Reflexões sobre o Nazismo em Santa Catarina

Por Gustavo Henrique de Siqueira.*

Lendo a excelente obra de René Gertz intitulada “O Fascismo no sul do Brasil”, resolvi debater e compartilhar com os amigos algumas reflexões sobre a presença do Partido Nazista especificamente no estado de Santa Catarina (SC). O objetivo é lançar uma interpretação que julgo indispensável para o entendimento do discurso existente na própria historiografia acerca deste tema.

Muitos autores, historiadores ou não, tem debatido o tema do integralismo, nazismo e germanismo e da perseguição aos imigrantes teuto-brasileiros desde perspectivas que não conseguem contemplar a especificidade da região catarinense, principalmente se avaliada desde a análise política. Muitos são os argumentos apresentados e tentarei dialogar com alguns deles.

É interessante notarmos que desde 1933, o Brasil mantinha fortes laços comerciais com a Alemanha nazista. Um acordo chamado “comércio de compensação” foi firmado entre os dois países visando eliminar o uso da moeda nas transações e estreitar relações. Os EUA, obviamente, não viam com bons olhos esta aproximação, principalmente no contexto mundial em que se encontravam – assolados pela Grande Depressão de 29 e a queda do liberalismo. As condições históricas dadas ao longo da década de 1930 apontavam para mais um conflito mundial, vide a emergência de governos fascistas na Itália de Mussolini desde 1922, na Alemanha de Hitler em 33, além da Portugal de Salazar em 32 e a Espanha de Franco em 39.

Franklin Roosevelt assume o governo estadunidense no ano de 1932, e em 33, lança a Política de Boa Vizinhança para a América Latina. Apesar da desconfiança proveniente dos governos latino-americanos em relação às aproximações “gentis” dos EUA – já sentidas na pele pelo Destino Manifesto, a Doutrina Monroe e o big stick –, os estadunidenses mudam para um discurso mais “honesto” e conciliador perante os governos latinos, visando abraçá-los como aliados. Para o Brasil, especificamente, foi um período constante de troca cultural, principalmente da difusão doAmerican way of life. Do Brasil para os EUA, propagandas das riquezas naturais e culturais do país, além da importância de nossas tropas para auxiliar na guerra (pós-39), serviu para legitimar o enorme investimento feito nas “nações americanas” perante a população de Tio Sam. No entanto, para o propósito deste artigo, apresento que esta política visa enfraquecer a influência alemã e não necessariamente eliminá-los.

Sobre SC e a presença nazi, muito se tem falado que a perseguição a alemães (natos ou descendentes) em solo catarinense se deu por causa da campanha de nacionalização de Getúlio Vargas na década de 1930. No segundo estado com maior número de descendentes alemães, o RS, a relação do governo com as comunidades teutas foi bastante amistosa, pelo menos até a eclosão da Guerra. Em SC, no entanto, a ruptura de relações acontece no momento em que Nereu Ramos assume o governo, no ano de 1935. A intenção de Ramos demonstra ser a de atacar as elites assim como os povos teuto-brasileiros e consolidar-se no poder do estado catarinense. Mas veremos adiante que esta relação não é maniqueísta.

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Desfile nazista em Blumenau

Outro argumento bastante difundido é o da perseguição aos teutos por causa da formação de um “quisto-étnico” alemão devido o seu isolamento e uso estrito da língua alemã. A história nos apresenta que a oligarquia teuta do norte catarinense representa a “ponta de lança” do capitalismo, pelo fato de assumirem um amplo desenvolvimento industrial. A forte presença na economia pressupõe a integração destas comunidades no âmbito urbano e não seu afastamento, além da interação através da língua portuguesa nestas relações comerciais. Além do mais, os camponeses de origem alemã que não tinham condições financeiras de matricular seus filhos em escolas de ensino em língua alemã, não hesitavam em matriculá-los nas escolas públicas, de língua portuguesa, não havendo, assim, razão para o governo nacional suspeitar de uma “extensão alemã” no estado.

O expansionismo é trabalhado, também, por alguns autores que afirmam existir um projeto de implantação da NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães) e difusão da ideologia nazista em solo brasileiro e sul-americano. Contudo, para afiliar-se ao Partido Nazista, bastava enviar uma carta demonstrando interesse em unir-se ao partido para receber um pacote com adornos nazistas. Além disso, a adesão de teutos era baixa em relação ao número de descendentes existentes no estado de SC (500 partidários para 25 mil alemães natos, aproximadamente). Os interessados na afiliação eram os imigrantes recentes, jovens e os menos estabelecidos ao Brasil, o que significa que esta afiliação provém de imigrantes que estão buscando uma inserção social neste momento. Sem embargo, a ascensão do poderio nazista na Alemanha faz com que os adeptos do Nacional-Socialismo se sintam no direito de liderar os grupos teutos no Brasil, o que resulta numa repulsa dos grupos alemães aos partidários nazistas.

A defesa da disseminação do interesse de teuto-brasileiros ao nazismo por conta da subjetividade ligada ao conceito de “germanismo” também não se sustenta. O próprio conceito é fruto da elaboração intelectual, ligado à oligarquia alemã, para formar um sentimento de “união” e “superioridade do trabalho alemão”, que visaria consolidar um eleitorado fiel além de domesticar seus trabalhadores e mantê-los na “ordem” trabalhista, desestruturando movimentos grevistas contra as indústrias das elites alemãs.

A questão política, enfim, é a discussão relativa à ligação entre o integralismo e o nazismo defendida por Nereu Ramos. Os dois partidos não devem ser entendidos como homogêneos. Aonde o integralismo chegava, o nazismo diminuía seu número de adeptos, significando que estes partidos disputavam o eleitorado e não o compartilhavam. A grande adesão de teuto-brasileiros ao integralismo se deve ao fato do partido de Plínio Salgado oferecer elementos que interessavam à classe operária (como direitos trabalhistas e urbanos, contrários às premissas germanistas) e dar voz aos excluídos da política de Ramos. Os integralistas faziam propaganda contra ambas as oligarquias que imperavam no estado, o que significava que ao votar nos integralistas, se votava contra os “marginalizadores” políticos e contra aqueles que queriam usá-los como massa de manobra. Além do mais, a bandeira do integralismo é nacionalista, ao contrário do nazismo, que é germanista. Supor que o integralismo é extensão do nazismo, é subestimar a capacidade de assimilação dos camponeses teutos.

Estas pequenas e breves discussões pretendem lançar algumas ideias relativas a uma abordagem histórica paralela e menos subjetiva. A reflexão necessária a se fazer, então, é que a verdadeira perseguição ocorrida no estado de SC não foi do governo nacional contra a política nazista e tampouco por causa do perigo da “germanidade” soberana ligada à guerra. O conflito se deu estritamente por questões intra-oligárquicas do estado de Santa Catarina. Ramos acirra as disputas nacionalistas, homogeneíza integralismo e nazismo para justificar as ações contra as comunidades teuto-brasileiras e enfraquecê-la. A oligarquia alemã do norte do estado, por sua vez, procura fortalecer-se no eleitorado dos imigrantes alemães, interessado na queda de Nereu Ramos e na sua própria reintegração no governo catarinense.

*Graduando do curso de História – UFSC/UNLP

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