Qual a responsabilidade do Estado pelas balas perdidas no Rio

Por André Cabette Fábio.

Aos 2 anos de idade, Sofia Lara Braga foi vítima de uma bala perdida que a atingiu enquanto brincava no parquinho de uma  unidade da rede de fast food Habib’s, no bairro de Irajá, zona norte do Rio de Janeiro. Tudo indica que a bala veio de uma troca de tiros entre policiais e o suspeito de um roubo. Segundo nota da Polícia Militar, policiais haviam recebido um chamado para que fossem até o Automóvel Clube verificar o roubo de um veículo.

Eles teriam cercado a região, e o confronto com o suspeito, Thiago Rodrigues dos Santos, teria começado em uma avenida “onde a presença de pedestres é reduzida”. Santos teria então  fugido de carro após receber ordens dos policiais para que parasse. O próprio suspeito teria feito disparos em uma área densamente povoada onde, segundo a Polícia Militar, “não seria prudente o confronto armado”. O documento enviado pela polícia não deixa claro em qual momento a polícia teria dado tiros contra Santos e se isso ocorreu em uma perseguição por carro. A corporação afirma que um inquérito sobre o caso foi criado para analisar a atuação dos policiais, e investigações foram abertas para investigar o assassinato de Sofia.

O pai de Sofia é o soldado da Polícia Militar Felipe de Souza Amaral Fernandes. Em um áudio enviado a colegas da corporação por WhatsApp e relatado pelo jornal carioca “Extra” ele afirma: “amigos do 16º, foi minha filha, foi minha filha. Foi uma perseguição vinda da (comunidade) Para-Pedro. Minha filha estava brincando no parquinho do Habib’s de Irajá, e o tiro que o vagabundo deu atingiu minha filha. Ela não resistiu”. Apesar da afirmação do policial pai da vítima no áudio, ainda não há informações oficiais que esclarecem qual a origem da bala que atingiu Sofia.

O que são balas perdidas

Entre 2007 e 2012, o Instituto de Segurança Pública, um órgão vinculado à Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, realizou levantamentos semestrais sobre as mortes causadas por balas perdidas no Estado. Segundo o “Relatório temático bala perdida (1º semestre de 2012)”, o mais recente sobre o tema, “balas perdidas” não constituem um conceito sociológico ou jurídico, e não compõem uma categoria da legislação penal brasileira.

Por isso, o levantamento, realizado em registros policiais, define como vítimas desse tipo de circunstância  aquelas pessoas que “não tinham nenhuma participação ou influência sobre o evento no qual houve disparo de arma de fogo, sendo, no entanto, atingida por projétil”, tenha esta morrido ou não.

Como a polícia deve agir em perseguições e trocas de tiros

No geral, regras sobre a conduta de agentes de segurança em perseguições ou trocas de tiros afirmam que ambas devem ser evitadas ao máximo. O uso da arma deve ocorrer apenas nos casos em que esse for necessário para a proteção da vida do próprio agente de segurança ou de outras pessoas. E perseguições devem ser abandonadas nos casos em que trouxerem risco à vida.

Em entrevista concedida em junho de 2016 ao Nexo, Bruno Langeani, coordenador de sistemas de justiça e segurança pública do Instituto Sou da Paz, uma ONG voltada para a redução da violência no Brasil, afirmou que “é melhor perder o bem ou a possibilidade de prisão e deixar o suspeito escapar do que trocar tiros”. O Nexo questionou a Polícia Militar do Rio de Janeiro sobre o que diz o manual de conduta da instituição sobre quando perseguições e trocas de tiros se justificam e como devem ser conduzidas, mas não obteve resposta.

A entidade afirmou apenas que “durante a formação e treinamento, os policiais militares são orientados a evitar confrontos em áreas que possam colocar demais pessoas em risco. No entanto, cabe ao policial a decisão de agir. É um ato discricionário dele escolher a medida a tomar”. Ao Nexo, o ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, antropólogo e hoje coronel da reserva e consultor em segurança pública Robson Rodrigues da Silva afirma que, caso tenha ocorrido erro de conduta, a instituição deve buscar falhas não só nos policiais envolvidos, mas também supervisores, coordenadores e outras pessoas que atuam na retaguarda da ação policial. E, a partir disso, aperfeiçoar os protocolos de atuação.

O que diz a lei

Além dos códigos internos das diversas polícias do país, há uma legislação nacional específica sobre como policiais devem agir em perseguições, que regula o uso de “instrumentos de menor potencial ofensivo” – categoria que vai de jatos d’água a cassetetes e pistolas – por agentes de segurança pública. Ela veta o uso de armas de fogo nos seguintes casos:

  • Contra veículo que desrespeite bloqueio policial.
  • Contra suspeitos em fuga desarmados ou que não representem ameaça aos agentes de segurança pública ou qualquer outra pessoa.

O que diz o Ministério da Justiça

Em 2010, o Ministério da Justiça publicou uma portaria na qual estabelece diretrizes para o uso da força por agentes de segurança pública. O documento afirma que:

  • Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto quando for necessário para defender a si mesmo outras pessoas de riscos de morte ou lesão grave.
  • Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga desarmada ou que, mesmo se estiver armada, não trouxer risco de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou a terceiros.
  • ‘Disparos de advertência’ não são uma prática aceitável.

Fonte: Nexo. 

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