Precisamos de uma ciência própria? Apontamentos sobre a obra de Orlando Fals Borda

Por Gustavo Siqueira.

BORDA, O.F. Ciencia Propia y colonialismo intelectual. Mexico: Editorial Nuestro Tiempo, 3ª edição, 1973.

“[…] sociologia como ciência rebelde e subversiva, posta a serviço da causa da transformação real da América.” (FALS BORDA, 1973: 77)

Assim pode ser classificado o objetivo dessa obra latino-americana. Escrito por Orlando Fals Borda em 1970, o livro é um importante instrumento no tema do pensamento crítico. Composta nos “anos de chumbo”, também foi uma considerável contribuição pro debate da dependência dos subdesenvolvidos, que já tinha voz com André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e outros. Fals Borda, por sua vez, tece sua crítica não à estrutura econômica, mas ao que ele chamou de “colonialismo intelectual”.

Nascido em 1925 na cidade de Barranquilla, Colômbia, Orlando Fals Borda graduou-se em Literatura Inglesa pela University of Duburque, com pós-graduação em sociologia pela University of Minnesota, e PhD. pela University of Florida, todas nos Estados Unidos. Ao lado de Camilo Torres Restrepo, foi fundador da primeira Faculdade de Sociologia da América Latina, na Universidad Nacional de Colombia, Bogotá. Publicou dezenas de obras e foi traduzido em vários idiomas. Faleceu em 2008, com 83 anos.

O autor toma como base de seu argumento o Informe Rockefeller, de 1969, que consistia em diminuir a influência da Igreja Católica no terceiro mundo, argumentando que estes sendo responsáveis pela educação e cultura, eram também responsáveis pelo grande aumento demográfico nestes países. O problema, acreditavam, era de um potencial revolucionário que correntes como a Teologia da Libertação representavam, e que estes já “não eram um aliado seguro para os EUA”. A estratégia do então vice-presidente estadunidense, Nelson Rockefeller, foi instalar novas “alternativas” religiosas na América Latina com as correntes pentecostais, como os Mórmons e Testemunhas de Jeová.

Sem aprofundar-nos muito neste tema, o que interessa analisar é o intervencionismo que Fals Borda denuncia em seu argumento. Para o autor, não pode existir a aproximação de um país dominante a um dominado sem interesse. Neste sentido, o colombiano invoca o pensamento próprio do povo, desvencilhando-se do histórico complexo de inferioridade existente no seio dos povos latinos, vítimas da colonização por centenas de anos. Ou seja, elaborar respostas originais para os problemas existentes em nosso continente, para que seja dispensável a influência externa em nossos temas.

“É preferível responder ao desafio do trópico e do sub-trópico com nossos próprios meios, concebendo nossas soluções com nossa própria ideologia e utilizando e vigorando nossa cultura e sociedade, que seguir sendo uma cópia de segunda classe e um simples mercado de um povo estranho.” (FALS BORDA, 1970: 18)

O pensamento do sociólogo não visa, como possa parecer, o estabelecimento de uma ciência própria para “combater” a ciência existente. O autor é enfático ao afirmar que a criação de novos meios de pensamento no continente latino-americano tem por objetivo somar ao corrente discurso mundial para auxiliar na busca por respostas no campo social, político e econômico. Para ele, trata-se da formação de um conhecimento que possa criar um cidadão latino-americano novo, uma ciência que explique as particularidades nacionais e que possa sustentar nossa cultura.

A sugestão do crítico colombiano é o estabelecimento de cooperativas como resposta ao individualismo liberal. Não sem antes analisar como se dá, em sua época, a dinâmica destas. Apesar de criticar a importação de meios estrangeiros para a criação destas cooperativas – com objetivo puramente mercadológico e de lucro – Fals Borda acredita na efetividade de um projeto de trabalho comunitário com vistas a resolver demandas sociais de sua realidade.

O legado deixado pelo autor na América Latina é importante para nos fazer refletir nas alternativas que nos são dadas atualmente. Talvez naquele tempo Fals Borda não pudesse prever a ascensão de Correa, Chávez e Morales em nosso continente, mas são hoje o que se poderia chamar de “respostas originais” ao neoliberlismo. Não pretendendo analisar profundamente os citados governos, o que fica pra nós são exemplos para que nós trabalhadores, estudantes e cidadãos possamos pensar e discutir.

Entretanto, o leque que se abre neste tema do “pensamento subversivo” é ainda maior. Muitas vezes existe um dilema acerca de nosso sistema, seu funcionamento e que rumos nós, brasileiros e latino-americanos, temos de tomar desde a perspectiva econômica, política, social e também profissional. Refiro-me a esse último na tentativa de problematizar qual é nosso objetivo ao buscar um campo de especialização, na graduação e depois dela, onde crescemos ouvindo que as escolhas mais acertadas de estudo e aprofundamento estão na Europa ou nos EUA. Longe de querer comparar a qualidade de uma ou outra universidade, a questão que a obra suscita é a de pensar criticamente como se dá a educação no nosso continente e o que queremos com ela. Ou seja, estaremos sempre fadados a procurar pelos tradicionais centros de ensino do Velho Mundo? Ou podemos nos voltar com mais atenção para o que há de valioso aqui, incentivando a produção de um conhecimento próprio? São questões suscitadas desta obra indispensável para o entendimento da sociologia latina e o pensamento original, tema que se faz presente até nossos dias.

*OBS: as citações são uma tradução literal do espanhol, feita pelo autor da resenha.

Sobre a biografia do autor, pode ser encontrado mais em:

http://www.banrepcultural.org/blaavirtual/biografias/falsorla.htm

Sobre o Informe Rockefeller, mais detalhes em:

http://www.fraynelson.net/profiles/blogs/el-informe-rockefeller

Foto: Orlando Fals Borda, em Wikipedia.

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