Quando o Ministério Público não fiscaliza a atividade policial

Por Natália Mota e Jeniffer Mendonça.

“O seu caso vai ser encaminhado para o DIPO 5 e tudo isso vai ser apurado, se ficar comprovado que o senhor mentiu vai ser processado por denunciação caluniosa, entendeu? O que você tá fazendo é muito grave, é bastante grave dizer que os policiais cometeram um crime que não cometeram, você pode ser processado por isso”.

A fala acima foi emitida por um promotor do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) na 71ª das 393 audiências de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda acompanhadas pela ONG Conectas para elaboração do estudo “Tortura Blindada”. De acordo com o levantamento, o MP não pediu apuração de 88% dos casos em que havia denúncias de violência policial feitas pelos presos em flagrante.

De julho de 2015 a maio de 2016, a organização pesquisou os casos com denúncias de tortura, tratamentos desumanos e degradantes e como o sistema de justiça atuava perante os relatos. As audiências de custódia consistem na apresentação do preso em flagrante em até 24h a um juiz para que avalie a legalidade e necessidade da prisão.

Para o coordenador de Justiça da Conectas, Rafael Custódio, o MP na maioria das vezes se omite e não investiga violações decorrentes de intervenção policial. “Não existe em nenhum lugar do mundo uma força policial que seja cem por cento livre para cometer delitos como a brasileira, isso é culpa, principalmente, do MP que não faz seu papel de controle”, denuncia o especialista.

Um estudo do CESEC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), realizado em 2015, aponta que dos 899 promotores e procuradores de MPs federal e estaduais entrevistados, 88% não veem o controle externo da polícia como prioridade da entidade e 70% não se envolvem nem exclusiva nem parcialmente na área. Entretanto, de acordo com artigo 129 da Constituição Federal, é função exclusiva do Ministério Público o controle externo da atividade policial, ou seja, que detém poder de investigação.

Em sua tese de doutorado, a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Luciana Zaffalon, aprofundou a estrutura por trás desse cenário. Ela, que já foi ouvidora externa da Defensoria Pública (2010 – 2014), estudou o que chama de processo de politização do sistema de Justiça paulista ao analisar o impacto das relações entre Tribunal de Justiça (TJ-SP), Ministério Público (MP-SP) e Defensoria Pública (DF-SP) com o governo estadual e como elas têm afetado as investigações e decisões no campo da Segurança Pública e do sistema penitenciário. A pesquisa leva em conta o período das duas últimas gestões de cada uma das instituições, ou seja, do início de 2012 a junho de 2016.

Para a autora, a manutenção desses “arranjos” dentro das instituições vem sendo garantida através de políticas remuneratórias. De acordo com a pesquisa, em 2015, o TJ  recebeu 21% das suplementações orçamentárias anuais do Estado de São Paulo. Já no MP, entre os 1.920 funcionários ativos naquele ano, apenas 3% tinham salário abaixo do teto constitucional de R$ 33.763. A média de rendimento foi de R$ 46.036,30. “Há um ciclo em que você  passa a ter a justiça operando como se fosse parte de um partido político que está no Governo. Esses interesses pautam a construção das eleições internas dessas carreiras jurídicas que alimentam esse ciclo”, conta Luciana.

Por meio de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, a pesquisadora analisou 487 processos que tratavam do instrumento jurídico suspensão de segurança, em que “confere ao Presidente do Tribunal a competência para suspender os efeitos de decisões tomadas contra o Poder Público por juízes de primeira instância”, explica a autora.

Os únicos pedidos do governo que o Tribunal não atendeu em 100% dos casos foram sobre os 129 processos que tratavam da aplicação do teto constitucional à remuneração dos servidores públicos.

José Renato Nalini (2014-2015), atual secretário estadual de Educação, atendeu 100% dos pedidos do Poder Público em relação a contratos, atos administrativos, licitações e questões prisionais para suspender decisões de primeira instância. Já Ivan Sartori (2012-2013)  acatou a favor do governo 77% dos processos sobre licitações, contratos e atos administrativos, e 82% sobre questões prisionais.

No caso do Ministério Público, Luciana destaca a atuação dos grupos especiais do órgão, entre eles o GECEP (Grupo de Atuação de Controle Externo da Atividade Policial). Para ela, “existe uma orquestração política em torno de quem ocupa cada um desses postos”, já que são cargos designados pelo Procurador-Geral de Justiça e não são submetidos a concurso público.

Desde 1999, ex-promotores e procuradores do Ministério Público ocupam a cadeira de secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Entre eles estão Alexandre de Moraes, atual ministro do STF, Fernando Grella, Antônio Ferreira Pinto, Ronaldo Marzagão, Saulo de Castro, atual secretário de Governo, e Vinicio Petrelluzzi.

Na linha do tempo a seguir podemos observar a trajetória de cada um desses secretários,  além de analisar o número de mortes causadas pela polícia e marcos de cada gestão. Os dados apresentados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Secretaria da Segurança Pública.

Fonte: Diplomatique

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