Predadores e o fim de uma era

Por Pedro Augusto Pinho.

Um livro, recentemente lançado na França, trata da corrupção, inclusive no Brasil. Mas não se trata apenas de “mais uma denúncia”. Denis Robert e Catherine Le Gall, os autores de “Les Prédateurs Des Milliardaires contre les États” (le cherche-midi, Paris, 2018) convidam a uma reflexão, acima das paixões políticas, sobre a verdadeira nuvem venenosa que caiu, principalmente, sobre a “sociedade ocidental”.

Os que desejarem um rápido sumário das principais revelações do livro poderão obter na entrevista que Théophile Kouamaou fez com Denis Robert e está no youtube, com legendas em português.

Precisemos os termos. Que “nuvem” é esta que arrasta para a miséria sociedades ricas, colonizadoras de todos os continentes, bastiões do humanismo, das liberdades e do saber? É um sistema, nascido na Inglaterra do mercantilismo, que se desenvolveu e ganhou novas roupagens e força ao longo do século XX, desde as grandes guerras, e se torna o maior poder mundial em 1990: o sistema financeiro internacional, que abrevio “banca”.

Ao se empoderar, a banca não só domina as finanças mas até Estados nacionais, aparelhando-os ou destruindo-os.

Se buscarmos exemplo no passado, encontraremos, mas limitados a um país e a uma classe social. A banca é universal, global ou globalizante, como se apresenta, e tem seu controle na plutocracia internacional. É o império dos super-ricos.

Robert e Le Gall tratam de dois casos específicos, por eles investigados, envolvendo o belga Albert Frère e o canadense Paul Desmarais: a privatização da Gaz de France e a venda da cadeia de hambúrguer Quick.

Mas nos casos apresentados ficam as marcas mais relevantes do modo de agir destes bilionários: a corrupção e o envolvimento do sistema financeiro, econômico, de políticos e partidos políticos, da mídia e da justiça.

Resumirei estes dois casos, absolutamente triviais nas ações da banca, quer pelos seus organismos institucionais – os fundos de investimentos, como os trilionários BlackRock, Vanguard, Charles Schwab etc – quer pelos bilionários, que têm prazer e lucro em suas ações individuais.

As ações institucionais da banca são precedidas da compra de governos e das mídias, que constroem o clima para que pareça ser única a sua solução para problemas, por ela mesmo criados, reais ou fictícios, como têm sido os casos de privatizações. No livro em questão é revelada a do Gaz de France (GDF).

Também seguindo um roteiro onde entram escritórios de advocacia, bancos privados, justiça e membros do governo comprados, temos o caso Quick, armado pelos referidos “predadores”.

Quick era rede de fastfood (hambúrguer) de propriedade de Albert Frère, com resultados pífios para seus custos elevados. Era preciso passar adiante. O “mercado” (esta entidade tão elogiada e tão venal) não foi além de 300 milhões de euros. O predador aproxima-se de Chirac e Sarkozi, presidentes franceses, coloca seus empregados e advogados em postos de decisão e assessoramento de órgãos do governo. E a estatal Caisse des Dépots et Consignation – cujo objetivo é muito semelhante ao da Caixa Econômica Federal (CEF) e também principal destinatário das pequenas poupanças – compra por 760 milhões de euros.

Gaz de France, empresa exitosa, que mantém o fornecimento de energia no país onde é frio de 7 a 8 meses por ano, ou seja, o aquecimento das casas é condição de sobrevivência, é privatizada e o custo do gás sobe 200% em pouco tempo. Depois o governo usa a polícia para reprimir com brutalidade, infiltra agentes para depredações e saques, quando a classe média dos coletes amarelos vai à rua não mais suportando a entrada da fome e da miséria em seus lares.

E os bancos são cúmplices. Robert e Le Gall citam explicitamente o Banco Rothschild, de onde saiu o presidente Emmanuel Macron, como o que camuflou a corrupção do caso Quick.

Também este caso mostra o magistrado de Paris que não recebeu o mandado, emitido pela autoridade belga, contra Albert Frère.

Algumas reflexões nos são apresentadas no “Predadores Bilionários contra os Estados”.

Comecemos pela divulgação integral destes assaltos à poupança popular, pelo esclarecimento dos objetivos, pelas rotas dos subornos, das farsas montadas, das teorias construídas pelas academias, enfim, desse mar de cumplicidades e conivências que cercam a corrupção dos ricos contra a economia das nações.

Não haveria interesse que a maior parte, senão a totalidade da população, tivesse conhecimento e compreensão? Não, uma retumbante negativa.

Primeiro pelos principais beneficiados: os elementos da banca, os bilionários e seus colaboradores. Não satisfeitos com a compra de quase toda comunicação de massa, da indústria cultural e da academia, também cerceiam editoras e profissionais que procuram desvendar seus crimes.

E os partidos e os políticos que tem nestes criminosos sua principal fonte de receita, quer individual que para manutenção da parcela deste poder. O mesmo em relação aos magistrados e a partir daí todo sistema judicial. Ficamos então com os executivos, os legislativos – que transformaram ou transformarão em atos legais todas ações ilícitas e prejudiciais e contrárias ao País e à Cidadania – os judiciários, as comunicações e a produção de ideias sendo compradas/subornadas/ameaçadas pela banca.

E os delatores? Seriam pessoas de elevado espírito público, moral ilibada, inconformados com o assalto praticado contra seu país e seu povo? As respostas também são negativas. Há uma luta entre os capitais pelas suas sobrevivências. Em diversos artigos tenho demonstrado o objetivo da banca na permanente concentração de renda. Um objetivo autofágico que leva, entre outras mais ridículas e mesquinhas razões, à delação, premiada ou não. E os baixos interesses pessoais, paroquianamente partidários como observamos nestes últimos cinco anos no Brasil. Denuncia-se Luís e esconde-se Fernando. Pune-se um Flávio mas não se investiga o outro.

O Partido dos Trabalhadores (PT) não é menos culpado do que o DEM, o MDB, o PSL, o PRB ou o PSDB, em processo falimentar. Nenhum partido político, rigorosamente nenhum, apresentou a banca como a maior mal que ocorreu no Brasil. Nenhum denunciou a farsa e os prejuízos das privatizações, que levaram as tarifas de telefonia e de energia elétrica de um país de 80% de pobres a serem iguais ou mais elevadas do que as europeias e estadunidenses. Nenhum defendeu o Estado (assediado e corrompido pela banca) do mercado corruptor e entreguista.

Fomos levados ao fim de uma era de esperança e progresso, para uma era de espertezas e vilanias. Onde um poder associado a milícias é combatido pela defesa da liberdade sexual e para cuidados com a Mata Atlântica.

No livro que deu origem a este artigo, o caso brasileiro é da compra da refinaria de Pasadena, então do senhor Albert Frère.

Pedro Augusto Pinho é avô e administrador aposentado

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