Protestos e violência policial marcam luta pela educação pública no Uruguai

Estudantes que ocupavam um prédio da administração de ensino foram retirados à força pela Guarda Nacional; no dia seguinte, no mesmo local, manifestantes denunciavam a ação e pediam 6% do PIB para o ensino.

Por Vivian Fernandes e Rafael Soriano, de Montevidéu.

Uma desocupação violenta promovida pela polícia de um protesto estudantil foi a motivação para o ato da quarta-feira (23), na capital uruguaia, Montevidéu. Cerca de 3 mil estudantes e trabalhadores, segundo os organizadores, se reuniram para a manifestação em frente ao Conselho Diretivo Central (Codicen), órgão da Administração Nacional de Educação Pública.

Na noite anterior, o prédio, que era ocupado por 50 pessoas no momento da ação, foi desocupado à força pela tropa de choque da polícia local, com um efetivo de 300 homens. No protesto no dia seguinte, os jovens denunciavam a ação violenta da Guarda Republicana e pediam mais investimentos na educação. A marcha iniciada no Codicen seguiu até o Palácio Legislativo.

Nas palavras de Diego, do Centro Estudantil do Instituto de Professores Artigas, “estamos na rua num claro repúdio à forte repressão de ontem, quando aqui mesmo a Guarda Republicana ferozmente agrediu estudantes, pais e trabalhadores que tentavam negociar uma saída sem violência à manifestação”.

Ele ainda aponta: “Estamos aprimorando as mobilizações nas ruas, numa unidade entre professores, estudantes, sindicalistas. A solidariedade é um marco para a luta”.

A reivindicação de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para a educação é o eixo central dos protestos, que é uma luta histórica e a alguns meses vem contando com mobilizações por todo o país. Os estudantes e trabalhadores do ensino pedem recursos federais que permitam melhorias em toda a rede pública, como mais edifícios, materiais, melhores salários, bolsas de ensino, entre outros.

Além disso, lutam por mais autonomia e co-governo para a educação média, o que possibilitaria que os estudantes tivessem voz e voto nas discussões de conteúdo e programação de ensino, bem como na administração dos recursos.

Noite de violência

Crédito das imagens: R.U.A Foto Coletivo

Segundo Antonio, estudante secundarista e membro do Grêmio Estudantil de Zorrilla, que estava na ocupação e no protesto do dia seguinte, a ação da polícia na desocupação foi “completamente ilegal, com a presença do Comissário de Direitos Humanos, que não fez absolutamente nada”.

Ele relata que o edifício onde está o escritório do Conicen foi ocupado no último dia 18 de setembro e que, na quarta-feira (22), ocorreu uma negociação para que os estudantes liberassem os andares de outros órgãos públicos e ficassem apenas no respectivo ao da educação.

“Essa negociação com o Ministério da Economia e com o Codicen ficou certa. Estávamos tranquilos, limpando e tirando as coisas dos outros pisos. Até que, em um momento, o Comissário de Direitos Humanos, senhor Faropa, disse que o Ministério da Economia não queria fazer a negociação. Então, nosso advogado disse: ‘deixe que os meninos se organizam e decidam em assembleia o que fazer’. E logo o comissário disse: ‘não, já os demos muito tempo, que entrem os rapazes [da polícia]”, relata Antonio.

Seguido a isso, o operativo policial entrou no edifício por uma porta traseira do prédio, do estacionamento, enquanto a porta principal estava com uma barricada do Sindicato dos Taxistas, que acabou entrando em confronto com a polícia e foi quando iniciou o processo de violência.

“Havia um acordo para evitar a violência, mas a polícia entrou pelo estacionamento, bateu em estudantes, professores”, denuncia Shania Seitun, do Grêmio Estudantil Sol e Mar.

Ao final, foram detidas 12 pessoas, que já foram liberadas. De acordo com relatos de manifestantes, várias pessoas ficaram feridas e algumas levadas a hospitais. O advogado que acompanhava os estudantes secundaristas também foi atingido pela polícia, que o derrubou no chão e o agrediu.

“A este ponto de violência é a primeira vez. Ocorreram outras desocupações, mas eram negociadas, em que se podia sair ‘de boa’, te dão meia hora para que possa fazer a assembleia e sair. Era o que íamos fazer. Mas nos tiraram à força e nos bateram”, conta Antonio.

Luta pela educação

Há cerca de um mês, no dia 27 de agosto, 60 mil pessoas promoveram uma grande marcha por 6% do PIB para a educação e pela retirada do Decreto de Essencialidade, uma lei que proibia greves e protestos públicos da educação.

Como uma conquista dos manifestantes, a lei foi retirada pelo presidente uruguaio Tabaré Vázquez, que voltou a negociar com os estudantes e trabalhadores pela pauta de mais recursos públicos para o ensino. Após a queda do Decreto de Essencialidade, ocupações e protestos pela educação seguiram ocorrendo.

Sebastián, do Movimento de Participação Popular (MPP), organização parte da Frente Ampla, aponta que “o governo havia se comprometido com o investimento de 6% do PIB para a educação, mas a questão é que pedimos que seja agora e o governo o quer fazer de forma progressiva”.

Ainda na opinião do ativista, neste momento a discussão na sociedade está centrada no tema da violência da desocupação, o que pode prejudicar a luta pela educação no país e “perde o movimento popular com este tipo de coisa”.

“Agora cabe ao Parlamento decidir sobre o orçamento para a educação, a luta segue no Legislativo. Creio que esse acontecimento de violência, por parte do Estado com a polícia e por parte dos manifestantes que usaram métodos violentos fora do prédio, tiram o foco da real discussão que é os 6% do PIB para a educação”, finaliza Sebastián.

Outros protestos estão sendo marcados pelas redes sociais para os próximos dias, dando prosseguimento à luta pela educação pública no Uruguai.

 Fonte: Brasil de Fato.

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