Racismo Institucional: Antropóloga e Advogado rebatem a fala de Pezão  

Racismo institucional

Ao comentar a detenção de três adolescentes por um crime cometido por apenas dois – o assassinato do médico Jaime Gold –, o governador Pezão afirmou: “Ali não tem nenhum inocente”. O Favela 247 recebeu artigos da antropóloga Luciane Soares e do advogado Rodrigo Mondego questionando sua fala. “Seguindo essa lógica, é o mesmo que acharmos certo ele ser preso pela Operação Lava a Jato, pois mesmo não sendo comprovada sua participação nos crimes em questão, ele é político, foi citado por delatores e já foi passível de outros processos. Ninguém deve responder por algo que não fez”, argumentou Mondego

A resposta do Estado ao trágico assassinato do médico cardilogista e ciclista Jaime Gold, no dia 20 do mês passado, foi a detenção de três adolescentes por um crime cometido por apenas dois. Kiko Nogueira, em artigo intitulado “O suspeito de matar o médico no Rio era ‘bucha’? Providenciemos outro”, escreveu: “Pouco mais de uma semana depois, a Delegacia de Homicídios, DH, apanhou mais um menor e avisou que encerrava o caso. Já? Não demorou para surgirem os buracos na “investigação”: o depoimento da única testemunha, um frentista, não batia, o apelido de um dos suspeitos era outro, a “confissão” não existiu. O homem que testemunhou a ocorrência diz ter avistado um branco e um negro. Os dois detidos são negros”.

Na tarde de hoje, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, deu a seguinte declaração em resposta à repercussão negativa das prisões: “Ali não tem nenhum inocente. Todos três viviam em função de assaltos, não só no entorno da Lagoa”. O governador disse que falhas desse tipo, por parte da polícia, são inadmissíveis, mas afirmou que é preciso reconhecer que a polícia está agindo. “O importante é que a polícia está prendendo. Quem teme está se entregando, e a gente está agindo. Foi um crime à noite, e pode ter havido um engano. Mas tem três pessoas presas que assaltavam na Lagoa, e assaltavam em outros lugares”, enfatizou.

As declarações do governador causaram “espécie” em defensores dos Direitos Humanos, e o Favela 247 recebeu artigos da antropóloga Luciane Soares e do advogado Rodrigo Mondego rebatendo as falas de Pezão. Segundo Luciane: “A resposta do governador em relação à morte na Lagoa é desastrosa por várias razões. Em primeiro lugar, os três casos relatados indicam no mínimo, abuso de autoridade por parte de polícia. Em segundo, criminaliza a juventude pobre e negra (esta que mora no Complexo do Alemão, como o menino Eduardo de Jesus, esta que mora no Lins, como o menino Patrick). Em terceiro lugar, reproduz uma lógica inquisitorial, que abre mão de qualquer tipo de investigação e conclui que “apenas olhando já sabemos que é culpado”. Ou seja, o governador retrocede a 1893 e saúda Césare Lombroso e sua ideia de ‘homem delinquente’. Envergonha com este ato, os próprios órgãos de segurança que têm participado de especializações e formação universitária, com o intento de alterar paradigmas ultrapassados sobre violência e crime”.

Já Mondego argumenta: “O governador do Rio ao afirmar que nenhum dos três adolescentes presos é inocente, mesmo sabendo que apenas dois participaram da trágica morte do médico Jaime Gold, reproduz o que é pior do punitivismo. Ao dizer que um menor é passível de punição, mesmo não tendo participado do assassinato, o governador divide o mundo entre os puníveis e os impuníveis”.

Leia abaixo aos artigos na íntegra:

A gente tem que discutir o quê governador?

Por Luciane Soares.*

Um laudo emitido por peritos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, indicou que os tiros que vitimaram Eduardo de Jesus, morto aos 10 anos no Complexo do Alemão, partiram de um fuzil. O governador Luiz Antonio Pezão admitiu que a polícia “errou” e lamentou a morte. Concretamente, os policiais envolvidos no caso estão em licença médica e seus depoimentos ainda não foram colhidos. Serão responsabilizados pela ação?

Casos de não punição pela morte de civis são comuns nas policias brasileiras.  Alguns dias atrás, Lucas Custódio de 16 anos, morador da favela Sucupira, no Grajaú, foi executado por policais militares. Teria implorado para um dos policiais “não precisa me matar, senhor”. Estava desarmado, foi algemado, levado para um matagal e executado. Outros moradores, incluindo mulheres e crianças, foram ameaçados. Nos últimos dias, ocorreram duas ações truculentas da Polícia Militar, no despejo de moradores da favela do Metrô e da Vila Autódromo. Imagens de pessoas feridas, crianças e jornalistas indicam uma intensificação do confronto entre sociedade civil e policiais na cidade do Rio de Janeiro.

A resposta do governador em relação à morte na Lagoa é desastrosa por várias razões. Em primeiro lugar, os três casos relatados indicam no mínimo, abuso de autoridade por parte de polícia. Em segundo, criminaliza a juventude pobre e negra (esta que mora no Complexo do Alemão, como o menino Eduardo de Jesus, esta que mora no Lins, como o menino Patrick). Em terceiro lugar, reproduz uma lógica inquisitorial, que abre mão de qualquer tipo de investigação e conclui que “apenas olhando já sabemos que é culpado”. Ou seja, o governador retrocede a 1893 e saúda Césare Lombroso e sua ideia de “homem delinquente”. Envergonha com este ato, os próprios órgãos de segurança que têm participado de especializações e formação universitária, com o intento de alterar paradigmas ultrapassados sobre violência e crime.

Ou seja, o governador assume com este discurso o que está evidente: uma crise gravíssima nas condições de provimento da segurança, uma crise não resolvida com a instalação de mais Unidades de Polícia Pacificadora. Envergonha a todo cidadão que mesmo temendo viver em uma cidade violenta, tem certeza de que a diminuição da maioridade penal não resolverá o problema da criminalidade urbana.

Pezão fala como chefe de carceragem da época do bandido Lúcio Flávio, “A polícia está prendendo. Quem teme está se entregando, e a gente está agindo”. Uma sequência assustadora de frases infelizes, até mesmo para seus eleitores, que já devem estar cientes do engodo em que foram pegos.

Pezão envergonha o estado do Rio de Janeiro ao demonstrar tanta ignorância diante do quadro complexo da segurança pública. Quadro este que seus subordinados dentro das policias civil e militar conhecem muito bem.

Governador, é o  Estado que está cada vez mais violento, não os adolescentes. Estes estão neste momento correndo as avenidas movimentadas para entregar água, pizza, flores; nos caixas de farmácias, supermercados, padarias. Subindo a Rocinha em motos, rindo nas praças com roupas de escola, andando nos shoppings atrás de seus presentes para o dia 12. Não faça destes, mais uma vez, bodes expiatórios de problemas sociais. Impossíveis de resolver com a prisão.

Não governador, não existem gangues no Brasil e suas afirmações não passam de vergonhosa especulação. Pedimos o fim da morte de jovens negros pela polícia. E acima de tudo, que nosso representante máximo, no uso de suas atribuições, não se comporte de forma tão descuidada, tão irresponsável. Afinal, usar frases de efeito não tem como resultado a resolução mágica dos conflitos urbanos.

 

Pezão e a sanha punitivista.

Por Rodrigo Mondego.**

O governador do Rio ao afirmar que nenhum dos três adolescentes presos é inocente, mesmo sabendo que apenas dois participaram da trágica morte do médico Jaime Gold, reproduz o que é pior do punitivismo. Ao dizer que um menor é passível de punição, mesmo não tendo participado do assassinato, o governador divide o mundo entre os puníveis e os impuníveis.

Seguindo essa lógica, é o mesmo que acharmos certo ele ser preso pela Operação Lava a Jato, pois mesmo não sendo comprovada sua participação nos crimes em questão, ele é político, foi citado por delatores e já foi passível de outros processos. Ninguém deve responder por algo que não fez. Além de injusto, não contribui em nada na resolução dos problemas da segurança pública.

Pezão incentiva uma sanha punitivista que cega qualquer racionalidade. Que um dia voltemos a enxergar, para que enfim possamos caminhar para uma sociedade mais justa, segura e fraterna.

*Luciane Soares é professora associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,  doutora em sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e atualmente é pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Exclusão e da Violência (NEEV).

**Rodrigo Mondego é advogado militante dos Direitos Humanos e membro do Coletivo de Advogados – RJ.

 Fonte: Geledés 

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