Resistência popular é a única que pode barrar a mineração no RS

 

Evento reuniu cerca de 250 pessoas de várias regiões do estado. Foto -Catiana de Medeiros

Por Maiara Rauber.

“Apenas a mobilização popular tem o poder de equiparar a luta e a discussão com essas minerações”, enfatizou Caio dos Santos, pesquisador do Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande (FURG), durante Assembleia Popular da Mineração em Eldorado do Sul, na região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) promoveram o evento na última terça-feira (11), no CTG Porteira da Tradição. O objetivo foi debater os impactos do avanço da mineração no RS, uma vez que há pelo menos 166 projetos em fase de implantação no estado — a maioria atinge a metade-sul.

A assembleia popular também contou com outros estudos. Logo após o ato de abertura, Cedenir de Oliveira, dirigente estadual do MST, fez um relato sobre a situação do Brasil. Já Elton Scapini, assessor parlamentar na Assembleia Legislativa gaúcha, explicou como a Reforma da Previdência de Bolsonaro afetará as diversas categorias de trabalhadores caso seja implantada.

Conforme os organizadores do evento, participaram do dia de estudos aproximadamente 250 pessoas de várias regiões do estado, entre elas assentados da Reforma Agrária, pescadores, agricultores, estudantes, ambientalistas, quilombolas, trabalhadores urbanos, integrantes de movimentos populares e representantes do Comitê Estadual de Direitos Humanos.

A nova fronteira da mineração

Márcio Zonta, da coordenação nacional do MAM, e Caio dos Santos comandaram a mesa de estudo sobre os impactos da mineração no estado.Santos reforçou os aspectos negativos que essa atividade traz aos locais minerados. Contrariando o discurso das mineradoras, o pesquisador destacou que a economia então existente nos municípios acabam, o que torna inviável outras formas de produção, seja pelo impacto ambiental, ou social. “Torna os territórios dependentes da mineração”, pontuou.

Santos decorreu sobre os quatro principais projetos em discussão no estado, e ainda lembrou de outro que tem ganhado pouco destaque. Os mais avançados estão situados entre Eldorado do Sul e Charqueadas (carvão, areia, brita e cascalho), na região Metropolitana de Porto Alegre; em São José do Norte (titânio), na região Sul; Lavras do Sul (fosfato) e Caçapava do Sul (cobre e zinco, chumbo, prata), na Campanha. De acordo com o pesquisador, atualmente há um avanço das grandes companhias mineradoras. “As grandes corporações estão olhando para o Rio Grande do Sul como um estado a ser minerado, um estado a ser esburacado”, disse.

O quinto projeto que é pouco debatido é o Mina do Seival, que trata da continuação do polo carboquímico situado em Candiota, na região da Campanha. Ele representa, segundo Santos, uma nova frente de mineração no município, juntamente com a inauguração da Usina Termelétrica Pampa Sul, construída em consórcio com o capital chinês.

Outro ponto salientado durante a assembleia foi a persistência por parte das mineradoras em seus discursos em relação à geração de empregos e de renda a partir da implantação de seus projetos. Porém, conforme o camponês Marcelo Paiakan, do Assentamento Apolônio de Carvalho, que pode ser atingido pela Mina Guaíba, da empresa Copelmi, em Eldorado do Sul, isso na prática não acontece. “Dizem que a mineração vai gerar emprego, mas na verdade vai desempregar outra parte. Ou seja, os camponeses que trabalham na agricultura, no assentamento e no [loteamento] Guaíba City, também vão ser impactados”, declarou.

Para além disso, outro ponto defendido pelas corporações é que o meio ambiente não será afetado. No entanto, para Santos, esse discurso torna-se absurdo e totalitário por parte das empresas. “O que percebemos quando estudamos mais detalhadamente a mineração é que as tecnologias utilizadas, na sua grande maioria, são de baixa qualidade, o que não melhora os impactos ambientais”, afirmou.

Zonta também contrapôs os argumentos da Copelmi, que tem investido em trabalho de base para convencer os camponeses a saírem de seus territórios, contribuindo dessa forma para a implantação da Mina Guaíba. A alegação da mineradora, completou, é de que o projeto dará “muito lucro e dinheiro ao estado”, afirmação que não se confirma.

Interferência internacional

O coordenador do MAM ainda destacou que o projeto Mina Guaíba não é uma iniciativa nacional, tendo por trás dele os Estados Unidos e a China, que entraram em colapso devido à extração de carvão, termelétricas e polos carboquímicos. Zonta informou que a Compeli “pode ser uma grande fachada”, e que a energia produzida na região Metropolitana a partir da Mina Guaíba seria para abastecer esses países. Por isso, o embate não deve ocorrer somente contra ela.

“Segundo estudos, nos próximos 15 anos 1 milhão de chineses vão morrer por respirar pó das minas de carvão. Nos EUA, segundo a Associação Americana do Coração, morrem por ano de 20 a 30 mil pessoas com problemas cardiovasculares. Esses países estão pegando o problema industrial e poluidor deles e levando a outras partes do globo, que têm recursos minerais em abundância e mão de obra barata”, denunciou.

Um dos alvos desses países é o Brasil. Zonta expôs que a implantação da Mina Guaíba, e posteriormente de um polo carboquímico a 15 quilômetros da Capital gaúcha, traria prejuízos a milhões de pessoas. Ela acabaria com mais de 40 pontos de feiras ecológicas na região Metropolitana, uma vez que a poluição do solo, da água e do ar inviabilizaria a certificação orgânica. Além disso, os porto-alegrenses passariam a beber água contaminada com mercúrio, dióxido de carbono e outros metais pesados.

População promete resistir

A bióloga Naieth Baggio, integrante da Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA), de Guaíba, município localizado próximo a Porto Alegre,falou que a entidade é totalmente contra a Mina Guaíba. “É um absurdo a gente trocar uma plantação tão bem estabelecida, que nós temos com o cultivo orgânico, por uma mineração que tem um carvão de péssima qualidade”, mencionou. 

A professora e assentada Maria do Carmo Karam relatou que já faz cinco anos que a Copelmi se coloca como interessada no local em que está o Assentamento Apolônio de Carvalho, o Guaíba City e outras propriedades rurais da região. Ela está preocupada com a situação particular das famílias que serão atingidas caso o projeto seja implantado, pois não recebem nenhuma garantia  de contrapartida da mineradora. Além disso, Maria do Carmo desconfia do discurso da empresa em relação ao meio ambiente. “Não sou da área ambiental, mas estamos nos somando a pessoas que são e que têm estudos nessa área. Eles dizem pra nós que é impossível assegurar que não vai haver contaminação. Então o solo e a água correm risco de contaminação”, alertou. 

Zonta comentou que a luta contra a mineração está apenas começando no RS, um estado que ainda encontra-se em vantagem em relação a outros que enfrentam o mesmo problema. “Aqui, os quilombolas, indígenas e camponeses estão sobre os seus territórios, não entrou uma máquina sequer para abrir um buraco. Vocês é que vão determinar quem entra e quem saí”, orientou. Para ele, um dos pontos centrais do embate é a resistência. “Esses projetos estão interligados uns nos outros. Se sair um, a perspectiva de sair os outros é muito mais fácil, porque determinar a derrota de um território é determinar a derrota de outros. É uma disputa de luta de classes que está colocada aqui”, concluiu.

A Sem Terra Maria do Carmo questionou que projeto a população vai apoiar: aquele que assenta famílias, que tem distribuição de área e renda, que tem produção de arroz ecológico; ou um projeto de mineração que expulsa pessoas de seus territórios e corre o risco sério de poluir. Já Naieth chamou a população para a luta. “A gente tem que conversar todos os dias com o amigo, com o vizinho. Porque só assim a gente vai conseguir parar eles”, disse. Reforçando a importância da mobilização, Paiakan reiterou: “nós estamos dispostos a lutar pelo nosso território, não vamos abrir mão do nosso espaço para fazer mineração”.

Manifesto Público

Durante a assembleia popular foi lançado um manifesto que trata do posicionamento dos participantes em relação à mineração. Entre as reivindicações está a realização de audiências públicas em Porto Alegre e cidades impactadas, para que a população conheça os impactos dos projetos das mineradoras. O documento também exige que o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) rejeitem as instalação de minas no estado. Confira na íntegra:

Nós, movimentos populares, sociedade civil e comunidades em conflito, alertamos para a preocupante proposta de quatro projetos de mineração já em execução no nosso estado. São eles: Mina Guaíba em Charqueadas e Eldorado do Sul, para mineração de carvão; Retiro em São José do Norte, para extração de titânio; Três Estradas em Lavras do Sul, para exploração de fosfato; e o de Caçapava do Sul, para mineração de cobre, zinco e outro minerais. O plano para a mineração no estado não se resume aos quatro projetos que já estão em andamento, no total temos 166 propostas de mineração.

Sabemos que a situação do Brasil é calaminante, na qual os nossos direitos não estão resguardados, as riquezas naturais são saqueadas e o meio ambiente sofre com a exploração predatória, que visam somente ao lucro das multinacionais. Os projetos de mineração previstos para o Rio Grande do Sul fazem parte do plano dos governos Jair Bolsonaro e Eduardo Leite de entrega do país e do estado, sem qualquer compromisso com a população e suas necessidades. 

Somente a Mina Guaíba da mineradora Copelmi prevê a extração de 166 milhões de toneladas de carvão a partir de 2023, ocupando um território de 4.373,3 hectares, o maior céu aberto do país distante somente 15 km de Porto Alegre. A instalação da mina comprometerá a água e o ar de 4,3 milhões de habitantes, que serão afetados pela poluição e pela contaminação, além de inviabilizar a produção de arroz orgânico em Eldorado do Sul. No lugar da produção de comida saudável teremos uma imensa mina poluídora com pouquíssimos postos de trabalho e quase nada de pagamento de impostos. 

Por isso, resistimos a essa grave ameaça às nossas vidas, cidades e meio ambiente. Exigimos que audiências públicas sejam realizadas em Porto Alegre e cidades impactadas pela mineração com a população que desconhecem os projetos das mineradoras e seus impactos desastrosos, e que o governador Eduardo Leite e a Fepam rejeitem as instalações das minas em nosso estado. Afirmamos: o Rio Grande do Sul não será o novo Brumadinho de Minas Gerais.

Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!

Assembleia Popular da Mineração

Eldorado do Sul/RS, 11 de junho de 2019

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