Referendo de independência do Curdistão pode criar novo país no Oriente Médio

Por Gabriel Deslandes.

Quando o mulá Mustafa Barzani fundou o Partido Democrata do Curdistão (KDP) em 1946 com o objetivo de lutar pela autonomia do povo curdo, provavelmente nunca imaginou que o passo talvez definitivo para a concretização de seu projeto seria dado por seu filho Massoud Barzani, o longevo atual presidente do Governo Regional do Curdistão. Talvez tenha cogitado menos ainda que não só os históricos opositores regionais da questão curda – Turquia, Irã e, é claro, o próprio Iraque –, mas também os tradicionais aliados da causa, Estados Unidos e Reino Unido, rechaçariam veementemente a alternativa encontrada por Barzani filho: um referendo de independência do Curdistão iraquiano, marcado para o dia 25 de setembro.

O desespero quanto à possibilidade de um Curdistão independente tem unido taticamente a diplomacia dos tradicionais inimigos Estados Unidos e Irã para convencer os curdos a adiarem ou cancelarem o referendo. Comandantes militares e diplomatas de Washington e de Teerã viajaram por Bagdá, Erbil e Suleimânia para reuniões em separado com autoridades curdas. O enviado especial americano, Brett McGurk, ressaltou que “os EUA são 100% contra o referendo” e que “os curdos estão sozinhos nessa”[2]. Já o comandante das Forças Quds iranianas, o brigadeiro-general Qassem Suleimani, viajou ao Iraque para desencorajar o pleito.

A mesma oposição é compartilhada pela Síria e a Turquia. Esta última, em especial, tem um histórico reconhecido de oposição violenta a qualquer proposta de autonomia curda. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan tem criticado o referendo desde seu anúncio, em maio de 2017, temendo o impacto que ele terá entre os curdos sírios das Unidades de Proteção Popular (YPG) e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerados “organizações terroristas” por Ancara. Embora o KDP de Barzani não apoie nenhum dos dois grupos, ambos são muito populares entre os curdos iraquianos.

Entretanto, em um cenário geopolítico tão complexo quanto o do Oriente Médio, convém questionar: quando e como essa crise envolvendo os curdos iraquianos, seu próprio governo nacional em Bagdá e atores estrangeiros começou? Quais as consequências para a conjuntura regional cada parte vislumbra com a eventual independência do Curdistão iraquiano?

Um Estado dentro de um Estado

O Curdistão iraquiano se tornou sinônimo da luta dos povos curdos por sua autodeterminação após décadas sob o governo de Saddam Hussein, derrubado pela invasão americana em 2003, e seus antecessores. Região semiautônoma ao norte do Iraque desde 1992, o Curdistão é constituído por três províncias – Dohuk, Erbil e Suleimânia -, geridas por um governo regional, tendo a cidade de Erbil como capital. O Governo Regional do Curdistão é formado por um presidente, um primeiro-ministro, um Parlamento próprio unicameral e mais 20 ministérios, dissociados do governo central iraquiano em Bagdá.

A região também dispõe de seus próprios serviços de segurança, os peshmergas, milícias essenciais para a campanha da coalizão americana contra o grupo terrorista Estado Islâmico, já que eram as únicas forças militares em terreno. Os peshmergas barraram a invasão do Curdistão por militantes do ISIS em 2014, impedindo-os de capturar Kirkuk, uma das maiores províncias do Iraque – mas que não pertence territorialmente ao Curdistão – e rica em petróleo. Os curdos sempre reivindicaram a soberania sobre Kirkuk, também habitada por turcomanos e árabes.

Sob a presidência de Massoud Barzani desde 2005, a autodeterminação curda parte do argumento de que sua população tem direito à sua própria identidade étnica. “Nós não somos árabes, somos a nossa nação curda… Em algum momento, haverá um referendo sobre a independência do Curdistão, e então vamos deixar as pessoas decidirem”, afirmou o primeiro-ministro do Curdistão e o sobrinho do presidente, Nechervan Idris Barzani, ao jornal alemão Bild.

Assim, formou-se um consenso entre os partidos políticos curdos quanto à inevitabilidade da discussão de um Estado curdo independente, embora as lideranças se indaguem com respeito ao momento ideal para levar essa questão espinhosa à população. Simultaneamente, Barzani sustenta que o Iraque não tem futuro como uma entidade nacional viável. Segundo ele, “não existe Iraque unido”, acrescentando: “O resultado não levará à independência imediata, mas se os cidadãos nos capacitarem para agir, procederemos com a independência, e a comunidade internacional saberá o que os curdos querem”. Autoridades curdas sugeriram que o país encarasse a perspectiva de ser dividido em dois ou mais Estados independentes e mencionaram o exemplo da Tchecoslováquia, dividida em República Tcheca e Eslováquia em 1993.

A opção final pela independência começou a vir à tona na agenda do Governo Regional do Curdistão no final de março, após a controversa decisão do Conselho Municipal de Kirkuk aprovar que a bandeira curda fosse colocada nos prédios públicos ao lado da bandeira nacional iraquiana. Dias depois, o Parlamento iraquiano rejeitou a decisão, já que Kirkuk não pertence ao Curdistão, e a medida violaria a Constituição do país e as leis provinciais. A colocação da bandeira recebeu desaprovação da própria missão da ONU no Iraque, que expressou “preocupação” com a coexistência pacífica na cidade.

Seguiu-se um debate sobre a realização de um referendo local para anexar Kirkuk ao Governo Regional do Curdistão. À medida que esses debates aconteciam, o KDP e a União Patriótica do Curdistão (PUK) realizaram uma reunião para discutir a possibilidade de independência total da região. No encontro, presidido por Barzani, tomou-se a decisão pela realização de um referendo separatista. Foi criado, assim, um conselho para formalização do referendo, composto todos os grupos étnicos e religiosos na região curda. Uma delegação formada pelo KDP e o PUK ficaria encarregado de persuadir Bagdá e os países vizinhos quanto à proposta.

No dia 24 de maio, o Governo Regional do Curdistão comunicou formalmente ao Conselho de Segurança da ONU sua intenção de realizar um referendo sobre a independência. Pela primeira vez, parecia haver um consenso entre especialistas em Oriente Médio de que a proposta da administração curda era séria, contrariando a posição assumida pelos Estados Unidos desde 2013, ainda no governo Obama. “Washington estava dizendo: ‘Deixem o governo de Bagdá governar. Não perturbem a integridade territorial do Iraque. Se vocês sairem agora, a influência do Irã na região crescerá’”, afirmou o especialista em questões do Curdistão iraquiano, Mehmet Alkis.

Crises de longa data: Bagdá e Erbil

Entre o governo iraquiano e o Curdistão, há uma série de conflitos de interesse para além da posse da cidade de Kirkuk. Ambas as partes disputam o controle sobre os campos de petróleo e o gasoduto que liga a região ao porto turco de Ceyhan, uma vez que a maior parte da receita do Curdistão advém da exportação de petróleo. Problemas envolvendo as águas dos lagos e rios comuns e a situação das minorias nacionais e religiosas também parecem ser temas complicados demais para serem resolvidos com a secessão.

O que motiva o projeto definitivo de independência é a crença de que o federalismo iraquiano fracassou. “O experimento curdo sob o federalismo, com o governo central em Bagdá, faliu. Nenhum dos nossos problemas foi resolvido, particularmente, porque os xiitas ignoraram a constituição. Como curdos, temos que buscar outros meios e fórmulas. Caso contrário, nosso status legal e político permanecerá estagnado”, disse ex-deputado da assembléia do Governo Regional do Curdistão, Aso Karim.

Karim acredita que o referendo deve ser feito em cooperação com o governo iraquiano: “Primeiro tentamos persuadir Bagdá. Se não pudermos fazer isso, então agiremos unilateralmente, mas o que Teerã e Ancara dirão? Estou certo de que a maioria das pessoas no Curdistão votará pela independência”. Contudo, ele acrescenta que Bagdá se ausenta dos problemas regionais do Curdistão: “A assembléia nacional não está funcionando, enfrentamos problemas econômicos em nossas vidas diárias, e os partidos políticos não confiam uns nos outros. O presidente Barzani procurou o apoio do secretário-geral da ONU porque o Curdistão perdeu a confiança em Bagdá”.

De fato, o Governo Regional do Curdistão enfrenta uma crise sem precedentes após uma década de boom econômico. A principal causa do colapso é a queda dos preços do petróleo, de cuja receita a região é quase exclusivamente dependente. Por acordo, o governo central do Iraque, também dependente das exportações, deveria destinar 17% de suas receitas com petróleo para o orçamento do Curdistão, porém o financiamento foi interrompido por Bagdá em 2014, quando os curdos começaram a exportar de forma independente sua produção por meio do oleoduto construído em parceria com a Turquia. O Governo Regional tentou compensar o déficit de US$ 800 milhões aumentando a venda do óleo para 600 mil barris por dia (bpd), mas o efeito surtido foi pouco graças ao preço do barril em baixa.

O quadro macroeconômico fez com que o governo atrasasse salários do funcionalismo público por meses e agravasse a crise na segurança regional, já combalida pela guerra contra o Estado Islâmico e o afluxo de mais de um milhão de pessoas deslocadas pela violência no resto do Iraque. Em fevereiro de 2016, manifestantes foram as ruas contra as medidas de austeridade propostas pelas autoridades curdas contra o colapso econômico. Peshmergas chegaram a bloquear a estrada principal de Suleimânia para reivindicar seus salários atrasados.

A situação fiscal caótica motivou representantes do Governo Regional a irem até Washington pedir ajuda econômica ao Curdistão. Aliados fundamentais dos EUA no combate ao Estado Islâmico, os enviados alertaram sobre a “grande ameaça” que enfrenta a região com o avanço dos jihadistas. “Você não pode ganhar a luta quando não pode sobreviver economicamente”, disse chefe de gabinete da presidência do Curdistão, Fuad Hussein. A mensagem de desespero foi levada ao Departamento de Estado, a Casa Branca, o Conselho de Segurança Nacional e o Capitólio. “Nossos peshmergas não têm sequer equipamento de inverno. O objetivo da nossa missão aqui é ajudar nossos amigos a compreenderem que isso não é sustentável e precisamos de nada menos que um Plano Marshall”, afirmou o representante do Governo Regional em Washington, Bayan Sami Rahman.

Tal cenário contrasta com o período em que as receitas do petróleo fluíam, gerando a ascensão de uma série de novos ricos, especialmente entre as redes de patrocínio dos principais partidos políticos. Nessa época, a bonança econômica em comum de Bagdá e Erbil serviu de amortecedor para as aspirações curdas de um Estado independente. Porém, no liminar da crise, os funcionários do Governo Regional advogam que, se o Curdistão fosse um Estado soberano, poderia receber obter fundos a partir de doações de organismos internacionais, como as Nações Unidas ou o Banco Mundial, para flutuar seus próprios títulos no mercado financeiro.

“O Iraque não aceitará um segundo Israel”

Quando circularam, ainda em fevereiro, os primeiros rumores acerca do anúncio do referendo, a Coalizão do Estado de Direito, maior bloco xiita iraquiano no Parlamento, divulgou uma declaração de encontro às intenções de Barzani: “As declarações feitas pela família governante na região do Curdistão não são novas, já que houve repetidas ameaças de secessão e a separação, e tal decisão não está nas mãos da família dominante na região do Curdistão. Ela exige uma aprovação internacional, ou seja, uma decisão regional que envolva os países vizinhos”.

Feito o anúncio por parte de Erbil, a reação inicial do primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi foi demonstrar que Bagdá não quer se envolver em uma nova crise com os curdos antes do fim da guerra contra o Estado Islâmico, que representa os mais altos níveis de coordenação entre as Forças Armadas iraquianas e os peshmergas. Essa posição evidencia também que o governo Abadi não quer abrir outra frente de confronto político enquanto enfrenta disputas internas em seu próprio bloco parlamentar contra aliados do ex-primeiro-ministro e vice-presidente Nouri al-Maliki. Aliás, o próprio Maliki também é um ferrenho opositor da proposta, alegando que os iraquianos “não permitirão a criação de um segundo Israel ao norte do país”.

Desde maio, o Parlamento iraquiano chegou a votar em duas ocasiões contra a realização do referendo, em ambas, os deputados curdos abandonaram a sala em protesto. Segundo o presidente do Parlamento, Salim al-Jabouri, o objetivo das votações foi “a unidade do território e do povo iraquiano” e obrigar o primeiro-ministro a “adotar todas as medidas para proteger iniciar um diálogo sério” com as autoridades do Curdistão.

Em agosto, uma delegação curda em visita a Bagdá para discutir o referendo chegou a pedir que o governo iraquiano fizesse “concessões substanciais” a favor dos curdos em troca do adiamento do pleito, mas isso foi recusado por Abadi, que reiterou que as autoridades curdas “estão brincando com fogo”. Segundo o deputado Mohammed Sahyoud, aliado próximo do primeiro-ministro, “o governo informou à delegação curda que não reconhecerá os resultados de um referendo organizado por um partido que não tem legitimidade. O referendo também é contrário à Constituição iraquiana”. Ele acrescenta que Bagdá tem como prioridade resolver os problemas internos da região: “O governo convidou a delegação para, em primeiro lugar, eleger um novo governo e dar nova vida ao parlamento desabilitado do Curdistão antes de discutir a questão do referendo”.

A crise entre Erbil e Bagdá piorou quando o governador da província de Kirkuk, Najmaldin Karim, que é favorável à independência curda, decidiu incluir sua região na secessão proposta pelo referendo. Kirkuk é reivindicada tanto pelo governo central em Bagdá quanto pelo Governo Regional do Curdistão. Em 14 de setembro, o Parlamento iraquiano demitiu Karim do cargo, e a Divisão do Imam Ali, uma facção armada xiita apoiada pelo Irã e próxima a Nouri al-Maliki, advertiu que atacaria Kirkuk se a cidade for anexada ao Curdistão. “De qualquer forma, desistiremos de Kirkuk, mesmo que isso causasse grandes derramamentos de sangue”, disse o porta-voz do grupo, Abu Azrael.

Irã: “Kirkuk pertence ao Iraque”

Ao dar luz verde à Divisão do Imam Ali para que invada Kirkuk e retire a província do possível domínio curdo, o vizinho Irã reitera sua oposição feroz aos projetos de independência do Curdistão. A reação inicial do Ministério das Relações Exteriores iraniano ao anúncio do referendo curdo foi direta: “A região do Curdistão é parte da República iraquiana, e decisões unilaterais fora do quadro nacional e jurídico, especialmente fora da Constituição iraquiana, só podem levar a novos problemas”. O próprio líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, manifestou sua oposição à proposta: “Como vizinho, a República islâmica é contra ao referendo pela separação do Iraque”.

Embora o país tenha, no passado, instrumentalizado os curdos iraquianos para minar governos centrais do Iraque – seja durante o reinado do Xá, seja após a Revolução Islâmica de 1979 –, agora a situação é distinta. Na visão do governo iraniano, o referendo pode representar uma tentativa americana e israelense de criar uma maior instabilidade na região e pôr em perigo sua segurança ao influenciar os 8 milhões de curdos iranianos em seu território. Não por acaso milhares de membros da Guarda Revolucionária e equipamentos pesados ??foram enviados para seis cidades na área curda do Irã.

Em reuniões realizadas entre uma delegação da União Patriótica do Curdistão (PUK) em Teerã, os iranianos deixaram claro que o referendo desestabilizará todo o Iraque. “Se vocês prosseguirem com ele, faremos o que for necessário para detê-lo, coisas que nem sequer podem imaginar”, frisou um alto funcionário iraniano à PUK. Também foi negociada uma troca aos curdos iraquianos: “Se interromperem esse referendo, faremos tudo por vocês no Iraque; vamos ajudá-los a implementar o artigo 140 (da Constituição iraquiana, a respeito dos territórios em disputa e Kirkuk) e pressionar Bagdá a restabelecer sua participação no orçamento do governo central”.

O impasse motivou Teerã a dialogar com outra potência regional, a Turquia, a agir contra a secessão no país vizinho. Em agosto, o chefe de gabinete da Forças armadas iranianas, major-general Mohammad Baqeri, se encontrou com Erdogan em Ancara para discutir, entre outros temas, a “questão curda”. Foi a primeira reunião desse nível entre os dois países desde a Revolução Iraniana, e ambas as parte concordaram quanto à necessidade de uma frente turco-iraniana unida contra o separatismo curdo em geral e o referendo do Curdistão iraquiano em particular.

Contradições entre turcos e curdos

Nenhum país no Oriente Médio tem um histórico tão conturbado com a questão curda quando a Turquia. Não por acaso o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco foi uma das primeiras instituições a condenar o referendo como um “erro grave”, e o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, classificou o pleito como “inaceitável” e ressaltou que a Turquia continuará a apoiar a minoria turcomana no Iraque. Em pronunciamento na televisão, o presidente Erdogan declarou que a realização do referendo comprometerá a própria viabilidade de um possível Estado curdo: “Se se atreverem a declarar um Estado independente, nem todo mundo vai aprovar”.

A oposição da Turquia à secessão do Curdistão iraquiano está diretamente relacionada ao temor do impacto sobre os curdos na Turquia e na Síria. Como salientou o próprio Erdogan em entrevista ao canal France 24: “Barzani e a administração local do norte do Iraque não estão prontos para essa iniciativa. Se você der um passo, isso significa que começou o desmembramento [do Iraque] e outros movimentos semelhantes o seguirão”.

A principal prioridade da Turquia na Guerra Civil Síria é derrotar os curdos das Unidades de Proteção Popular (YPG), aliado do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Erdogan, que já se preocupava com o fato de as YPG serem apoiadas tanto por americanos como por russos, vê na independência do Curdistão iraquiano um precedente para que os curdos sírios reivindiquem a sua, ainda que o clã Barzani e o KDP representem direita conservadora curda, sem maiores vínculos ideológicos com os revolucionários federalistas do PKK e seu afiliado sírio Partido de União Democrática – segundo Barzani, os curdos iraquianos “têm sua própria agenda”.

A situação se agrava para Erdogan com as reivindicações dos 20 milhões de curdos que vivem na própria Turquia. Em julho, pequenos movimentos curdos turcos se uniram para lançar a Iniciativa de Apoio ao Referendo de Independência. A plataforma reúne o Partido da Liberdade do Curdistão (PAK), Partido Democrata do Curdistão da Turquia, o Movimento Azadi, o Partido Democrata do Norte do Curdistão, o Partido Socialista Curdo (PSK), entre outras siglas. A plataforma, que está em busca de apoio internacional, defende o referendo de seus compatriotas iraquianos como um estímulo ao processo democrático em todo o Oriente Médio. “O Curdistão iraquiano já é um lugar com cinco línguas oficiais, onde todas as minorias religiosas estão representadas na administração de assuntos religiosos. Sua independência também impactaria as regiões vizinhas. As demandas democráticas aumentariam, e todos os Estados vizinhos seriam obrigados a se democratizarem”, defendeu o ativista do PAK, Vahit Aba.

Por outro lado, apesar das condenações veementes, é perceptível a falta de ações concretas até o momento por parte de Ancara. O consenso prevalecente é que a Turquia, na prática, não está interessada em alienar o Governo Regional do Curdistão, historicamente seu aliado. Primeiramente, Ancara enxerga o Curdistão iraquiano como um anteparo que protege a Turquia da violência e instabilidade presentes no resto do Iraque. Ao mesmo tempo, Erdogan se vale dessa aliança regional para argumentar que sua repressão aos curdos simpatizantes do PKK não configura uma política anticurda, mas “antiterrorista”.

A aliança entre Ancara e Erbil se baseia fundamentalmente em laços políticos e econômicos. Além do já mencionado oleoduto que liga o Curdistão ao porto turco de Ceyhan, o volume de comércio entre ambas as partes gira em torno de US$ 8,5 bilhões e há outros bilhões em discussão para projetos de energia. Do lado político, o Partido de Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, e o KDP, de Barzani, desenvolveram fortes laços políticos. Barzani, inclusive, chegou a convidar os curdos turcos a apoiarem Erdogan nas eleições presidenciais.

Mais de duas mil tropas turcas também estão, desde dezembro de 2015, estacionadas no Curdistão iraquiano sob o pretexto de combate ao “terrorismo” do PKK. Portanto, o apoio mútuo entre os governos turco e curdo iraquiano comprova a tese do jornal pró-Erdogan Karar: “A Turquia tem políticas diferentes para diferentes grupos curdos”, fazendo referência ao PKK e a seu braço sírio PYD, considerados “organizações terroristas” por Ancara, e aos aliados turcos no Iraque, KDP e PUK.

Qual será o resultado do referendo?

Embora seja provável que os curdos votem esmagadoramente a favor da secessão, a vitória no referendo não obriga Barzani a declarar um Estado independente de imediato. O triunfo do voto favorável pode servir de barganha para que Erbil demonstre força política e possa negociar em condições melhores com Bagdá e os países vizinhos. Barzani está em busca de um apoio que contraponha a oposição de Teerã e Ancara. Por isso, reuniu-se com os cônsules de sete países árabes sunitas – Arábia Saudita, Jordânia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Palestina, Kuwait e Sudão.

Barzani também pleiteia o apoio de algumas lideranças tribais iraquianas que reivindicam participar da votação e integrar seus territórios ao Curdistão independente. Aldeias árabes ao norte de Ninawa testemunharam manifestações exigindo a incorporação das tribos de Zummar e Rabiah ao possível Estado curdo. Os líderes tribais nos arredores de Mossul também promoveram protestos.

Todavia, a pressão internacional para a interrupção ou adiamento do pleito permanece intensa mesmo às vésperas de os curdos iraquianos irem às urnas. O porta-voz do Pentágono, Eric Pahon, sugeriu que os Estados Unidos suspenderiam a ajuda financeira às forças peshmergas caso o processo do referendo continuasse. O secretário de Defesa americano, James Mattis, chegou a visitar o Curdistão em agosto para reiterar a insatisfação do país com o pleito. Washington teme que a votação enfraqueça o governo central do Iraque e mantém a promessa, junto à França e ao Reino Unido, de ajudar os curdos em todas as suas questões pendentes com Bagdá em troca do adiamento do referendo.

Mesmo com os esforços conjuntos de diferentes atores geopolíticos, o Parlamento curdo iraquiano aprovou a resolução que reitera a data do referendo de independência da região para o dia 25 de setembro. Passadas décadas de luta pela autodeterminação do povo curdo, parece que enfim terão uma oportunidade de pleitear seu Estado independente. Entretanto, as contradições e controvérsias que delinearam todo esse processo político apontam que o dia 25 pode não ser a data de virada derradeira na conquista de um Curdistão independente, mas apenas parte do começo.

Fontes: Revista Ópera

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