Por Moara Crivelente e Nur Rabah Latif.
Al-Zubaidi e outros cinco companheiros de diferentes grupos palestinos escaparam juntos da prisão israelense de Gilboa em 6 de setembro. O feito inédito foi considerado uma ousada vitória para os palestinos em resistência e os solidários, que têm denunciado a política israelense de encarceramento massivo como forma de dissuadir e punir qualquer vestígio de insubmissão.
Depois da recaptura, o irmão de Zakaria, Jibril, que estava impedido de visitá-lo, havia postado em suas redes sociais que Zakaria estava hospitalizado em estado crítico devido à tortura. As autoridades prisionais israelenses negam a denúncia e dizem que Al-Zubaidi continua em um centro de detenção. O advogado Avigdor Feldman esteve com ele e confirmou que Zakaria havia sido encaminhado ao hospital, mas não para a UTI, por ter sido espancado, com fraturas no maxilar e costelas, de acordo com a Comissão para Assuntos dos Prisioneiros e Ex-Prisioneiros, citada em Al-Monitor.
Líder das Brigadas Al-Aqsa, ligadas ao Fatah, Al-Zubaidi teve importante papel operacional na Segunda Intifada (2000-2005) no campo de refugiados em Jenin, onde grande parte das batalhas e da repressão israelense se deu, e defendia a continuidade do levante. Ele retornou à resistência armada em 2001, quando um amigo foi assassinado. Meses depois, sua mãe foi morta pouco antes da invasão do campo de Jenin pelas forças israelenses, em 3 de março de 2002, e a seguir, o seu irmão, Taha. A casa da família foi também demolida três vezes, prática corrente da repressão israelense. Al-Zubaidi é acusado de ser o responsável por várias operações, inclusive um ataque em Tel-Aviv que resultou na morte de um israelense e outros feridos em junho de 2004. Ele sobreviveu a quatro tentativas de assassinato pelas forças israelenses, e numa delas, cinco palestinos foram mortos, inclusive um jovem de 14 anos, conta o portal de notícias Al-Mayadeen.
O escritor libanês Elias Khoury recupera essa história ao celebrar a fuga da prisão e expressar a sua angústia pela recaptura de Al-Zubairi e seus companheiros. Em sua carta, publicada no portal Palestine Forum, Khoury faz referência à dissertação que Al-Zubairi escrevia para o Mestrado na Universidade de Birzeit. Entitulada “O Caçador e o Dragão: A Caça na Experiência Palestina de 1968 a 2018”, a dissertação discute a perseguição israelense aos combatentes da resistência, mas Al-Zubaidi foi preso e impedido de defendê-la, segundo o seu orientador Abdel Rahim Al-Sheikh, Professor de Estudos Culturais, em comentário para Al-Jazeera, e para quem Al-Zubaidi assume o papel do dragão ao conseguir escapar de Gilboa.
Para Khoury, “o objetivo da operação não era que os seis guerrilheiros alcançassem sua liberdade individual. Eles são livres, dentro ou fora da prisão. Em vez disso, seu objetivo era abalar as fundações da grande prisão palestina, na qual mais de sete milhões de cidadãos vivem no cativeiro da ocupação.”
Leia a tradução da carta a seguir, por Nur Abdel Latif.
Elias Khoury: Uma mensagem para Zakaria Al-Zubaidi e seus companheiros
Não sei se a palavra “obrigado” expressa os meus sentimentos, pois no momento em que você saiu do túnel, desenhou um novo horizonte com as mãos enfiadas na terra. Esse horizonte é o assunto. É verdade que minha alma entristeceu quando percebi que quatro dos criadores desse horizonte haviam sido presos.
Eu vi você com os pés e as mãos algemadas, com olhos nos quais a luz estava interdita, e pude ver com os olhos do meu coração os tormentos e penúrias que te esperam, nas mãos dos algozes. Porém, a luz que emanava do interior da Terra deslumbrou os teus olhos e os nossos.
Mahmoud Al-Ardah e os seus companheiros cavaram no subterrâneo e anunciaram que o sol estava enterrado nas profundezas, sob as ruínas de vilas e casas destruídas. Vocês arrancaram uma porta para o sol com as próprias mãos, foram pacientes até que sua paciência se cansou, e quando vocês abraçaram a luz, entraram nela, e o carrasco não será capaz de arrancá-la de vocês.
Não importa o quão opressivos sejam os métodos de repressão e tortura. Para vocês, um por um, Al-Jarmaq e as montanhas de Nablus e Hebron se curvaram, e com vocês o campo de refugiados em Jenin recuperou seu espírito, numa das maiores epopeias da história palestina contemporânea.
Seis homens —um dos quais é o último comandante das Brigadas Mártires de Al-Aqsa e os cinco restantes pertencem ao movimento Jihad Islâmica— esqueceram suas filiações partidárias e ideológicas e fundaram uma unidade militante que já havia sido testada com eficácia no campo em Jenin sob a liderança de Abu Jandal. Esses homens emergiram da história do heroísmo dos prisioneiros para o sol da liberdade, declarando que a liberdade está onde estão os livres e que o prisioneiro palestino é mais livre do que seu carcereiro israelense, preso no invólucro do racismo e do ódio.
Não sei, irmão Zakaria, quando lerás a minha carta, ou se ela chegará a ti. Envio-a a mim mesmo através de ti, para dizer-te e aos teus camaradas que a tua prisão de novo não significa que a aventura que fizeste perdeu seu significado. Para quem consegue cavar um túnel de liberdade na prisão de Gilboa, seu sucesso ou fracasso não é medido pelo número de dias que passarão em sua busca.
O menino da primeira e da segunda intifadas, Zakaria al-Zubaidi viveu muitos anos em perseguição e estava em processo de conclusão de uma tese de mestrado na universidade sobre a experiência do “O Caçador e o Dragão”. Zakaria não precisou de novos anos de caçada para adicionar um capítulo à sua tese. O que Zakaria e o grupo Túnel de Luz fizeram foi mais importante do que essa história, pois romperam a restrição israelense para causar um choque na consciência palestina, para se somar ao heroísmo e à espada da Intifada de Jerusalém.
O objetivo da operação não era que os seis guerrilheiros alcançassem sua liberdade individual. Eles são livres, dentro ou fora da prisão. Em vez disso, seu objetivo era abalar as fundações da grande prisão palestina, na qual mais de sete milhões de cidadãos vivem no cativeiro da ocupação. Gilboa, Hadarim, Damon, Atlit, Nafha, Ramon, Megiddo, Ketziot e outras prisões em que os prisioneiros da liberdade estão detidos, nada mais são do que pseudônimos para uma grande prisão chamada Palestina. A mensagem do Túnel da Liberdade era simples e clara: não há liberdade para a Palestina com prisioneiros em prisões israelenses, e nenhuma liberdade para prisioneiros enquanto o povo palestino permanecer algemado dentro de sua grande prisão, cujas celas se tornaram níveis —começando com soldados do exército israelense que ocupam estradas e transformam o cotidiano em um inferno, e os colonos que se espalham como um câncer no corpo palestino— e não terminam com a vergonhosa coordenação de segurança que transformou o colonizado em uma ferramenta no nas mãos do colonizador.
Zakaria sabe o que significa para uma pessoa se tornar uma lenda, com as auras que esse personagem carrega, mas o menino das duas revoltas e companheiro de Alaa al-Sabbagh se rebelou contra o mito e voltou à infância no Teatro da Liberdade, fundado por Arna e seguida por seu filho, o diretor mártir Juliano Mer Khamis. No teatro da liberdade, os fedayeen nasceram. Na mistura de cultura, arte e resistência, as iniciais foram escritas na história do acampamento de Jenin. Quando Zakaria se cansou de jogar o jogo da liberdade improvisado dentro da grande prisão, ele voltou como um combatente no assentamento Beit El e reentrou no ciclo normal de vida do palestino, que fica entre os limites da resistência e da prisão. A resistência em suas várias formas, desde atirar pedras até o confronto direto, leva à prisão e a prisão treina os combatentes em novas formas de resistência.
Zakaria e seus companheiros contarão como a prisão os treinou em uma nova forma de resistência e os conduziu ao subsolo, onde encontraram a lâmpada de Ghassan Kanafani que todos perderam. O túnel era apenas uma indicação da necessidade de cavar para chegar às profundezas, pois o sol da Palestina não se pôs, mas infiltrou-se nas profundezas da terra, para dizer que a terra é dos seus donos, e que o que o colonizador fez em sua superfície nada mais é que espuma que se dissipa diante de um guerrilheiro que carrega apenas uma colher, usa apenas a sua vontade.
Se Zakaria falasse por trás da venda branca com a qual cobriram os seus olhos, ele avaliaria o experimento e revelaria as lacunas que o levaram ao fracasso, mas nunca se desculpará pelo que fez. Zakaria não lamenta e não vai pedir desculpas, mas vai esperar por uma nova oportunidade de sair da terra, declarando que os mártires de Al-Aqsa não morreram, e que a história que ele teceu com seus companheiros dos militantes do Movimento da Jihad, é o caminho.
Os fedayeen não usam palavras caluniadas por esta era em mudança, então não vão erguer o slogan da unidade nacional, que perdeu todos os seus significados. Ao invés disso, eles retornarão à linguagem simples e clara que diz que a unidade é feita pela luta no terreno do combate. Quanto aos que alugam suas almas e armas para o diabo e se entregam à corrupção, não há lugar para eles depois de hoje. Vejo Zakaria rodeado de cativos, enfrentando a máquina de opressão israelense com olhos que só veem a luz que brilha no túnel da liberdade, e agradeço.
—
Leia mais
Nos 39 anos dos massacres em Sabra e Shatila, palestinos mantêm viva a história da resistência