Reitor da UFC escolhido por Bolsonaro após ficar em último em eleição comete plágio

Professor Cândido Albuquerque admitiu ao Brasil de Fato que copiou e colou trabalho de terceiros sem dar crédito

Cândido Albuquerque (dir.) ao lado do ex-ministro Abraham Weintraub (esq.); Albuquerque ficou em 3º lugar nas eleições para a Reitoria, mas foi escolhido por Jair Bolsonaro para o cargo – Gabriel Jabur / Divulgação/MEC

Nomeado reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC) sob protestos e contestação na Justiça em 2019, Cândido Albuquerque foi o candidato com menor número de votos da comunidade acadêmica (4,61%) e agora é alvo de suspeita de plágio em tese de doutorado.

Suspeitas até então desapercebidas apontam para cópia de parte de perfis biográficos de verbetes do site Wikipédia, além de plágio de um tópico de dissertação defendida cinco anos antes da defesa de sua tese, na mesma instituição. Procurado pelo Brasil de Fato, o professor admite que copiou sem dar crédito trabalho acadêmico de terceiros (leia mais abaixo).

Formado em Direito em 1980 pela UFC, Albuquerque concluiu o doutorado pela mesma instituição no ano de 2016, com a defesa da tese de título “A formação jurídica no Curso de Direito da Universidade do Ceará – UFC, nas narrativas dos sujeitos acadêmicos”, de pouco mais de 150 páginas.

Os dois primeiros indícios de plágio, mais amenos, dizem respeito a cópias de partes de perfis biográficos dos intelectuais Djacir Menezes e Thomaz Pompeu de Souza Brasil, publicados no site Wikipedia. O que pode ser constatado nas páginas 53 e 54 da tese, sem as devidas citações.

Neste trecho da página 53 da tese do reitor, um parágrafo inteiro foi copiado do site Wikipédia. / Reprodução

Outro indício de plágio, considerado mais grave, é a cópia de trechos de um tópico da dissertação “Modernidade e educação: (des)caminhos históricos e críticas a educação no governo Nogueira Accioly (1896-1912)”, apresentada pela professora substituta do departamento de Psicologia da mesma instituição, Gabrielle Bessa Pereira Maia no ano de 2011, o que coloca em cheque o trabalho como todo.

Em determinados momentos os parágrafos são copiados na íntegra, e em outros momentos, são feitas pequenas alterações, mas todos sem menção ao trabalho original, seja em nota de rodapé ou nas referências bibliográficas, deixando de cumprir, assim, regras básicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Algumas cópias feitas por Albuquerque podem ser constadas a partir de comparação do tópico 2.5 de sua tese, com o tópico 4.2 da dissertação de Gabrielle. Veja abaixo alguns comparativos em que são constatados trechos inteiros idênticos.

Na página 73, é constatada cópia fiel do trabalho da professora Gabrielle Bessa. / Reprodução

A cópia de parágrafos inteiros e citações pode ser constatada em outros momentos, sem qualquer tentativa de alteração ou referência ao trabalho utilizado.

Já na página 74, até mesmo as notas usadas por Gabrielle são incorporadas ao corpo do trabalho de Albuquerque. / Reprodução

Em nota endereçada ao Brasil de Fato, com cópia aos demais envolvidos, Albuquerque alega que “ambos os trabalhos fazem parte da produção acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC, debruçam-se sobre questões do mesmo período e personagens históricos com abordagens diversas e, de fato, constatou-se a ausência de referenciação bibliográfica adequada”.

O reitor acrescenta ainda que o orientador da professora Gabrielle Bessa, o professor Rui Martinho Rodrigues, forneceu material teórico e histórico para ajudar no embasamento da sua tese, integrando inclusive a sua banca examinadora.

A biblioteca universitária da UFC já foi acionada e, com a anuência de todas as partes, será feita referência adequada ao trabalho da professora Gabrielle Bessa.

Sobre os critérios utilizados para a nomeação do reitor, o Ministério da Educação (MEC) esclarece que “a regularidade do processo em relação à análise documental encaminhada pela Universidade Federal do Ceará foi atestada pela Secretaria de Educação Superior (Sesu), bem como a qualificação dos candidatos, que cumpriram os requisitos legais”.

Sobre o fato de ter deliberadamente ignorado a vontade da comunidade acadêmica, que o deixou em último na votação ara reitor, nenhuma palavra.

Sobre a suspeita de plágio na tese de doutorado, que colocaria em cheque a qualificação de Cândido de Albuquerque, o MEC também preferiu não se posicionar, informando que “tendo sido o título de Doutor conferido pela Universidade Federal do Ceará (UFC), cabe manifestação da instituição”.

Nomeação

Professor de Direito e advogado criminalista há 39 anos, Cândido Albuquerque foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Ceará (OAB-CE), de 1995 a 1997.

Em 2019, lançou seu nome à candidatura a reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), ficando em terceiro lugar na consulta de votos da comunidade acadêmica.

O professor Custódio Luís da Silva foi o candidato mais votado, com 7.772 votos, seguido por Antônio Gomes de Souza, com 3.499 votos e, Cândido Albuquerque em terceiro lugar, com 610 votos.

A lista tríplice enviada ao Ministério da Educação pelo Conselho Universitário (Consuni), no entanto, continha outros nomes para escolha, eram: Custódio Luís da Silva, Maria Elias, em razão da desistência de Antônio Gomes, e Cândido Albuquerque.

Com a lista tríplice formada, o candidato menos votado Cândido Albuquerque foi nomeado por Bolsonaro em 19 de agosto de 2019 e empossado dia 22 de agosto, sob a gestão do então Ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Estudantes interditaram avenida de acessos à reitoria contra nomeação de Albuquerque. / Lucas Falconery – SVM

Protestos de estudantes

Contra a nomeação, no dia 20 de agosto estudantes representantes de diretórios e centros acadêmicos fecharam um cruzamento do bairro Benfica, que dá acesso ao prédio da Reitoria da UFC, em Fortaleza.

Outro protesto foi realizado na manhã do dia 23, que seria o primeiro dia de despachos do novo reitor. Os estudantes bloquearam novamente o cruzamento, e também os acessos ao prédio da Reitoria. Entre as palavras de ordem, os estudantes entoavam frases como: “Fora interventor! Não elegemos, não reconhecemos!”.

Desde então, foram montados acampamentos e mantidos protestos constantes, com apoio também de professores e técnicos-administrativos. Uma das primeiras ações do então reitor à frente da UFC, no dia 26 de agosto, foi uma ação de reintegração de posse para remover os manifestantes da área da reitoria.

Ação judicial de professores

No mês seguinte, em setembro de 2019, o Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc) entrou com ação judicial com pedido de anulação da nomeação de Cândido Albuquerque.

A Justiça Federal do Ceará indeferiu o pedido de liminar proposto pelo Adufc, sob a alegação de que não há ilegitimidade na nomeação e posse do reitor Cândido Albuquerque, que continua no cargo de reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em nota, o sindicato argumenta que a escolha fere os princípios dos artigos 206 e 207 da Constituição Federal, que tratam da primazia pela democracia e autonomia da administração e gestão das universidades. E ainda, que a decisão judicial indefere apenas o pedido de liminar, mas não a ação.

De acordo com o advogado do Adufc, Renan Bezerra, o referido processo foi extinto sem análise do mérito, sob o argumento de que o reitor Cândido de Albuquerque não foi inserido no polo passivo da ação.

Outras denúncias

Em maio de 2020, o Brasil de Fato informou sobre nota de repúdio do Diretório Central dos Estudantes (DCE). De acordo com a entidade estudantil, o então reitor da UFC, Cândido de Albuquerque expôs no Facebook dados privados de um aluno, questionando a sua legitimidade para candidatura junto ao Conselho Universitário, em tentativa de constrangimento.

Em posse do histórico escolar do aluno, o reitor publicou a imagem na rede social com a legenda: “Este é o representante”.

Pouco depois, em outubro de 2020, foi publicada também reportagem sobre uma denúncia de perseguição ao professor do departamento de Direito, Newton Menezes.

Em entrevista, o professor alegou que ele e outros quatro colegas estariam sofrendo perseguição por parte do reitor Albuquerque por não cederem a decisões consideradas por eles arbitrárias, que tornava obrigatório o acesso a aulas remotas no âmbito da pandemia, até então facultativas.

Em razão disso, os professores teriam sido alvo de ações indenizatórias na justiça de pequenas causas e processos administrativos com pedido de demissão dos cinco professores, sob a alegação de que estariam agindo de maneira insubordinada.

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