Quando a música se presta a fins abomináveis

Tortura da música comercial

Por Almir Albuquerque.

A“arte das musas”, ou simplesmente a música, é, sem dúvida, uma das criações mais sublimes do homem. Talvez não existam grupamentos humanos, clãs, tribos ou civilizações ao longo de toda a jornada humana neste planeta que não tenham suas próprias músicas, seja como forma de arte, como forma de transmitir valores, ou como forma de entrar em contato com o sagrado.
Mas infelizmente, muitas invenções humanas que na sua essência tinham princípios nobres, ao longo do tempo foram sendo corrompidas para fins espúrios. É claro que a música não iria escapar a esta perversa tendência humana.
Não cabe aqui uma complexa e profunda análise da história da música em todos os seus gêneros e subgêneros, apenas um pequeno panorama histórico a partir da ascensão da burguesia no Ocidente para chegarmos até a atualidade e compreendermos a progressiva degeneração da música.

O capitalismo na música

Até o final do século XIX, a música era um requinte das classes mais elevadas. A crescente classe burguesa tinha na música erudita o reflexo da sua sociedade: organizada, complexa e elitizada. Somente com o industrialismo, a urbanização e com a cultura de massas, é que a música popular passaria a ser reconhecida e a ter também o seu valor. No entanto, durante o século XX, a indústria capitalista do consumo conseguiu transformar a espontânea manifestação popular em produto descartável de consumo, como todo produto industrial. É a obsolescência programada levada também para a esfera da cultura.
Melodia, poesia e beleza, letras com teor de crítica social e política foram substituídas por musicas mais curtas, simples, com refrãos pegajosos e letras que falam de relações amorosas superficiais no intuito de “colar” na mente do ouvinte. O samba de raiz, por exemplo, virou pagode comercial; a música regional do interior do país virou “musica sertaneja”, músicas de protesto como o punk rock ganharam versões pop e a Música Popular Brasileira caiu vertiginosamente de qualidade nos últimos anos com músicas pobres criadas nos escritórios das grandes gravadoras com artistas fabricados, como já descartado Michel Teló e companhia.

Jingles de campanha política e música gospel

Muita gente esperta percebeu, há tempos, que a música tem a capacidade de baixar nossa guarda, nos influenciar, mexer com nossas emoções e deixar marcada na mente uma mensagem. Os religiosos evangélicos trataram logo de vetar as músicas “do mundo” e criar suas próprias canções gospel com apelo emocional para ganhar a mente dos fiéis, enquanto que os políticos optaram por criar jingles de campanha em épocas de eleições para ganhar o voto dos eleitores, com refrãos pegajosos e repetitivos, usando a mesma fórmula das músicas comerciais de hoje – inclusive muitas vezes eles utilizam até o mesmo “sucesso” do momento nas rádios, com a letra adaptada para a campanha.
Tudo isso é a subversão da beleza e da magia que é a música. Infelizmente a grande maioria das pessoas está tão acostumada à pobreza musical dessa sociedade de massas, da indústria do entretenimento, da cultura descartável, que chega a confundir esse tipo de música fast-food, pobre, vazia, com a própria música em si. Aliás, a música é apenas uma das coisas que essas pessoas engolem sem critérios nem escolha. Apenas engolem.

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