Precarização do trabalho e a saúde

Por Douglas F. Kovaleski, para Desacato. info.

No texto da semana passada abordei a função da terceirização ou privatização dos serviços de saúde para o capital. O que cumpre a um aspecto central em inserir essa prestação de serviço na esfera do capital produtivo, dificultando acesso da população e deixando um contingente significativo das pessoas sem segurança no que tange a saúde. No texto dessa semana, irei abordar um aspecto relacionado à terceirização, a precarização das condições de trabalho e suas consequências sobre a saúde.

A tendência decrescente da taxa de lucro das empresas é uma direção inexorável da economia capitalista e, somada à lógica expansionista, individualista e desenfreadamente concentradora de riquezas, imanente ao capital, provoca um movimento das empresas no sentido do aumento da extração mais-valia absoluta e relativa da classe que vive do trabalho. Hodiernamente, um conjunto de autores do campo da economia e da sociologia chama esse movimento de precarização do trabalho. O que daria a origem a uma nova fração de classe: o precariado (STANDING, 2011). Categoria repleta de críticas e agregadora de acaloradas discussões.

A característica central desse processo de precarização, capaz de auxiliar na compreensão do contexto atual e dos trabalhadores em serviços de saúde é: ser mais desorganizada, oscilante, radicalmente mais competitiva, individualista, seduzida pelo canto do empreendedorismo e ideologicamente difusa, o que o torna, segundo Antunes (2018), mais vulnerável a políticas populistas e extremistas como o neofacismo.

Essa parcela de trabalhadores pode ainda ser caracterizada por ser jovem, possuir alto grau de informalidade, incerteza na renda, na empregabilidade, na capacidade de contrair dívidas, realizando atividades parciais e por período intermitente. Qualquer semelhança com as características dos trabalhadores das Organizações Sociais da saúde não é mera coincidência. Trata-se de um processo estrutural e sistêmico que decorre no mundo capitalista com variações regionais.

A primeira diferença em termos da precarização das condições de vida da classe trabalhadora pode ser analisada na relação norte-sul. O hemisfério sul (que não se refere ao sul geográfico, mas ao sul ideológico), caracteristicamente possui um grau de precarização tremendamente mais acentuado em sua classe trabalhadora se comparada à classe trabalhadora no norte, que apenas muito recentemente é engolida por essa tendência. Pode-se dizer que o Sul sequer experimentou estado de bem-estar social ou o fordismo-taylorismo em seus primórdios.

Os diferentes níveis de precarização são determinados, antes de qualquer outro aspecto, pelo nível de organização da classe trabalhadora, pela luta sindical e pela defesa por direitos sociais, políticos e trabalhistas. No contexto brasileiro, olhar para essa correlação de forças, nos tempos atuais, é algo assustadoramente esclarecedor para entender a condição dos trabalhadores, tendo em vista a fragilidade dos sindicatos e das lutas sociais.

Para os trabalhadores em saúde, a precarização acontece de maneira indiferenciada com relação ao restante da classe trabalhadora. Salários baixos, contratos temporários, falta de garantias e pressão por produtividade, fazem parte do contexto atual dos trabalhadores de saúde. Mas o aspecto mais interessante nesse cenário é que, no caso da saúde brasileira, a precarização é fomentada essencialmente pelo Estado, abrindo caminho para o capital.

Mas afinal, será que trabalhadores precários, conseguem cuidar da saúde das pessoas adequadamente em condições precarizadas de trabalho? Saúde envolve subjetividade, afeto e sensibilidade, não dá pra trabalhar sem as devidas condições.

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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos socais.

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