Que acontece quando a democracia não serve para nada?

Por Allan Kenji Seki. 

No último dia 19/2 correu pelas redes sociais um panfleto do DCE (UFSC) informando em letras garrafais que “VAI TER EJ”. A divulgação ocorreu após sessão extraordinária da Câmara de Graduação em que o recurso do movimento pró-EJ, CALPSI e estudantes de Psicologia foi analisado. O recurso em questão é contra a decisão do Conselho de Unidade do CFH de negar a criação da Empresa Junior de Psicologia, após extenso debate a partir de 2010 (quando o pedido foi negado pela primeira vez pelo CFH).

UFSC

No último semestre de 2013, acompanhamos profundas discussões que envolveram todos os setores do centro, com dois debates oficiais convocados pelo Conselho de Unidade, mas pelo menos 5 outros chamados pelos movimentos pró e contra as EJs e – claro – processo que culminou numa assembleia (a maior assembleia ocorrida em 2013 na UFSC) em que se decidiu por 329×160 que as EJs não deveriam ser criadas no âmbito deste Centro de Ensino.

Ao longo de todo o processo, desde 2010, o movimento a favor da criação das EJs cometeu inúmeras irregularidades – como, por exemplo, entrar com recurso fora do prazo regimental quanto à primeira decisão do Conselho de Unidade. Porém, do nosso ponto de vista o credenciamento ou não das EJs no CFH não deveria ser tratada por tramites burocrático, mas sim num processo amplamente democrático, público, transparente, com o envolvimento massivo da comunidade do centro. Não queríamos vencer por puro procedimento administrativo resolvido entre quatro paredes. Consideramos que nenhuma decisão universitária deveria ser assim.

É fácil reivindicar o mesmo quando se trata, por exemplo, do Congresso Nacional, que desperta nossos mais convictos ódios e paixões quando passa por cima de toda a sociedade brasileira tomando decisões que beneficiam seus próprios interesses. Dois exemplos fáceis de discernir: quando os legisladores aumentam seus próprios salários, ou criam imunidades e outras vantagens para si mesmos; e, nesse momento, quando à despeito do processo político que o Brasil vive desde as Jornadas de Junho, o Congresso Nacional num ato autocrático quer criar uma lei antiterrorismo para criminalizar e coibiros manifestantes durante a Copa.

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Difícil é sustentar a coerência quando se trata dos nossos próprios interesses imediatos, vale tudo. Irresponsavelmente o movimento pró-EJ desconsidera a decisão legítima de ampla maioria do CFH e empurra para entre quatro paredes um recurso vindo pelo alto, sem que ninguém soubesse e, pior, durante as férias!

A certa altura dos debates, um estudante do curso de Psicologia e membro do DCE, Paulo Roberto,nos interpelou se nós desistiríamos de barrar as EJs se o resultado do processo amplo de consulta ao CFH nos derrotasse.

Gostemos ou não, nossa resposta não poderia ser outra. Sim, seria um duro golpe em nossas consciências ter que conviver com algo que não acreditamos que seja uma boa escolha para a universidade pública; mas, sim, nós nos submeteríamos à maioria. Faríamos isso, porque sabemos que a democracia pode existir sem nenhuma instituição política que conhecemos hoje (Estado, partidos, sindicatos, eleições, etc), mas ela não pode existir de forma alguma sem a constituição de maiorias populares.

O problema fundamental que temos que colocar aqui leva-nos diretamente a pensar o contexto mais amplo do atual processo político brasileiro. As grandes manifestações (inclusive, e sobretudo, seus excessos de violência) ocorrem num momento de profunda descrença de que as “vias da democracia institucional” possa oferecer uma saída aos anseios de seu povo.

Então a pergunta que logicamente vem a seguir aqui é, está bem, seguimos o jogo e suas regras. Mas e o que acontece quando em todas as vias democráticas, quando em todas as formas de debates e consultas amplas, nós vencemos e nada acontece?

O que fazer quando a democracia encontra os interesses do empresariado e é derrotada entre quatro paredes? O que acontece quando a democracia não nos serve de nada?

Ainda não sabemos, mas sabemos do seguinte: não. Não vai ter EJ!

Florianópolis, 21 de fevereiro de 2014.

 

4 COMENTÁRIOS

  1. Por gentileza, veiculem as informações corretamente e corrijam o trecho “Irresponsavelmente o movimento pró-EJ desconsidera a decisão legítima de ampla maioria do CFH” para – Irresponsavelmente o movimento pró-EJ desconsidera a decisão legítima de ampla maioria DOS PRESENTES NA ASSEMBLEIA do CFH – pois foi o que ocorreu (matematicamente 16% de um montante não pode ser considerado ampla maioria). Opiniões são divergentes, mas fatos são únicos.

  2. Bom algumas considerações devem ser feitas.

    Não vivemos numa mera democracia, na qual tudo está sujeito ao voto da maioria. Os cidadãos possuem direitos e deveres inalienáveis a mera opinião do voto popular. Se quiséssemos proibir a homossexualidade, o casamento inter-racial ou o direito da mulher de trabalhar (direitos todos esses que já foram negados em diversos contextos), nós não poderíamos através do “voto da maioria”.

    Claro, o direito as EJs não é um destes direitos inalienáveis. Mas cabe o exemplo para contestar o quão justo é fazer um movimento para barrar uma atitude de estudantes que buscam por conhecimento que consideram importante (no caso, conhecimento acerca do mercado). Porque deveríamos barrar esse tipo de conhecimento? Qual o nosso direito de fazer isso? Vejo milhares de pesquisas sendo feitas no CFH, algumas bastante contestáveis, para não dizer inúteis. Não vejo nenhum movimento contra.

    Também vale perguntar porque a democracia deveria ser feita apenas no CFH? Se estamos falando de representação popular, porque não a UFSC inteira votando? Quando apenas uma parcela específica vota acerca de assuntos que dizem respeitos a todos, NÃO TEMOS UMA DEMOCRACIA. Vocês usam o discurso democrático de maneira equivocada. Tudo o que querem é uma imposição da opinião de um grupo específico, que diga-se de passagem, possui um preconceito acadêmico explícito para com o mercado.

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