Primavera nos dentes

Foto: Facebook

Por Fernando Calheiros, para Desacato.info.

“Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera”
Primavera Nos Dentes
Secos e Molhados

As primaveras de luta no Brasil não são de hoje. Surgem desde o primeiro século de colonização e se estendem até os dias atuais. Tais lutas e resistências nos mostram que os povos oprimidos de ontem e de hoje jamais foram passivos. Independente do período histórico, sempre houve grupos dispostos a lutar por liberdade e contra os mais diversos tipos de opressão e violência.

Durante as longas primaveras do período colonial, os povos indígenas do Brasil lutaram por suas terras e contra a escravização europeia. Os escravos africanos formaram uma grande resistência a partir das revoltas localizadas e formações de Quilombos, tendo Palmares como um dos maiores e mais significativos territórios de resistência e luta contra a escravidão.

No período imperial também não foi diferente. Muitas revoltas, motins e rebeliões insurgiram por todo o país, como a Cabanagem, Balaiada, Praieira, Sabinada, Malês, Farrapos, Canudos, Contestado etc. Das revoltas regionais, envolvendo reivindicações específicas, emergiram dois movimentos de âmbito nacional, o abolicionista e o republicano. Tais movimentos (levando em consideração as enormes contradições que apresentaram) mostravam-se a favor da luta pelo fim da escravidão e contra o poder da monarquia.

 No período republicano, primaveras de muitas lutas e resistências marcaram gerações. Com o golpe militar de 1964 e o decreto do AI-5 em 1968, todos os direitos dos cidadãos foram cassados. Proibição a livre manifestação, perseguições políticas, prisões, torturas e assassinatos marcaram os anos de chumbo no Brasil. Apesar da forte repressão do regime militar autoritário aos estudantes e trabalhadores organizados que o contestavam, a luta por um Estado democrático de direitos (com suas enormes limitações) ao fim saiu vitoriosa.

No entanto, passado apenas 30 anos de democracia no Brasil, esse breve ensaio de Estado democrático que aparentava certa civilidade, novamente (é o risco que se corre quando não se passa a história a limpo) é ameaçado por forças políticas de extrema direita ultrareacionárias e autoritárias. O neoliberalismo assumindo sua face mais violenta e nefasta.

Seguindo a velha cartilha fascista, porém, utilizando-se das novas ferramentas digitais (WhatsApp), surfam na onda do antipetismo (pois uma das principais características do fascismo é a criação de um inimigo da nação), buscando a todo custo o  apoio das massas (outra característica do fascismo), a fim colocar, a força se necessário, um projeto autoritário, violento e totalmente entreguista como única saída a atual crise institucional brasileira.

O grande desafio hoje é, sem dúvida, o de combater a proliferação e desenvolvimento do fascismo de todos os modos possíveis. Sempre fomos capazes de impedir a instauração de qualquer processo de fascistização do Brasil. Um bom exemplo de resistência nessa conjuntura de luta estão sendo as recentes manifestações do #EleNão.

Que a partir da tomada das ruas e avenidas por todo o país, os partidos progressistas e de esquerda, sindicatos combativos, movimentos sociais das mais diversas pautas de luta, coletivos anarquistas e libertários, enfim, homens e mulheres, negros, indígenas, LGBTS, juventude engajada, possam mais uma vez politizar o debate sobre qual Brasil não queremos. É mais um momento decisivo que pode influenciar de modo considerável o segundo turno das eleições para presidente 2018.

Certamente, todos os períodos históricos do país foram marcados por intensas primaveras de lutas entre opressores e oprimidos. Cada geração carregou seus próprios desafios históricos. É chegada a nossa primavera de luta na história. Que no próximo sábado (20), seja feito o maior ato político em prol da democracia já realizado em Florianópolis. Que todos e todas, conscientes e corajosos, segurando a primavera nos dentes, numa só voz e num só tom, grite bem alto para que toda cidade, o Estado, o país e o mundo possam ouvir: Ele não! Fascismo não! Ditadura nunca mais!


Fernando Calheiros é cientista social e professor da rede pública. Atualmente cursa mestrado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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