo político atual. Segundo os especialistas, o próximo passo na estratégia de desmonte da Petrobrás é a venda de refinarias. Assim, ao invés da atuação “do poço ao posto” que norteava a concepção de uma Petrobrás à serviço do desenvolvimento, a ideia, a partir do golpe, foi transformar a Petrobras em uma empresa exclusivamente de produção de óleo bruto, para servir as multinacionais e os países centrais. A etapa de refino, que agrega valor e tecnologia ao produto, ficará para as multinacionais que, afinal, financiaram o golpe para isso mesmo.

Em caso de dúvidas de que a entrega da Petrobrás foi a razão principal do golpe de Estado, é bom checar a informação que circula na imprensa por estes dias. Alguns dos bancos que entraram na oferta de ações da BR Distribuidora, possivelmente também estiveram com Deltan Dallagnol, em reunião privada em 13 de junho de 2018, organizada pela XP Investimentos, para comentar sobre o tema “Lava Jato e Eleições”. Segundo informações disponibilizadas na mídia estão na lista de empresas que estavam nessa reunião clandestina com Dallagnol: JP Morgan Morgan Stanley Barclays Nomura Goldman Sacha Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú Bradesco Verde Santander.

A entrega da BR Distribuidora, mas principalmente o conjunto da “obra” desse governo, mostra o nível de gravidade dos crimes que os protagonistas da Lava Jato cometeram, entregando o país para os tubarões que financiaram o golpe. As denúncias da Vaza Jato, de que Sérgio Moro e Deltan Dallagnol estavam ganhando muito dinheiro com a Lava Jato, são importantes porque desmascaram a natureza sórdida dessa Operação. Mas não podemos esquecer do fundamental. O grosso da roubalheira mesmo, veio com o aumento da exploração do povo, da destruição dos direitos históricos, e da entrega de patrimônio público, como os bilhões de barris do Pré-sal, para os financiadores do golpe.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

 

 

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