Prefeitura apresenta Plano de Superação da Situação de Rua e movimento promete cobrar: ‘É um começo’

Foto: Luciano Lanes

Por Giovana Fleck.

A população em situação de rua tem se multiplicado em Porto Alegre. Em cinco anos, aumentou mais de 50%Desde 1994, cresceu mais de 600%. São diversos fatores que contribuem para isso: desemprego, subemprego, dependência química, violência doméstica, discriminação de gênero e de etnia, o não acesso à saúde, à educação, crescimento da desigualdade – entre tantas outras. Porém, as políticas públicas não têm crescido na mesma velocidade.

“Acreditamos que temos um caminho com início, meio e fim para ajudar as pessoas”, afirmou o prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) ao apresentar, na manhã desta quinta-feira (3), o Plano Municipal de Superação da Situação de Rua. Aguardado desde o início do ano, quando o prefeito começou a antecipar sua efetividade, o plano resulta de ação integrada entre a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (SMDSE) – por meio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e de outros órgãos municipais.

Em sua fala, Marchezan também enalteceu a remoção realizada no Viaduto Otávio Rocha em 2015, pela gestão do então prefeito Fortunati. “Achei corajoso, legítimo e nobre”, pontuou o atual mandatário – que também reconheceu que em um curto período o espaço foi ocupado novamente. “Tudo que será implementado será testado”, disse Marchezan sobre o novo projeto, adjetivado como ‘inovador’ e ‘único’ por vereadores que acompanharam o lançamento.

Apresentado pelo secretário de Saúde, Erno Harzheim, o programa contará com seis fases que deverão acontecer de forma progressiva ao longo dos próximos oito meses do ano. A primeira fase consiste no que o secretário coloca como uma melhor “qualificação da abordagem”, utilizando estratégias trabalhadas pela Fasc, como as equipes de consultório na rua. A ideia é instalar serviços de maneira que desempenhem um protocolo assistencial – inserindo a população de rua dentro do projeto.

A segunda fase corresponde à adaptação do programa “Housing First” (Casa Primeiro, em tradução livre) para Porto Alegre. Sem especificar de onde viriam os recursos, o secretário afirmou que serão experimentadas diversas estratégias para que as pessoas tenham acesso à habitação. “Pesquisas demonstram que, 24 meses após a oferta de um teto, 20% das pessoas não voltam para a condição de rua”, diz o secretário. No entanto, essa estatística só serviria para grupos pequenos – deixando de lado coletivos e grupos de pessoas formadas na rua.

Segundo Harzheim, apenas famílias nucleares ou duplas de amigos seriam encaminhadas para um mesmo imóvel. Ele também enfatizou que as pessoas não serão realocadas em prédios do poder público em desuso e que novas unidades também não serão construídas – porém, não especificou onde, de fato, essas pessoas morariam. De acordo com ele, o Demhab (Departamento de Habitação do Município de Porto Alegre ) teria feito um levantamento de imóveis – sem especificar quais – e que 70 famílias já estariam sendo encaminhadas para esses domicílios.

Deyvid Soares, integrante MNPR (Movimento Nacional da População de Rua) e morador da Aldeia (ocupação formada pela população de rua) questiona as ideias da prefeitura. “Se for um programa que funcionará como o aluguel social funciona hoje, não adianta ter R$ 500 por seis meses e depois não ter mais. A gente quer moradia permanente.” Para ele, o incêndio em uma ocupação de São Paulo mexeu com as pessoas e o poder público. “Mas não se pode criminalizar as ocupações. Nós somos 30 pessoas, somos família. E, com esse projeto, perderíamos nosso vínculo – iria um para cada lado.”

Em sua terceira fase, o plano propõe a ampliação da rede de saúde mental. Hoje, a Secretaria de Saúde conta com 12 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A partir da abertura de editais para o financiamento da inciativa privada, a rede deve ser estendida para 18 unidades de acolhimento. Segundo o secretário, isso seria suficiente para praticamente dobrar as vagas na rede de saúde.

A fase seguinte integra o que o plano chama de “ampliação da oferta de oportunidades”. Para Marchezan: “A emancipação se dá através do acesso ao mercado de trabalho. As pessoas querem e merecem uma vida digna.” De acordo com o secretário, a Cootravipa – que tem passado por períodos de crise pela falta de repasses – teria ofertado algumas vagas. Além disso, há a possibilidade de que a Prefeitura oferte passagens para que os moradores que vêm de outros municípios e tenham interesse em retornar, possam fazê-lo. “É um plano baseado na autonomia das pessoas”, defende Harzheim. As últimas duas fases consistem na revitalização do espaço urbano e na aplicação de meios tecnológicos para realizar um monitoramento das fases anteriores e garantir o sucesso da proposta.

Deyvid reitera que oferecer dignidade é, muitas vezes, um conceito vazio. “Todos temos dignidade. Têm pessoas que têm que ter tratamento psicológico. Mas têm pessoas que tem um super potencial criativo, são desenhistas, cartunistas. Mas que, quando vão para dentro [da rede de saúde mental] se perdem. É muito remédio, tu fica dopado, entendeu?” Ele enfatiza que o movimento estará monitorando as ações da Prefeitura, para garantir que as ações serão colocadas em prática de forma que respeitem as individualidades, como foi apresentado. “A gente vai cobrar, vamos existir. Ainda não é uma vitória, é um começo.”

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