Realidades paralelas, utopias e distopias em ‘O Homem do Castelo Alto’

Imagem: Divulgação.

Por Arthur Marchetto

Grande parte das distopias projeta futuros para discutir questões do presente. Sejam os Estados totalitários de 1984 e Nós, a sociedade anti-intelectualista de Fahrenheit 451 ou a força do mercado que gera seres apáticos, como vislumbrado em Admirável Mundo Novo, esses livros expuseram as opressões camufladas nos grandes planos de governo.

Em O Homem do Castelo Alto (editora Aleph, tradução de Fábio Fernandes), Philip K. Dick percorre um caminho diferente. Ele traz um presente alternativo, originado de uma alteração histórica do passado. Sua narrativa é construída em um mundo onde os países do Eixo – Alemanha, Japão e Itália – ganharam a 2ª Guerra Mundial.

Como consequência desse resultado, o mundo se tornou um espaço livre para que as forças alemãs e nipônicas fizessem o que bem entendessem – pouco sobra na divisão para os fracos carcamanos.

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Uma das razões para que o mundo ficasse dessa forma foi a morte do presidente estadunidense Franklin Roosevelt por um imigrante italiano chamado Giuseppe Zangara (na nossa realidade, ele matou um prefeito de Chicago, ainda que mirasse em Roosevelt).

Quem assume o lugar do líder é o vice John Garner, que falha em combater os efeitos da Grande Depressão, iniciada em 1929. Com o país na miséria, os governos subsequentes dos Estados Unidos adotam uma postura isolacionista e se mantêm longe do conflito bélico.

Sem o apoio americano, Inglaterra e União Soviética são subjugados pelos dois exércitos e, japoneses e nazistas, fazem do mundo seu parque de experimentos. Nipônicos queimam florestas no Brasil e moldam a América do Sul como bem entendem enquanto os alemães dão cabo ao extermínio dos judeus, partem para genocídio das populações negras ao mesmo tempo que empreendem a sua ida até Marte e planejam o fim da limpeza racial na Terra.

Os Estados Unidos, onde a história se passa, exemplifica as particularidades de cada governo. O território do papí foi divido em três partes. A menor delas, na costa oeste, é de controle japonês; a central, de tamanho mediano, é uma zona neutra e praticamente sem nenhum governo; a maior parte do leste é de controle nazista.

Dessa forma, vemos os nazistas permeados por paranoias, conspirações e megalomania; os japoneses ligados às suas tradições, hierarquias e ao misticismo religioso. O antigo livro do I Ching serve como um oráculo conselheiro para a maioria dos personagens. Além disso, os asiáticos se mostram mais tolerantes que os alemães, inspirando admiração e inveja nos conquistados, que muitas vezes se esforçam para agradá-los e mostrar que são tão dignos quanto eles.

A reflexão seguinte talvez seja instantânea: se as duas realidades paralelas trazem consigo uma distopia, qual é a nossa distopia?

Acompanhamos cinco arcos que, de maneira direta e indireta, acabam se tocando. O primeiro personagem é Childan, um comerciante da “legítima arte americana”, mas que se vê imerso em um mercado de falsificações culturais e espirituais; outro é de Juliana Frink, moradora dos Estados Rochosos neutros, encontra Joe Cinadella e se envolve em uma trama política.

Sr. Baynes, um aparente vendedor sueco que pretende organizar um encontro com um importante funcionário chinês, faz parte do terceiro arco; Frank Frink, ex-marido de Juliana e um judeu disfarçado, traz no quarto arco a constituição de uma joalheria com peças originais de vanguarda, junto de seu colega McCarthy. Por fim, Nobusuke Tagomi, um dedicado trabalhador do governo japonês que passa a buscar o sentido da vida e do cosmos na quinta narrativa.

Um elemento em comum nas três narrativas é a leitura de um livro proibido chamado O gafanhoto torna-se pesado. O livro foi escrito por Hawthorne Abendsen, o Homem do Castelo Alto, e fala de uma realidade alternativa em que os alemães e japoneses perdem a guerra e o mundo é dividido entre EUA e União Soviética, mas depois dominado pelo primeiro e a Inglaterra.

Conforme a leitura do livro avança, descobrimos que a narrativa revela uma terceira realidade. Tal panorama traz esperança e perspectiva para personagens desacreditados e traz uma face sombria do paralelismos: ainda que O gafanhoto… seja uma narrativa utópica para aqueles leitores, traz em si a distopia dos que foram dominados pelos países americanos e ingleses no futuro.

A reflexão seguinte talvez seja instantânea: se as duas realidades paralelas trazem consigo uma distopia, qual é a nossa distopia? Além disso, se é possível vislumbrar três realidades, quantas outras seriam possíveis? Qual delas seria a ideal, se ela existisse?

Ao longo de toda a sua produção, que abrange 44 romances e mais de cento e vinte contos, a problemática do que é a realidade é um dos questionamentos filosóficos mais fortes na obra de Dick. As questões se tornam mais fortes quando descobrimos que O Homem do Castelo Alto não é uma especulação científica, mas o retrato esperançoso de um outro mundo, acessível apenas pela arte.

O HOMEM DO CASTELO ALTO | Philip K. Dick

Editora: Aleph;
Tradução: Fábio Fernandes;
Tamanho: 312 págs.;
Lançamento: Junho, 2019 (atual edição, com ilustrações de Rafael Coutinho).

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