Rádios comunitárias ou comerciais? (espaço comunitário x ambiente de negócios)

Por Glauco Carvalho Marques.

O projeto de lei que instituiu as rádios comunitárias é uma das consequências da luta travada por diversos movimentos sociais pela democratização dos meios de comunicação, iniciada na década de 80 do século passado, ao final da do período de ditadura civil-militar. Esta luta partiu do princípio de que a população tem o direito de gerar cultura e informação através dos meios de comunicação, sem estar submetida a lógica comercial. Isto porque as concessões para rádio e tv no país são autorizadas seguindo critérios econômicos e políticos no interesse de quem esteja no poder ou tenha maioria no Congresso Nacional. Cheia de entraves, burocracias e limitações, mesmo assim, a criação das rádios comunitárias foi um passo importante.

A regulamentação desta lei tem alguns pontos centrais que diferenciam as rádios comunitárias das rádios comerciais:

1- As rádios comunitárias só podem ser constituídas a partir de uma associação de caráter comunitário.

2- As rádios comunitárias não tem fim lucrativo. Isto significa que não são ambientes para negócios que visem apropriação de receitas por parte de quem a administra.

3-As rádios comunitárias não vendem espaço para patrocinadores. Isto significa que não podem fazer propaganda como as rádios comerciais fazem. Os valores recebidos a título de apoio cultural para divulgar a atividade comercial ou profissional e o endereço dos doadores, custearão as despesas com a manutenção e operação da rádio, não gerando nenhum excedente para ser apropriado pela sua direção. Isto reforça o caráter de ação voluntária não remunerada como central para tocar as atividades da emissora comunitária.

Mas, se é verdade que a legislação tem que ser alterada para efetivamente permitir que a população tenha acesso e possa gerir meios de comunicação comunitários, por outro lado, são justamente os pontos da legislação que diferenciam estas emissoras das rádios comerciais que são descumpridos por grande parte das rádios comunitárias. A realidade é que a maioria das rádios comunitárias existentes transgrede abertamente ou se utiliza de artifícios para burlar os pontos descritos acima.

Grande parte delas é constituída a partir de associações comunitárias de fachada, as quais na realidade atuam como pequenas empresas de propriedade de uma ou mais pessoas que auferem lucro através da venda de espaços para quem deseja fazer programas ou para o patrocínio explícito. Apesar da regulamentação das rádios também não permitir sua utilização com fins partidários ou religiosos, muitas delas são utilizadas por igrejas para suas pregações ou com objetivos eleitoreiros de candidatos ou partidos.

Aqui é preciso diferenciar o legítimo direito que a população tem de expressar e fazer política do ponto de vista de classe social, ao contrário de uma prática de aparelhamento eleitoreiro partidário ou do proselitismo religioso.

Grande parte das rádios comunitárias inclusive defende o direito de fazerem propaganda como as rádios comerciais, sem estarem sujeitas a eventual fiscalização. Propõe até alterações na legislação para serem enquadradas como empresas quanto a questão fiscal.

Alguns dos que defendem estas alterações o fazem com um discurso político demagógico de que é preciso ter recursos para a luta pela democratização, quando na realidade estão tentando justificar o crescimento e ampliação de seu negócio.

Constituem-se exceções emissoras como a Rádio Comunitária Campeche, de Florianópolis, que busca atuar como rádio efetivamente comunitária, enfrentando as dificuldades inerentes a esta opção, mas também colhendo os frutos do reconhecimento dos movimentos sociais da região onde está instalada.

Se continuar este processo das rádios comunitárias atuarem como pequenos negócios, em pouco tempo, seguindo as leis de mercado que determinam que uma empresa ou cresce ou definha, teremos redes de rádios comerciais com a fachada de comunitárias, agrupadas como efetiva “propriedade” privada destinada a gerar lucro para seus donos, empresários ou igrejas. Portanto, o rumo que está sendo apontado, em que pesem as exceções, é o de completo desvirtuamento dos princípios que levaram a criação das rádios comunitárias como espaço para que a população possa refletir sua vida e realidade num meio de comunicação, sem que isto seja um produto a ser vendido aos ouvintes.

 

 

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