Qual a importância dos processos de escuta nas escolas?

Por Ana Luíza Basílio. 

As manifestações estudantis pelo Brasil, nos últimos anos, deixaram um recado claro: os estudantes querem participar ativamente das decisões que definem não só o funcionamento da escola que frequentam, mas de toda política educacional do país.

A gestão democrática está amplamente amparada na legislação brasileira, mas sua efetivação ainda é tímida. A maioria das unidades da rede ainda não consegue viabilizar e incentivar a participação de estudantes, funcionários, familiares e professores nos rumos da escola.

Um dos primeiros passos de um gestor que busca avançar nesse sentido é garantir que as pessoas tenham espaços de fala garantidos. Entretanto, há outro aspecto fundamental, na outra ponta: a escuta.

A psicóloga Paula Chieffi, que vem se debruçando sobre o tema em sua pesquisa de doutorado realizada no Departamento de Filosofia e Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), defende a necessidade de uma escuta diferenciada no campo educacional, que ela denomina de “escuta clínica”, uma expressão mais comum no vocabulário de psicólogos e psicanalistas.

“A escuta clínica não acontece necessariamente em um consultório e se materializa quando uma pessoa se coloca e o grupo acolhe essa fala. Se isso não acontece, a escuta não se materializa”, considera.

A especialista, que também tem um percurso como educadora e já teve a oportunidade de mediar processos pedagógicos, entende que a escuta é um denominador comum entre as áreas clínica e educacional. “Em ambos os trabalhos, é preciso sustentar um campo de conversa que tem a ver com esse lugar da escuta que permite falas de experiências e pensamentos sem um crivo pedagógico ou moral”, observa.

Estruturando a escuta

O ponto de partida para trabalhar com a escuta é entendê-la como um processo perene e criar condições para que ela ocorra de forma qualificada. Paula Chieffi fala de um “estado de escuta” permanente, que não se traduz apenas em momentos pontuais ou localizados.

“É comum que, ao serem questionados sobre a participação em suas escolas, os estudantes tragam relatos de reuniões isoladas para as quais foram chamados, sem que isso aconteça de forma sistêmica”, conta.

Para colocar a escuta em um espaço estruturante, recomenda-se que a escola explicite essa intencionalidade e busque consensos entre seus diversos atores sobre o porquê dessa proposta. Paula pontua que são esperadas resistências por parte dos que não veem sentido na prática, em um primeiro momento. Nesse caso, sugere que os trabalhos sejam iniciados junto aos interessados, para que o ambiente possa sentir os efeitos aos poucos.

Outro passo importante é, para além do estado permanente de escuta, instaurar espaços com periodicidade fixa para que os participantes possam se habituar a acompanhar os debates e se apropriarem das pautas, análises, encaminhamentos e o tempo de execução de uma decisão.

fotos_sao-paulo_alem_dos_muros-6-1Em relação ao caráter desse espaço de fala/escuta é recomendável que cada unidade estruture esse momento da forma como lhe parecer mais adequada às necessidades. Pode ser por meio de fóruns, conselhos, assembleias, ou ainda ocorrer de maneira mais informal, como em uma roda de conversa.

Também é importante que os participantes – diretores, coordenadores, estudantes, familiares e demais funcionários – assumam compromissos compartilhados, para que a escuta não dê margem a processos centralizados em uma única figura, como a do diretor, por exemplo. É importante garantir que a palavra circule, que todos possam falar e que todos se escutem.

Questionar é preciso!

Para as escolas que já possuem instâncias participativas, Paula Chieffi também faz recomendações. “É válido que as escolas olhem para esses instrumentos e façam questionamentos do tipo: ‘como essa instância funciona?’. ‘Ela possibilita aos estudantes se subjetivarem e produzirem coisas singulares ou é mais um jeito de controle por parte da instituição?’”. Para a especialista, as avaliações constantes são necessárias para que as escolas saibam o momento de propor mudanças.

Por outro lado, a escola precisa também deixar claro quais seus limites e princípios. “Esses processos acontecem de maneiras diferentes, de acordo com a realidade de cada instituição. No entanto, é preciso estar ciente que o processo de escuta pede a abertura da escola e de seus processos, ou seja, as informações precisam circular, as pessoas precisam se colocar e é preciso apresentar os limites, as negociações possíveis e as questões inegociáveis”, reforça Paula.

Por essa razão, a especialista entende que os processos de escuta pressupõem gestões democráticas, dispostas a dar ouvidos às interpelações que surgem nos ambientes escolares. “É preciso promover também uma escuta da vida da escola, do que acontece nela, do que está funcionando, do que não está… Decupar esses processos também é uma forma de extrair bons indicadores e pistas sobre essa dinâmica”, considera.

Por fim, a especialista aponta alguns cuidados que devem ser tomados. Um deles diz respeito a interpretação errônea que muitas pessoas fazem do processo de escuta e que, na visão de Paula, justificam algumas resistências. “As pessoas tem a falsa ideia de que escutar é se subjugar ao outro e que portanto as demandas apresentadas precisam ser atendidas, e isso não é verdade. O compromisso é com o acolhimento e encaminhamento das demandas”, reforça.

Itabira: a escuta como estratégia para a educação integral

Experiências sobre Itabira (MG)

O site Educação e Participação sistematizou duas experiências sobre o processo de construção do plano de educação integral de Itabira.

Itabira (MG) inicia construção de plano de educação integral com participação da sociedade

Grupos de escuta contribuem para a educação integral em Itabira (MG)

O processo de escuta foi a principal estratégia utilizada na construção do plano de educação integral no município de Itabira. O processo foi iniciado em 2014 e finalizado em 2016. Feito em parceria com a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), o plano considerou a participação de diversos atores sociais, como professores, gestores, alunos, integrantes da secretaria de educação e de outras pastas e parceiros, que se organizaram em grupos de trabalho que refletiram sobre as práticas pedagógicas na perspectiva da educação integral.

A psicóloga Paula Chieffi mediou a escuta com os gestores escolares. A especialista conta que foi utilizada a metodologia da “Escuta da Produção”, que tem como objetivo promover a reflexão sobre a própria prática. “Tudo que os gestores iam produzindo ao longo dos encontros de formação, textos, parágrafos, eram discutidos coletivamente para que, a partir da escuta, eles fossem refutando ou chancelando suas próprias postulações, e avançando na concepção da educação integral”, explicou.

Fonte: Educação Integral. 

 

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