Professores mexicanos: gritos de guerra e atrasos na educação

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Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.

Nesta semana em que vimos como milhares de professores se mobilizaram pelas ruas dos estados de Oaxaca, Guerrero,  Michoacán e Chiapas e na cidade do México, o bloqueio e repressão policial ficou evidente. Opiniões encontradas e outras não encontradas foram dadas nas redes sociais sobre o papel dos professores num país com níveis péssimos em acesso e qualidade de educação. Porém, não podemos dar conclusões precipitadas porque devemos entender vários conceitos como educação no México, Reforma Educativa, CNTE e  SNTE para entender como cada um se entrelaça nas aulas do saber mexicano.

A educação não é mais um privilégio, mas um direito fundamental, porque seu acesso garante a liberdade, a autonomia pessoal e o conhecimento para exercer os outros direitos. As Nações Unidas e a UNESCO dentro de sua normatividade estipulam as obrigações jurídicas internacionais do direito à educação para promover e desenvolver o direito de  cada pessoa a ter acesso à educação de qualidade, sem discriminação e exclusão.  E corresponde a cada governo dentro da ONU cumprir com essas obrigações. No México, a educação é uma garantia individual (em teoria) e está estipulada no artigo terceiro da Constituição mexicana que, em resumidas palavras, deve ser laica, obrigatória e gratuita.

Mas como tudo o que está escrito na Constituição fica em letra morta quando lhes convêm, o seja, sempre, atualmente o México não se destaca na área educativa. Isto acontece porque nem o governo nem o povo mexicano percebeu qual a importância da educação. O conhecimento é a chave de tudo; é a força e isto é dado pela escola, os acadêmicos e os científicos. De fato, a ONU mede o desenvolvimento de um país por seu nível de conhecimento porque de aí se desenvolvem ferramentas para tirar um país da miséria. Uma mã educação nos impede poder competir contra os outros países que sim investem em seus programas educativos.

“How’s life”, um informe realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica, que a maior preocupação para os mexicanos é a educação e consideram que com educação se pode ter uma vida melhor, porém, o México ocupou o lugar 36 de 36, ou seja, reprovou no indicador de educação e competências.  Também detalha que os estudantes menores de 15 anos de idade têm um dos piores desempenhos em matérias como matemáticas, redação/leitura e ciências. O estudo mostra um crescimento considerável de professores de educação fundamental e secundária (cifra difícil de detalhar porque a própria secretaria da educação ainda não sabe o número de docentes que estão trabalhando). Por outro lado, o México ocupa o terceiro lugar em acesso à educação media de alunos e alunas. E por último, o México representa o país com maiores desequilíbrios educativos por regiões, sendo a cidade do México o melhor lugar para estudar.

Basicamente, o governo mexicano falhou na criação de leis que regulem a Secretaria de Educação Pública (SEP) e o sindicato, porque existem irregularidades: se vendem ou se herdam as vagas, os professores não sabem dar aula, os recursos para a educação são desviados, os programas de educação são copiados de países estrangeiros que não se aproximam em nada da realidade nacional.

Um exemplo em relação às vagas para docentes, em 2010 , a SEP contabilizou 39,222 pessoas assignadas em alguma escola, que recebem um salário, mas ninguém os conhece dentro da equipe de professores. São chamados os vulgarmente  de “aviadores”. Outros, trabalham para o sindicato como “paristas” (manifestantes), são os que fecham as ruas, fazem plantões e não dão aula. Outro grande número de pessoas recebe numa escola e trabalha em outra. E por último, existem pessoas que recebem o salário de professor em nome de aposentados ou até mortos. Perdem-se até 35 mil milhões de pesos por ano no fundo para a educação por este grande calote. Com essa quantia daria para construir melhores escolas em regiões rurais, investir nas já instaladas, em material educativo, cursos para atualizar os professores, bolsas e ajudas para os estudantes e professores, etc.

A Reforma Educativa, teoricamente vem eliminar os professores “aviadores” e grevistas para nos garantir uma educação de qualidade e melhorar nos atrasos educacionais. Mas basicamente, mais do que ajudar, atrapalha mais o sistema educativo e é rejeitada porque elimina o acesso a uma educação pública gratuita e obrigatória (abre a porta para a privatização da educação e o pagamento compulsivo de parcelas para os pais), a reforma não é educativa mas trabalhista, administrativa e empresarial. A reforma não marca pautas em matéria de ensino nem em como acabar com a desigualdade e o atraso educativo.  O professor perde a estabilidade no trabalho, se eliminam as vagas base; o salário e a permanência estarão sujeitas às avaliações, o que leva a culpar o professor/a pelo baixo nível educativo e não obriga o Estado a dotar de um orçamento suficiente para fortalecer escolas e trabalhadores. E é discriminatória porque não leva em conta a diversidade étnica, cultural,  nem a realidade do país.

O sindicato de trabalhadores da educação é outro tema importante nos obriga a saber diferenciar o SNTE do CNTE. Não entrarei em detalhes porque não terminaria: o SNTE, o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação, fundado em 1943, é o sindicato oficial e reconhecido pelo governo mexicano. Sua antiga líder, a professora Elba Esther Gordillo garantia o voto duro durante as eleições, porque com mais de um milhão de filiados, dava seu apoio ao candidato presidencial ou legislativo que lhe convinha. Os professores membros têm privilêgios.

A CNTE é a Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação, que se diz se separou e se independizou do SNTE por não reconhecer o líder imposto pelo então presidente Carlos Salinas de Gortari em 1979, mas não tem sido assim porque nunca se separou nem independizou. Continuam sendo seções do SNTE. A coordenadora é a contra parte e rejeita as reformas do magistério e a Reforma Educativa; tem mais presença em Michoacán, Oaxaca, Guerrero e, nestas últimas semanas em Chiapas, a CNTE tem sido protagonista das últimas manifestações e plantões que rechaçam a avaliação e  exigem ou não demissão por reprovar a avaliação.

Se fala que os membros da CNTE são membros do SNTE porque pagam sua mensalidade e que, em vez de brigar pela educação pública, a limitam e atrapalham. Também houve casos em que a Coordenadora obriga os professores a não darem aulas e comparecer a marchas e plantões como um jeito de não perder seus direitos, mas não diante da autoridade como empregador senão diante da direção sindical como a estrutura de poder que os controla. Devido a que os professores de Oaxaca e Michoacán passam o tempo em marchas e plantões, a matrícula escolar foi absorvida pelas escolas particulares, porque os pais de família já não aguentam as paralisações, a falta de aulas e os plantões dos professores.

A verdade é que a SNTE e a CNTE controlam a educação de milhões de alunos no México e o único que fazem é brigar entre elas para monopolizar a maior parte do orçamento destinado ao setor educativo e enquanto os líderes sindicais desfrutam dos benefícios de salários de 200 mil pesos por mês, existem verdadeiros professores que não vão às marchas e ficam nas salas de aula, não fogem à avaliação e sustentam as escolas rurais e nas cidades com salários miseráveis de 5 mil pesos por mês.

Por que a educação no México é de péssima qualidade? Porque nem o governo, nem o sindicato de trabalhadores na educação e muito menos os pais e mães têm dado a importância que merece o assunto. Todos se culpam, mas ninguém é o culpado e os alunos recebem professores mal preparados, professores ausentes e programas de educação que não os preparam para as exigências do trabalho de hoje em dia nem para concorrer fora do país. A Reforma Educativa é trabalhista e política; nada tem a ver com melhorar a educação. O que procura é controlar o maior sindicato da América Latina em suas duas expressões porque o SNTE tem um partido político próprio (Nova Aliança) e foi aliado do Partido Ação Nacional  nos dois sexênios passados. Por isso se eliminou a anterior líder sindical Elba Esther, que foi presa. E a CNTE  por seu papel nem só no sindicato, mas como aglutinador nas suas regiões, foi visto nessa semana em Chiapas e, faz anos, com o acontecido em Oaxaca durante os seis anos do ex-presidente Vicente Fox.

Enquanto os líderes sindicais brigam entre eles e o governo procura controlar as seções do SNTE e CNTE, a maioria das escolas estão abandonadas, faltam escolas em áreas afastadas (dezenas de crianças e professores rurais devem andar quilômetros, atravessar rios e barrancos para chegar à aula) e a isto somamos que o Estado faz desaparecer futuros professores (Ayotzinapa não se esquece).

Não somos contra as marchas, as apoiamos desde que se procure o bem comum para todos e não só para os filiados. Denunciamos a repressão policial contra os professores chiapanecos e a mão dura por parte da Coordenadora em relação a aqueles que não marcham. Honramos e admiramos aqueles que levam a luta e a resistência desde a sala de aula e rejeitamos a ação do governo que atrapalha e limita a educação.

Foto: Cuartoscuro. Milenio.com.

 

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