Refugiados lutam por educação sob as árvores da Tanzânia

O refugiado burundês Richard Nduwimana, de 13 anos, durante um aula. (Foto: ACNUR/Georgina Goodwin)

O que o jovem Irahoze Diello mais quer é terminar as questões do seu teste antes que a chuva caia. O menino é uma das cerca de 200 crianças refugiadas que frequentam a escola primária Furaha, onde a falta de recursos faz com que as aulas sejam realizadas ao ar livre. Carteiras e quadros-negros são posicionados entre as árvores, em salas de aula improvisadas.

O jovem Irahoze Diello está tranquilo e confiante para o teste de matemática que fará hoje. Mesmo sem ter livros, sapatos, um lugar seguro para estudar ou mesmo um café da manhã, ele deu duro se preparando para o exame. O que ele mais quer é conseguir terminar todas as questões antes que a chuva caia.

“Quando chove, tudo fica molhado”, conta o adolescente de 14 anos, que foi forçado a fugir do Burundi e agora estuda sob as árvores no campo de refugiados de Nduta, na Tanzânia. “Quando venta, os galhos caem sobre nós, e quando está sol, fica muito quente. Às vezes, precisamos interromper as aulas.”

O menino é uma das cerca de 200 crianças refugiadas que frequentam a escola primária Furaha, onde a falta de recursos faz com que as aulas sejam realizadas ao ar livre. Carteiras e quadros-negros são posicionados entre as árvores, em salas de aula improvisadas. Para cada três meninos estudando no colégio a céu aberto, há apenas uma menina. Devido à escassez de alimentos em suas casas, muitos alunos têm dificuldade em se concentrar.

“Quando está ventando, nossos papéis voam e, quando chove, nossos livros estragam”, lamenta Tuyishemele Kenilde, de 15 anos, também do Burundi. Ela já perdeu um ano de estudos.

“Temos algumas aulas sem carteiras”, acrescenta Hafashimana Euphrasie, que teve um dos seus estimados livros destruído. “Realmente precisamos de ajuda para que não tenhamos que sentar no chão.”

Os professores, que também são refugiados burundeses, fazem o que podem.

Estudando ao ar livre, crianças refugiadas têm suas aulas afetadas por fenômenos naturais como chuvas, ventanias e ondas de calor (Foto: ACNUR/Georgina Goodwin)

“Às vezes, quando os galhos caem, alguns estudantes se machucam e as aulas precisam ser interrompidas enquanto os professores os levam para o hospital”, conta o docente Ndayisenga Aimable. “Eles não comem antes de vir para as aulas porque as porções de comida são muito restritas. Por esse motivo, muitos não conseguem se concentrar nas aulas, devido à fome.”

O colégio Furaha, que significa alegria em suaíle, é uma das nove escolas primárias que existem no campo de Nduta, onde um quarto das crianças entre seis e 14 anos de idade não frequentam a escola. No acampamento, 55% da população tem menos de 17 anos e há apenas uma escola de ensino médio, que possui uma taxa de inscrição de 8%.

Com estômagos vazios, exaustos pelas longas jornadas até a escola e sem diplomas, muitos adolescentes preferem abandonar os estudos.

No campo de Nyarugusu, Claude Nahilma, de 19 anos, tem frequentado o ensino médio na Escola Hope desde que chegou do Burundi, há dois anos. Ele se preocupa muito com o futuro.

“Depois que concluímos nossos estudos, é muito difícil ter acesso à universidade”, diz. “É um beco sem saída. Quero voltar para a minha casa e continuar meus estudos por lá. Aqui tem muita lama, precisamos de galochas”.

O número de matriculas é muito maior em Nyarugusu, chegando a 80% no ensino fundamental, mesmo com diversas escolas sem espaços permanentes e sem materiais didáticos. Muitas crianças têm aula em tendas precárias, que podem desabar com ventanias ou se tornar verdadeiras estufas sob o sol do meio-dia.

Moutaka Bahininwa é um refugiado da República Democrática do Congo e diretor da escola onde mais de 2,3 mil crianças congolesas estudam. “Aqui enfrentamos um sério problema. Quando chove, não conseguimos escutar nada. Quando venta, essa área vira um corredor. O local não é seguro para as crianças”, afirma.

Cerca de 200 crianças frequentam a escola primária Furaha (Foto: ACNUR/Georgina Goodwin)

Ontem mesmo, uma rajada de vento quase derrubou a sala de aula de Geny Naboy, de 12 anos. “Ficamos apavorados”, conta o menino.

Para Samwell Falliala, que tem dez anos e um problema de visão que o permite enxergar apenas parcialmente, ter aulas em uma sala com mais de cem pessoas durante a ventania, com livros especiais em braile, é praticamente impossível.

“Quando eu escrevo no quadro negro, preciso chamá-lo para frente”, explica seu professor, Sweddy Bikyeombe Byondo. “Quando eu escrevo, escrevo em letras grandes.”

Problemas locais, desafios globais

Os desafios enfrentados pelos estudantes do campo de Nduta e Nyarugusu são, infelizmente, comuns muitas outras crianças refugiadas no mundo. Enquanto, globalmente, 91% das crianças frequentam o ensino fundamental, para os refugiados, esse número é muito inferior, apenas 61%. Em países de baixa renda que acolhem populações deslocadas, o índice chega a ser menor que 50%, de acordo com o relatório Left Behind: Refugee Education in Crisis(Deixados para trás: a Educação de Refugiados em Crise), da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).

Conforme as crianças envelhecem, os obstáculos aumentam: apenas 23% dos adolescentes refugiados estão matriculados no ensino médio. No mundo, a taxa é de 84%. Nos países de baixa renda, apenas 9% dos refugiados têm acesso ao ensino médio, segundo o estudo.

De 2016 a abril de 2017, o ACNUR e seus parceiros construíram 137 salas de aula nos três campos de refugiados da Tanzânia. A expectativa era muito maior, mas déficits de financiamento impediram que mais espaços de ensino fossem erguidos para a população.

Para cada três meninos estudando na escola primária Furaha, há apenas uma menina (Foto: ACNUR/Georgina Goodwin)

Mais de 70% dos estudantes nos campos de refugiados de Nduta, Nyarugusu e Mtendeli têm que estudar ao ar livre, com apenas 193 salas de aula permanentes para cerca de 9,6 mil crianças. Cerca de 640 salas de aula precisam ser construídas nos três acampamentos, mas a ausência de recursos é um grave problema. Apenas 25% do orçamento de um plano regional de educação do ACNUR para refugiados burundeses foi disponibilizado para o organismo das Nações Unidas.

De acordo com James Onyango, diretor de Educação da agência, em Kibondo, na Tanzânia, são necessários cerca de 12 mil dólares para construir uma sala de aula, o salário de um professor custa 27 dólares por mês e o custo de manter uma criança na escola por um ano é de 35 dólares. “Esse é o mínimo necessário para que um professor possa escrever em um quadro e os alunos possam aprender alguma coisa.”

O ACNUR trabalha para para promover a inclusão de refugiados no sistema educacional nacional da Tanzânia, além de buscar alternativas mais econômicas para a construção de novas salas de aula.

Na escola primária Furaha, em Nduta, os estudantes estão ansiosos para se mudar, em breve, para novos edifícios de alvenaria. Construído pela Save the Children, uma das organizações parceiras do ACNUR em projetos de educação no campo de Nduta, as instalações terão nove salas de aula, espaço para funcionários, sala de professores e banheiros.

“Estou muito feliz porque, quando nos mudarmos, as salas terão paredes”, completa Hafashimana com um sorriso. “Quando terminar meus estudos, quero me tornar um professor.”

Fonte: Nações Unidas.

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