Retrospectiva: “Não é muito tempo sem operação?”

“Moro – Não é muito tempo sem operação?

Deltan – É sim. O problema é que as operações estão com as mesmas pessoas que estão com a denúncia do Lula. Decidimos postergar tudo até sair essa denúncia, menos a op do taccla pelo risco de evasão, mas ela depende de articulação com os americanos

Deltan – (Que está sendo feita)

Deltan – Estamos programados para denunciar dia 14

Moro – Ok”

(Diálogo entre Moro e Dalagnol, publicado pelo The Intercept em 14.06.19)

 Por José Álvaro de Lima Cardoso.   

     Como revela o diálogo acima, um dos primeiros dos muitos que, segundo promessa do jornalista Glenn Greenwald, deverão ser divulgados, a participação dos EUA já aparece, na expressão “Articulação com os americanos”. Como o material até agora divulgado é uma pequena fração do volume imenso de dados de posse do site, é fácil prever que a participação decisiva dos EUA no golpe deverá ficar cada vez evidenciada. Afinal de contas, como agora fica claro, a Lava jato nunca teve nada a ver com corrupção, foi apenas uma ferramenta do golpe no Brasil, controlada pelos norte-americanos, para apropriação das riquezas do Pré-sal, dentre outros objetivos. Portanto, exceto se houver filtragem dos dados, a participação dos EUA irá aparecer cada vez mais.

      Como alguns analistas vêm denunciando há um bom tempo, o Brasil foi vitimado pela chamada Guerra Híbrida, Não-Convencional, que se vale de instrumentos linguísticos e simbólicos, com metodologia altamente sofisticada. Esse tipo de método utiliza “aliados internos” para perpetração do golpe, no judiciário, entre as empresas, no parlamento e demais estruturas do Estado. Essa metodologia de guerra, desenvolvida principalmente pelos EUA, tem como objetivo central garantir os interesses do império e destruir projetos que, de uma forma ou outra, não se coadunem com os seus interesses. Segundo o jornalista Pablo Escobar, especialista em geopolítica, os países que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foram os primeiros alvos da Guerra Híbrida, por uma série de razões, principalmente de caráter geopolítico.

     A Guerra Híbrida visa assegurar a perpetuação da hegemonia econômica, política e militar dos EUA. Esse tipo de guerra surgiu em 2010, a partir do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais do Exército dos EUA. Diz o manual: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos. […]. Num futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em inglês) ” (no artigo “O Brasil no epicentro da Guerra Híbrida, Escobar, 2016”).

      O motivo econômico principal do golpe no Brasil foi petróleo, claro, porque esta é uma necessidade (e uma obsessão) dos EUA, e porque o petróleo continua sendo fundamental como fonte energia e matéria-prima. E o Pré-sal contém recursos que podem alcançar a “bagatela” de R$ 30 trilhões. Mas também por água, por estatais rentáveis e estratégicas, pela riqueza da Amazônia, pela aproximação do Brasil com Rússia e China, pela fundação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, e assim por diante. Possivelmente um dos elementos decisivos do envolvimento dos EUA no golpe no Brasil foi o crescimento da ideia, no interior dos BRICS, de substituição gradativa do dólar como moeda de referência nas transações internacionais. A hegemonia mundial dos EUA, que se encontra estremecida há alguns anos, está diretamente relacionada, em boa parte, ao fato de poder emitir dólar à vontade e esta ser a moeda utilizada no grosso do comércio internacional.

     Outra explicação crucial do envolvimento dos EUA no golpe, como apontou o historiador Moniz Bandeira (falecido em novembro de 2017), é a tentativa permanente daquele país, de impedir que se crie outra potência no continente americano. Uma potência na América do Sul e ligada comercial e militarmente à China e à Rússia é tudo o que os Estados Unidos não querem. Não por acaso, dentre as centenas de ações destrutivas dos golpistas, uma das primeiras foi prender o Almirante Othon da Silva, ainda em 2015, coordenador do projeto nuclear do Brasil, e alvejar o projeto de construção do submarino à propulsão nuclear, fundamental para a guarda e a segurança da chamada Amazônia Azul (território marítimo brasileiro, cuja área corresponde a aproximadamente 3,6 milhões de quilômetros quadrados – equivalente à superfície da floresta Amazônica).

     Em 2013, o próprio jornalista norte-americano Glenn Greenwald já havia denunciado que o Brasil era o grande alvo das ações de espionagem dos Estados Unidos. Segundo o jornalista, o governo estadunidense espionou inclusive mensagens de e-mails da presidente Dilma Rousseff e de seus assessores mais próximos, além da própria Petrobrás. O objetivo da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), segundo Greenwald, era buscar detalhes da comunicação da presidente com sua equipe. O Brasil, naquele período, era o principal alvo dos Estados Unidos, dentre outras razões pelo anúncio das descobertas do Pré-sal poucos anos antes (final de 2006).

     O que sempre esteve em jogo na participação dos EUA no golpe é muito mais que petróleo, ainda que este esteja no centro do processo. Os EUA não têm interesse em um desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil, pelo potencial que tem o país de rivalizar com os seus interesses estratégicos na Região. Processos como Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) confrontavam os EUA no hemisfério, e novas instituições, como o Banco do BRICS e o Acordo Contingente de Reservas do BRICS ajudavam a construir alternativas contra hegemônicas ao Banco Mundial e ao FMI, instituições sobre as quais os EUA têm controle quase absoluto.

     Por exemplo, o problema das reservas de água. A ONU prevê que, no ritmo atual, as reservas hídricas do globo reduzirão 40% até 2030, o que poderá provocar uma “guerra pela água” no mundo. Os EUA e a Europa enfrentam grave problema de falta de água, a maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados. É neste contexto que também tem que ser entendido o golpe de Estado no Brasil. Logo após o golpe, em 2016, surgiram rumores muito fortes de que o governo Temer estava negociando o acesso das multinacionais de alimentação ao Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo. Apesar das negativas do governo da época, todos os indícios apontavam a veracidade da informação, a começar pelo nível de entreguismo do Governo Temer. O Aquífero, localizado na parte sul da América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), coloca a Região como detentora de 47% das reservas superficiais e subterrâneas de água do mundo. Os EUA sabem que não há nação que consiga manter-se dominante sem água potável em abundância, por isso seu interesse em intensificar o domínio político e militar na região, além do acesso à água existente em abundância no Canadá, garantida por acordos como o do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), entre EUA, Canadá e México. Cabe lembrar que o golpe tem características subcontinentais, ou seja, a maioria dos países da América do Sul estão sofrendo o golpe, com métodos adaptados para cada caso.

     Como se sabia há alguns anos, e as denúncias do The Intercept agora confirmam, não foram os ineptos procuradores golpistas, ou um juiz medíocre e entreguista de primeira instância – ambos os grupos em busca de fama e dinheiro e a serviço do Império – que destruíram, sozinhos, o setor de engenharia nacional e colocaram o Almirante Othon na cadeia. Assim como não foram os operadores visíveis da Lava Jato, que colocaram na cadeia cometendo as maiores atrocidades legais, alguns dos maiores capitalistas do país, proprietários de grandes empresas que investem em todos os continentes. Só tem um poder que está acima desses, que é o Imperialismo norte-americano.

Imagem tomada do Portal Vermelho

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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