Por Erman Dovis.*
A análise explica a conduta imprudente, não apenas de François Hollande, que é um simples porta-voz, mas dos verdadeiros patrões que tem por trás, aos quais ninguém elegeu. Um deles é, certamente, a Total, gigante multinacional do petróleo, gás natural, hidrocarbonetos e seus derivados (4º maior produtor do mundo, atrás apenas das também gigantes: Shell, BP e Exxon Mobil), também presente na indústria química, atuando em toda a cadeia de produção e também no varejo de todos os produtos listados acima, e como todos os outros conglomerados do ramo, empenhada na busca frenética por novas fontes de hidrocarbonetos e campos de mineração.
Quando anos atrás a chamada comunidade internacional, como sempre forjada e dirigida pelo imperialismo norte-americano, apontou seus holofotes sobre a junta militar birmanesa, a reação francesa frente ao pedido de imposição de sanções sobre aquele país foi contraditória.
O então ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, procurou assegurar que a Total fosse protegida das eventuais sanções dirigidas contra o regime militar. O constrangimento deveu-se ao fato de que a Total, naquele país, possuía enormes somas de investimento e ativos financeiros, resultantes de acordos comerciais excepcionalmente favoráveis. Mas não é só: a multinacional francesa estava envolvida, entre outras coisas, em um processo liderado pela magistratura belga, que a acusava de empregar trabalho forçado sob o controle do exército birmanês, na construção de um gigantesco oleoduto.
A Total nega, alegando ter indenizado, no passado, cerca de 400 trabalhadores, e tratou de financiar uma “contrainvestigação” conduzida pelo socialista Kouchner (assalariado, não-oficialmente, com 25 mil euros), o futuro ministro das Relações Exteriores da França, conhecido por seus esforços humanitários, e que em 2003, estava livre de compromissos políticos. O relatório Kouchner, publicado no site da Total, era uma defesa solene do monopólio transnacional, que “nunca, nunca teria se prestado a desenvolver atividades em contrariedade com os princípios dos direitos humanos.”
Não pretendemos nos alongar demais falando sobre outros casos de subornos e demais atos de corrupção da Total, como no caso de Basilicata, ou mesmo de outras questões graves que envolvem outras empresas petrolíferas, com atos de violação da soberania nacional, e outros autênticos crimes contra a humanidade (como é o caso da Shell na Nigéria).
Estas histórias demonstram como os monopólios privados estão em permanente conflito com os Estados e as instituições democráticas, que são permanentemente subordinados pela ação de grupos de pressão, que compram influência política, manipulam a opinião pública, buscando dominar todos os aspectos da vida, sempre orientados pelo princípio do lucro máximo, contra os interesses nacionais e, obviamente, das massas trabalhadoras.
O exército birmanês, que atua como um guardião da Total nos faz lembrar a história do episódio dos Marò italianos na Índia, exemplo da imensa dificuldade que se tem de apreender a realidade quando se nega a análise científica e dialética do proletariado. Naquela ocasião os comunistas (ou a maioria deles) se perderam em um debate tolo sobre os limites das águas territoriais, sob influência direta de nossos próprios militares e, enquanto isso, ficou obscuro o fato fundamental: que os soldados das forças armadas de um Estado soberano estavam guardando o tesouro privado de um magnata.
Para esclarecer melhor esse desejo de voltar às façanhas e expedições coloniais de Napoleão, vontade que o presidente Hollande parece personificar, basta fazer duas contas, a questão é muito simples:
A brutal e violenta concorrência intermonopolista obriga as empresas a buscar o desenvolvimento científico e tecnológico, para que se sobressaiam no mercado (ver, por exemplo, como a telefonia móvel alcançou níveis impressionantes, os equipamentos de hoje são, praticamente, computadores de bolso) e da quantidade de dinheiro necessária para as inovações é enorme.
Se nos atemos ao setor de óleo e hidrocarbonetos, as multinacionais Shell, Mobil e British Petrolium estão muito a frente das empresas no desenvolvimento de novas tecnologias de extração, em termos tanto de petróleo quanto hidrocarbonetos. São tecnologias ditas “não-convencionais” – um eufemismo para designar práticas que são altamente destrutivas e poluentes, capazes de produzir até riscos de abalos sísmicos. Tecnologias como o gás de xisto e xisto betuminoso que, esquematicamente, consistem na extração de petróleo e gás por meio do esmagamento de rochas profundas. As empresas precisam, ainda, investir no posterior processamento e transporte dos produtos, bem como na obtenção de novas fontes de extração.
A Exxon Mobil, por exemplo, gastou US$ 31 bilhões para absorver a produtora de gás XTO Energy, liquefazer o gás e transportá-lo na forma de gás natural liquefeito. A Shell investiu US$ 4,7 bilhões para obter o gerenciamento absoluto da bacia Marcellus, logo após a modificação da disposição da Administração Obama, que havia declarado que iria bloquear a perfuração no Alasca.
A Total faz parte, atualmente, de um consórcio chamado Gash, juntamente com as companhias Statoil, ExxonMobil, Gás de France Suez, Wintershall, Vermillion, Marathon Oil, Repsol, Schlumberger e Bayern-gás, que visa recursos de depósitos de gás de xisto do velho continente, particularmente em depósitos na Alemanha e na Dinamarca. Mas isso não tem sido o suficiente para suportar a competição e a apropriação de novas áreas de negócio.
Para fazer frente à concorrência o colosso petrolífero francês precisa encontrar novas áreas de atuação, especialmente no âmbito da prospecção de fontes tradicionais de energia, e deve fazê-lo com agilidade. O Mali, por exemplo, é um país com grande potencial onde foram já detectadas pelo menos cinco bacias para extração de petróleo: o diretor da Total Norte da África, Jean-François Arrighi de Casanova falou explicitamente de novo “Eldorado petrolífero” sob a área Mauritânia / Mali / Niger. Na verdade, a Total também está fortemente enraizada na Mauritânia.
Sem mencionar que o Mali é o terceiro maior produtor mundial de ouro e minério de ferro, lítio e bauxita. Mas o país africano é também uma presa desejada pelos capitalistas dos EUA e do Catar, que estão tratando de inserir-se na rica área do Sahel entre a Mauritânia e o Mali.
A impetuosidade do imperialismo francês é facilmente compreensível neste contexto em que suas multinacionais buscam impulsos corporativos de modo a evitar retrocessos em determinados setores estratégicos; este é um dos pontos que explicam essa intensificação de ações sem escrúpulos da França, como nos episódios da Líbia, Costa do Marfim, Mali e agora na Síria.
Não tínhamos aqui nenhuma pretensão de liquidar o assunto, mas somente de fazer um convite a que continuemos a investigação e pesquisa, em qualquer campo da luta de classes, pois somente por meio do estudo da realidade concreta e da análise objetiva podemos chegar à realidade dos fatos, fundamental para uma leitura acertada dos acontecimentos.
Permanece extraordinariamente relevante frase de Marx: “A história de toda sociedade existente até agora, é a história da luta de classes”.
*Membro do Comitê Central do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI). No site www.marx.it
Traduzido por Rita Coitinho.
Foto: http://31daarmada.blogs.sapo.pt/5811383.html
Fonte: Vermelho