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Respeito: não há nada mais vital

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Por Paula Guimarães, para Desacato.info.

Cerca de um milhão de mulheres recorrem ao aborto e mais de 200 mil morrem todos os anos no Brasil – vítimas da intervenção feita de forma clandestina. Reparem que são vítimas e não criminosas. Esses números, porém não comovem a sociedade e, se comovem, não mobilizam. Ainda há uma enorme distância entre a realidade concreta e o imaginário coletivo, cunhado na religiosidade e no conservadorismo social. É sabido que a ilegalidade não impede a mulher de optar pelo aborto, só a faz correr risco de morte. Logo, os projetos chamados “Pró-vida” que buscam intimidar a mulher e criminalizar ainda mais a sua decisão (independente dos motivos) poderiam ser chamados “Pró-morte”. Apesar da lei, da religião e da opinião individual de cada um, essas mulheres recorrem ao aborto clandestino no Brasil todos os anos. Quer você queira ou não, mulheres (pessoas) e fetos morrem.

O Uruguai legalizou o aborto em outubro de 2012, e no primeiro ano da lei, o número de interrupções voluntárias de gravidez passou de 33 mil por ano para 4 mil. Foram  6.676 abortos registrados e somente uma morte na clandestinidade. Nos Estados Unidos, no Canadá e na maioria dos países da Europa o aborto é permitido, mas aos olhos do conservadorismo brasileiro, esses servem de exemplo para tudo, menos quando se trata de avanço humano, social…

Atualmente no Brasil, os direitos jurídicos são garantidos pela Constituição Brasileira logo após o nascimento. Porém, o chamado Estatuto do Nascituro, Projeto de Lei n. 478/07 que tramita na Câmara Federal, pretende reconhecer a dignidade humana desde o útero, garantindo todos os direitos jurídicos a um feto. O que dificultaria a realização de interrupção da gravidez também nos casos de risco de morte à gestante e estupro (não puníveis pelo Código Penal) e de feto anencéfalo, que deixou de ser punida recentemente conforme decisão do STF.

No caso de violência sexual, a bancada evangélica defende o “Bolsa Estupro”, como se fosse possível compensar a tragédia. Existe maior desrespeito à vida do que obrigar uma mulher a gerar um filho oriundo de uma agressão, ou impor uma gestação sabendo que um feto sem cérebro não terá vida ou ainda colocar em risco a sua própria? Para satisfazer a quem?

Os mesmos que defendem o reconhecimento dos direitos de um feto (atribuindo-lhe em muitos casos até alma) desconhecem os direitos reprodutivos e sexuais da mulher e, tampouco, entendem que aumentar o cerco só resultaria em mais trauma, sem atuar na redução das mortes.

As mulheres nasceram para serem mães, esse é o seu papel biológico, religioso e social. Configura-se como uma ameaça a uma sociedade patriarcal, defensora da moral e da família, uma mulher decidir livremente sobre seu corpo. É uma afronta ao dom divino, à dádiva de Deus.

Recentemente, o Papa reafirmou que o sexo perante Deus tem como finalidade a reprodução, porém sugeriu que as pessoas não precisariam se reproduzir como coelhos. Como seria essa reprodução controlada se a igreja católica (e outras) não permite o uso da camisinha, DIU e tampouco da pílula do dia seguinte? Com base no método da tabelinha ou do oráculo? Diante da maioria das igrejas, já são pecadores aqueles que fazem uso de métodos contraceptivos, sejam eles quais forem. O que torna ainda mais contraditório o discurso dessas instituições que penalizam o aborto. Não há como prevenir, nem mesmo remediar, tampouco tornar-se coelho. Qual a mágica?

O mesmo discurso religioso, tal como peça de roupa, nem sempre cai bem em ocasiões distintas. Cabe somente a Deus o direito de decidir sobre a vida, mas alguns devotos abrem exceção na defesa da pena de morte. Qual a lógica de um Deus misericordioso que não aceita a interrupção da vida (enquanto feto), mas tolera depois, enquanto ser vivente? E antes de resgatarem do mais alto fundamentalismo a palavra “culpa”, aviso que o debate é outro. E por falar nisso, ativemos nossa memória para lembrar que as igrejas já tiraram muitas vidas em suas cruzadas em “favor da vida” (e pelo jeito continuam tirando).

A interrupção da gravidez não é uma decisão fácil para a mulher, que na grande maioria das vezes, se vê sozinha diante dessa encruzilhada. Os movimentos feministas atuam na defesa da saúde e da dignidade da mulher e reconhecem que esta tem o direito, sim, de recorrer ao aborto caso não se sinta preparada para gerar e criar um filho. A legalidade do aborto não transformará a intervenção num método anticoncepcional. É hipócrita e insensível quem coloca a discussão nesse lugar.

Por fim, a mulher não é um ser em gestação, tem vida plena, é uma cidadã com todos os direitos garantidos por lei. A decisão sobre o seu corpo lhe compete. Ora, o que seria a vida, sem o direito inalienável de decidir sobre ela? Crime é negá-lo, ao ponto de levar mulheres a fazerem intervenções de risco.

E na eterna discussão sobre onde começa a vida – na qual fazem aquela miscelânea juntando biologia com teologia -, a resposta é simples: começa com respeito. E não há nada mais vital do que isso, não é mesmo? Respeito, por favor!

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