Povos indígenas em Brasília hoje

Por Claudia Weinman, para Desacato. info. 

O representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Frederico Westphalen (RS), Ivan Cesar Cima, informa o Portal Desacato desde Brasília, onde no dia de hoje, terça-feira, 16 de maio, acontece uma mobilização dos povos indígenas do Sul do país. Conforme Cima, a delegação conta com 40 lideranças dos povos Kaingang, Guarani e Xocleng que fazem neste momento um ato em Brasília na luta contra a criminalização das lideranças indígenas, já que está prevista para hoje a votação da CPI Funai/Incra que indicia lideranças indígenas e seus aliados, pedindo também a extinção da Funai.

Povos indígenas em Brasília hoje. Foto: Ivan Cima.
Povos indígenas em Brasília hoje. Foto: Ivan Cima.

Na pauta segundo Cima, está também prevista uma intervenção junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) onde tramita o julgamento do Marco Temporal. “O Marco Temporal é uma ação da bancada ruralista que visa obstruir ainda mais o direito dos povos indígenas à suas terras tradicionais. O Marco Temporal, resumidamente, quer impor a ideia de que os indígenas tem direitos ás terras, desde que em 1988 eles estivessem nesse local. Uma aberração, mas nesses tempos de trevas tudo é possível. Outra pauta trata da CPI Funai/Incra, mais uma da bancada ruralista, que nessa terça feira, a princípio, deve ser votado o relatório da referida CPI. Por fim estaremos nos dirigindo à Funai, onde as lideranças farão cobranças acerca de suas demandas”, explicou.

Cima entrevistou o Cacique Luis Salvador, de Vicente Dutra, que falou sobre as ações que estão sendo realizadas hoje e a luta dos povos durante essa semana. “A nossa vinda mostra a cara do povo brasileiro e chama atenção para a negação do nosso direito à terra. O que nós queremos é uma demarcação do que sobrou das terras que tem vida ainda, que precisa sobreviver. A demarcação é importante. Os deputados estão fazendo isso para criminalizar os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas. A CPI, o Marco Temporal são golpes contra os povos indígenas”, disse ele.

Indígenas do Sul do país em protesto hoje em Brasília. Foto: Ivan Cima.
Indígenas do Sul do país em protesto hoje em Brasília. Foto: Ivan Cima.

O secretário executivo do CIMI em Brasília, Cleber César Buzatto, falou também sobre o que representa a CPI. “A CPI é mais um dos instrumentos de ataque da bancada ruralista, criminaliza o procedimento de demarcação, e criminaliza as organizações da sociedade civil, antropólogos, procurados da república, Ministério Público Federal e outros. Esse é um grande ataque orquestrado pela bancada ruralista contra os povos e seus direitos”, disse ele, acrescentando ainda que a CPI legaliza toda invasão e violência cometida contra os povos antes mesmo de 1988, dando ainda, margem positiva para a continuidade do genocídio contra os povos indígenas.

Para esta semana, estão previstas conversas dos povos indígenas nos gabinetes dos ministros em Brasília, audiência na comissão dos direitos humanos a Câmara dos Deputados e audiência com o presidente da Funai para apresentar as pautas das comunidades da região Sul do país.

Contra a militarização da Funai

Cima falou ainda que outra pauta que está em evidência é a luta contra a militarização da Funai. Segundo ele, a nomeação do General Franklimberg Ribeiro de Freitas como Presidente da Funai representa uma afronta aos direitos dos povos originários, considerando toda repressão do Estado brasileiro por meio das forças militares durante o acampamento Terra Livre, que aconteceu em Brasília em abril e toda violência histórica contra essas populações.

No texto abaixo, de Hegon Heck, secretariado nacional do Cimi, uma explicação de quem e a quem o General Franklimberg Ribeiro de Freitas representa. Acompanhe:

Basta um olhar crítico para ver a efetiva “solução final” da questão indígena buscada pela ditadura militar: chegar ao ano 2.000 sem ter índios no Brasil. Esse não era um vago ou isolado desejo de alguns. Foi meta buscada tenazmente através de políticas e projetos de lei, como o da “emancipação”, “índios aculturados”, “critérios de indianidade”, entre outros.

Corroboram com essa tese afirmações de militares e agentes da ditadura. “Não podemos deixar que meia dúzia de índios atravanquem o progresso do Brasil”, afirmou o Ministro da Agricultura, general Cirne Lima, diante da negativa dos índios do Xingu de deixar que a Estrada BR 080 cortasse o parque indígena. Naquela ocasião o militar desconsiderava a postura dos xinguanos e acrescentava: “a estrada iria levar a civilização do boi, para aqueles afastados rincões”.

Ainda, é bom lembrar a afirmação de Protasio Lopes. “A Amazônia só será nossa quando for habitada por brasileiros e não por índios, que não tem nacionalidade”, discursou o brigadeiro em Belém (PA) no dia 21 de janeiro de 1980. Em outra ocasião o mesmo militar se referiu aos índios como “quistos populacionais”, “quistos raciais” e “quistos linguísticos”

A militarização da Funai e até mesmo a proposta de fazer dos índios “um soldado nato” não é novidade. Em 1977, o General Frederico Rondon, na CPI da Funai, repetiu seu entendimento de que o índio é um soldado nato e a tribo uma organização paramilitar, reafirmando a necessidade de recriar a Guarda Rural Indígena (GRIN) e ressaltando o “espírito militar” do índio brasileiro.

Quem acompanhou de perto o indigenismo militar da ditadura percebeu o quanto ele foi estatizante, autoritário e repressor, centralizador, integracionista, assimilacionista e tutelar. E parece que voltou. A repressão recente contra a manifestação pacífica de quatro mil indígenas que se reuniam em Brasília em abril para o 14° Acampamento Terra Livre foi um indicativo claro de que não existe nenhuma vontade do atual governo de dialogar com os povos originários. Outro indicativo é o fato de que o general Franklimberg Ribeiro de Freitas já é o quinto presidente do órgão em um pouco mais de um ano do golpe. Qual os interesses de, realmente, pensar políticas indigenistas se fazem do cargo uma moeda de troca?

Ontem e hoje

Sobre Oscar Bandeira de Melo, primeiro general a assumir a Funai, que permaneceu no cargo entre os anos de 1969 e 1974, afirmou o indigenista Orlando Vila Boas: “Bandeira de Melo instituiu o modelo mais eficaz de exterminar índios”. Contudo, o que preocupa é o fato de que a prática de estabelecer combatente como chefes da instituição não estão apenas em um passado remoto ou em tempos de Ditadura Militar. O general ora nomeado para presidente da Funai, pelo atual governo, certamente tem a missão de facilitar e abrir os caminhos dos grupos anti-indígenas encastelados no Estado brasileiro.

“A nomeação pelo Ministro Chefe da Casa Civil, do General Franklimberg Ribeiro de Freitas para exercer o cargo de Presidente da Funai, constitui mais uma afronta aos povos e organizações indígenas de todo o país. Desde 2016 já se posicionaram contra a nomeação do referido militar para a presidência do órgão”. Com a afirmação a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) deixa claro seu repúdio ao governo Temer por mais essa agressão aos habitantes originários dessa terra.  Afirmam, também, sua posição contrária ao loteamento partidário de cargos, o desmonte da Funai e da militarização da questão indígena.

Poderíamos elencar inúmeros dados, indícios e políticas implementadas pelos governos militares com relação aos povos indígenas, que certamente estão embasando o posicionamento do atual governo e seus aliados. Tudo acontece com o intento de militarizar novamente o órgão indigenista oficial – Funai.

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