Quais são os direitos dos homossexuais na América Latina?

Continente ainda não se decidiu sobre os direitos LGBTI: autoriza a casar e adotar, mas também criminaliza quem não é heterossexual.

 Foto: Leo Pinheiro / Fotos Públicas

Por Hélio Filho.

Os contrastes que marcam a América Latina se refletem também na questão dos direitos LGBTI. De um lado, Argentina, Colômbia e Uruguai se alinham aos países mais avançados do mundo; no meio, o Brasil tenta, mas ainda patina; na outra ponta, o Caribe tem em algumas ilhas que praticam algo que pode parecer inaceitável na atualidade, porém é real: é crime não ser heterossexual.

A constatação é da International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA), que realiza periodicamente um levantamento do caminho pelo qual avançam, ou regridem, as conquistas da diversidade sexual no mundo todo (veja mais no mapa abaixo). Em um continente influenciado pelo cristianismo que batiza cidades e para os países em feriados, o Brasil ocupa uma posição dúbia ao sustentar ser liberto e permissivo, mas não consegue esconder sua onda conservadora.

O movimento militante tem espaço para realizar a maior Parada do Orgulho de todo o mundo na cosmopolita São Paulo, reunindo todos os anos 3 milhões de pessoas na Avenida Paulista e ocupando o segundo lugar no ranking de eventos que mais dão lucro à cidade. Mas, ao mesmo tempo, encara a triste realidade de ver o país ser o campeão mundial em assassinatos de LGBTI, – são cerca de 350 ao ano, quase um por dia.

As conquistas são alcançadas ainda em sua maioria via poder judiciário pela formação também contrastante do Congresso Nacional, onde as pautas para uma sociedade mais justa esbarram nas certezas religiosas de evangélicos fundamentalistas. Como não são poucos, conseguem barganhar o atraso LGBTI em nome de apoio a outras pautas. Impedem a distribuição de materiais educativos anti-homofobia nas escolas, distorcem os objetivos de abordar o assunto de gênero em sala de aula e enterram iniciativas como o PLC 122/06, projeto de lei que transforma a homofobia em crime equivalente ao racismo, por exemplo.

“Temos em torno de 150 parlamentares que são aliados da nossa comunidade e outros 40 que são extremamente contra. Mais uma maioria de 300 parlamentares que não se pronuncia sobre os nossos temas. Temos que mobilizar esses parlamentares que estão em cima do muro para que votem favoráveis à nossa comunidade. E mostrar que nós não queremos destruir a família de ninguém, homossexualizar as crianças, legalizar a pedofilia, o que nós queremos é cidadania plena”, enumera Toni Reis, integrante do Grupo Dignidade, de Curitiba, a primeira organização LGBT no Brasil a receber o título de Utilidade Pública Federal, por decreto presidencial em 5 de maio de 1997.

Enquanto o Congresso patina, é pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que a união estável foi ampliada para os homossexuais, com consequente decisão em 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ampliando o entendimento para o casamento civil.

Reis aponta que, em geral, os avanços do Brasil estão atrás dos da Argentina e do Uruguai. “Mas dos outros países ele está na frente, principalmente por essas questões do judiciário. Com a questão da união estável e depois a decisão do CNJ, o Brasil ganhou muitos pontos. E também agora pela conquista do direito à identidade de gênero das pessoas trans, que podem ir ao cartório e fazer sua mudança de gênero e nome nos documentos. Infelizmente, o legislativo está muito atrasado e isso está de acordo com outros países que também são afetados com o avanço do fundamentalismo religioso.”

Em nome do Pai. Machismo, homofobia e patriarcado. Uma trinca de palavras fortemente presente nos países latinos, herdeiros de um lado do cristianismo que condena, oprime e até mata em nome de seus interesses. “No Brasil, a igreja católica não tem feito oposição organizada contra a nossa comunidade. Algumas pessoas de alguns setores do catolicismo sim, mas quem tem feito oposição ferrenha é a bancada evangélica fundamentalista. Tem 14 parlamentares que se alimentam da nossa pauta no Congresso. Não se pode falar a palavra ‘sexual’ que eles têm arrepios de homofobia, de ódio e concentram seus mandatos em lutar contra a nossa cidadania plena”, lamenta Toni Reis.

“O Peru é um lugar onde a maioria é católico e cristão com ideias conservadoras. Isso trouxe certos prejuízos para o país. A sociedade peruana ainda não aceita o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo porque vai contra a fé católica”, conta o vendedor Raul Luar Apolo, que mora em Lima e acredita que essa realidade vai mudar. “Vejo que o principal problema é a falta de informação.”

No Peru, não há uma lei que condene a homossexualidade, mas também não existe nenhuma previsão legal para este tipo de relação. A homofobia não é aceita, mas também não legalmente condenada. A mesma realidade mediana é dividida também por outros países da América Latina onde o tema não avançou legalmente.

Não existem leis sobre os direitos LGBTI na Bolívia, Venezuela, Paraguai, Suriname, Panamá, Nicarágua, Bahamas, República Dominicana, Porto Rico, Honduras, Belize, Guatemala, El Salvador, Cuba, Ilhas Virgens e Haiti. Ao mesmo tempo, seguindo o mapa da ILGA, há a intolerância na Guiana e ao Leste de Porto Rico, começando em Anguilla e terminando em Trinidad e Tobago.

Mistura. A tríplice fronteira Argentina, Brasil e Paraguai é um lugar bastante tenso e ambivalente para gays, conta de Foz do Iguaçu o jornalista brasileiro Nelson Neto, atualmente estudante do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Latino-americanos e em Direitos Humanos na América Latina da Universidade Federal da Integração Latina-americana (Unila).

“Estamos de um lado da fronteira em que nosso país é reconhecido internacionalmente como o país que mais mata LGBT. Moro a 30 minutos a pé da Ponte da Amizade, que faz fronteira com o Paraguai, país que recentemente elegeu o presidente conservador Mario Abdo Benítez, que apoiou o ditador Alfredo Stroessner, conhecido por perseguir homossexuais. Em 50 minutos de ônibus circular atravesso a ponte e estou em solo argentino, um país relativamente avançado em algumas pautas voltadas diretamente aos homossexuais”, detalha Neto.

Ele diz ainda que, do lado paraguaio, na Ciudad Del Leste, já ouviu chacota de motociclistas e vendedores das lojas. “Conheço um casal de amigos que já foi expulso de uma loja por estarem de mãos dadas. Aqui em Foz do Iguaçu, ainda não recebi nenhuma ofensa ou violência direta por minha sexualidade.”

Ao lado de Argentina, Uruguai e Brasil, a Colômbia também se mostra tolerante e avançada ao garantir direitos como casamento civil e adoção. Uma realidade que traz esperança e foi sentida pelo brasileiro Jack Camelq, integrante de uma missão da United Nations Verification Mission in Colombia (UNVMC), das Nações Unidas. “Não verifiquei nenhum constrangimento dos gays, inclusive tendo uma economia pulsante de bares, lojas e boates, considerando inclusive ter uma das maiores boates voltadas ao público gay da América Latina”, conta.

Ele acredita que, comparativamente ao Brasil, “a Colômbia não seja muito diferente, tem as mazelas e dificuldades como aqui, mas já se vê uma aceitação da população. É claro que ainda é uma sociedade bem restritiva ao tema e lembro que, em conversa com amigos colombianos, eles me avisaram de quais regiões ir e dos possíveis perigos que podiam ocorrer, tal e como no Brasil ao você andar em zonas onde a vulnerabilidade social é mais latente”.

“Eu morei quatro anos na Europa, mas eu não mudaria de vez para lá. Eu amo meu país, vejo que temos solução. Nós temos que trabalhar a questão da educação. Não podemos deixar que o fundamentalismo e o extremismo conservador, o fascismo, tomem conta do Brasil. Nós temos que nos organizar”, conclama Toni Reis.

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