Retrospectiva: Ignorância coerente: sobre a desvalorização das Ciências Sociais Humanas

Imagem: Captura de tela O Globo

Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.

É triste dispender mais uma vez esforço, energia e tempo para analisar mais uma bobagem, dentre tantas outras que nem comento, do presidente Bolsonaro. Dessa vez, trata-se da explicitação do seu pensamento e, acredito, de alguma parcela da população que votou nele: considerar menos importante as Ciências Sociais e Humanas em relação a outras áreas profissionais da sociedade.

Por coincidência, ou não, o novo Ministro da Educação ameaça os comunistas, que segundo ele, devem levar um tiro na cabeça. Como assim? Ódio gratuito? Outra coincidência é que as Ciências Sociais e Humanas constituem o lugar do conhecimento que ensina sobre comunismo, liberalismo, marxismo, positivismo, entre tantas outras escolas do pensamento que auxiliam há muito tempo as sociedades a entenderem melhor as ideologias, as formas de consciência e os valores humanos, sejam eles num viés solidário, igualitário, de justiça social, sejam eles segregadores, autoritários ou em prol da ampla acumulação de dinheiro e poder por alguns grupos.

As Ciências Sociais e Humanas possibilitam pensar o mundo de maneira crítica e histórica, afinal os processos políticos e sociais são extremamente dinâmicos e a compreensão desses processos é de extrema utilidade para a sociedade. É a partir desse arcabouço do conhecimento que temos a certeza de que a história não acabou, de que a situação de desemprego e profunda crise social e de valores em que o Brasil se encontra é passageira e que essa ideologia que está no poder será superada.

No caso da saúde, por meio das Ciências Sociais e Humanas podemos fazer estudos capazes de salvar vidas. Sei que se Bolsonaro ler este texto terá dificuldade em compreender que não são apenas os médicos no hospital que salvam vidas, ou pelo contrário, são eles os que menos reduzem mortalidade. Deixemos as gritantes limitações cognitivas e ideológicas do Exmo. Sr. Presidente de lado e vamos ao que interessa.

O campo da Saúde Coletiva constitui-se numa criação brasileira. Ele é um dos resultados do processo de redemocratização brasileira que repercute também na criação do SUS, o qual, não por acaso, o Exmo quer destruir também. Hoje o Brasil é referência teórica internacionalmente reconhecida pela Saúde Coletiva, e pelo SUS. SUS que é a maior política de inclusão social no mundo. Essa sim Bolsonaro não vai entender, pois pensa que trata-se de um “plano de saúde” para pobres e vagabundos. Talvez se ele tentasse parar de fazer besteiras e estudasse um pouco de sociologia, ele compreenderia, assim como meus alunos da UFSC, que o SUS constitui-se em um projeto político, ideológico e societário que tem como pano de fundo uma transformação da sociedade auxiliada pelo setor da saúde. O setor da saúde que, nesse caso, não se limita aos cuidados médicos, mas amplia-se para entender a saúde a partir da sociedade, das relações sociais estabelecidas, dos aspectos econômicos, étnicos, de gênero e democráticos. Não há como entender e melhorar a saúde sem entender a sociedade; e não há como entender a sociedade se não estudarmos e investirmos nas Ciências Sociais e Humanas.

Daí decorre a coerência do Presidente, para quem quer que a população se resuma a uma multidão ignóbil que trabalha para a acumulação de alguns poucos sem pensar, o presidente está correto. O melhor caminho para a elite que ele representa é deixar de lado as Ciências Sociais e Humanas. O recado está dado, abaixem a cabeça, não pensem, trabalhem!!!

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

 

 

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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