Quem quer aposentadoria aos 65 anos nunca cortou cana ou carregou cimento

Por Leonardo Sakamoto.

Normalmente quem defende a imposição da idade mínima de 65 anos para aposentadoria somos nós, jornalistas, cientistas sociais, economistas, administradores públicos e privados, advogados, políticos.

Afinal de contas, o que são 65 anos para nós, que trabalhamos em atividades que nos exigem muito mais intelectualmente?

Diante da incapacidade de se colocar no lugar do outro, do trabalhador e da trabalhadora que dependem de sua força física para ganhar o pão, no campo e na cidade, esquecemos que seus corpos se degradam a uma velocidade muito maior que a dos nossos.

Ou seja, a menos que tenham tirado a sorte grande na loteria da vida, eles tendem a ter uma vida mais curta (e sofrida) que a nossa. No Maranhão, a média da expectativa de vida masculina é de 66 anos.

Já fiz esse debate por aqui, mas quero retomá-lo por conta da notícia de que o governo federal quer priorizar as mudanças no INSS entre todas as reformas que pretende tocar.

”Eu pessoalmente, e penso que falo em nome do presidente Temer, penso que nós não devemos nesse momento trazer para um debate mais amplo nenhum tema que não seja a reforma fiscal e a reforma da Previdência”, afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, nesta segunda (12). ”Penso que nós vamos centrar fogo neste momento até nós conseguirmos aprovar essas duas reformas, que são fundamentais para o Brasil.”

Você que está, neste momento, fazendo mimimi para isso, provavelmente não costuma carregar sacos de cimento nas costas durante toda uma jornada de trabalho, cortar mais de 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queimar-se ao produzir carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpar pastos ou colher frutas sob um sol escaldante.

Ou, se teve uma vida com essas provações e, mesmo assim, concorda com os doutores que defendem essa mudança em nome dos cofres públicos, achando que ”quem quer se aposentar antes dos 65 é vagabundo”, parabéns. Você consegue, como ninguém, exercer o papel de cão de guarda do capital alheio.

Aos 14 anos, muitos desses trabalhadores já estavam na luta e nem sempre apenas como aprendizes, como manda a lei. Às vezes, começaram no batente até antes, aos 12, dez ou menos. Afinal, no Brasil, acredita-se que o ”trabalho molda o caráter da criança”.

Os sábios que estão discutindo no Ministério da Fazenda a questão da imposição da idade mínima como requisito, além, é claro, do tempo de contribuição e/ou de serviço, deveriam ter que explicar a proposta, cara a cara, para um grupo de cortadores de cana ou de pedreiros.

Sem meias palavras, sem enganações. Se sair inteiro de lá, pode tocar a proposta.

O ideal seria, antes de fazer uma Reforma da Previdência Social, garantirmos a qualidade do trabalho no Brasil, melhorando o salário e a formação do trabalhador que vende sua força física, proporcionando a eles e elas qualidade de vida – seja através do desenvolvimento da tecnologia, seja através da adoção de limites mais rigorosos para a exploração do trabalho. O que tende a aumentar, é claro, a produtividade.

Mas como isso está longe de acontecer (basta ver a ”vida” dos empregados de frigoríficos em todo o país, que são aposentados por invalidez aos 30 e poucos anos por sequelas deixadas pelo serviço), a discussão talvez passe por um regime diferenciado para determinadas categorias.

E, mesmo assim, a discussão não é simples, pois em algumas delas os profissionais são levados aos limites e aposentados por danos psicológicos – ou chegam aos 60 sem condições de desfrutar o merecido descanso. Há milhões de pessoas, fundamentais para o crescimento do país, que se esfolam a vida inteira e não devem ser deixadas na beira da estrada quando deixarem a população economicamente ativa. Infelizmente, o governo federal acha que o Brasil é um grande escritório com ar condicionado.

Fonte:http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/09/12/quem-quer-aposentadoria-aos-65-anos-nunca-cortou-cana-ou-carregou-cimento/.

Foto de capa: Carvoaria em Minas Gerais. Foto: João Roberto Ripper.

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