Portugal: Reflexão sobre as eleições

Por Miguel Urbano Rodrigues, de Vila Nova de Gaia, Portugal

A aliança PSD-CDS foi a força mais votada nas eleições legislativas, mas obteve menos meio milhão de votos do que em 2011, perdendo a maioria absoluta.

A campanha da coligação reacionária intitulada «Portugal à Frente», apoiada ostensivamente pela maioria dos órgãos de comunicação social, excedeu em demagogia, hipocrisia e mentiras as anteriores de Passos & Portas (foto acima). Chocante  foi tambem a cobertura oferecida aos micro-partidos dos quais apenas o da Terra elegeu um deputado.

As televisões, as rádios e os jornais ditos de referência subscreveram a tese oficial de que não havia alternativa para a austeridade. Não negaram que Portugal está mais endividado e empobrecido, que os objetivos da parceria PSD-CDS não foram atingidos, que o deficit em 2014 (com o rombo do adiamento da venda do Banco Novo) era afinal o mesmo de 2011, mas evitaram responsabilizar o governo. De modo geral, a situação catastrófica do Pais foi falsamente atribuída ao funcionamento de leis da economia e da finança que atingiram também outros povos com efeitos devastadores.

Passos, Portas e os seus candidatos enalteceram com despudor a sua obra devastadora. Citaram tantas vezes a Irlanda e a Grécia que as citações massacraram os eleitores quase como um refrão.

Coincidiram nos insultos ao p ovo grego, mas abstiveram-se de reconhecer que a Irlanda reduziu com êxito as exigências  de Bruxelas enquanto aqui o governo foi mais longe do que lhe era pedido no sinistro memorando.

Não ousaram confessar o óbvio, a determinação de prosseguir a política que arruinou o país. Abstiveram-se falar do seu programa de governo e da estratégia que anunciaram à União Europeia.

A ministra das Finanças, candidata por Setúbal, chamou a atenção pelo seu estilo melífluo. Ela, que não costuma sorrir, abriu-se desta vez em sorrisos. Terá estabelecido um recorde de mentiras com o discurso tecnocrático em que virou do avesso a realidade, negando fraudes de que foi cúmplice, falsificando números, e apresentando como grandes vitórias e sábias decisões os atos governativos que conduziram o Pais à ruina.

Passos falou como um consul romano em vésperas de ser aclamado pelo Senado. O seu triunfalismo arrogante apresenta já matizes patológicos.

Portas, hoje descredibilizado mesmo no seio da família coligada,

passeou ombro a ombro com Passos, de Norte a Sul, com ou sem chapéu, distribuindo promessas e fugindo a vaias.

A CDU – cujo núcleo fulcral é o PCP – fez uma grande campanha. Os seus comícios e arruadas atraíram multidões. O entusiasmo que envolveu o candidato comunista de Norte a Sul do Pais foi permanente.

Mas a eleição de 17 deputados- mais um do que na anterior legislatura- ficou aquém da expectativa.

O Bloco de Esquerda- mérito de Catarina Martins, inteligente e simpática- elegeu 19, um resultado que meses atrás era imprevisível.

O QUE VAI ACONTECER

Os comentaristas de serviço dedicam-se agora a prever que governo sairá de um parlamento no qual a coligação vencedora obteve apenas uma escassa maioria relativa, 104 deputados. Dos 9 439 651 eleitores inscritos  votaram nela somente 2 071 376 (a abstenção foi levemente superior a 43%).

O Presidente da Republica, que se comportou como um aliado do governo,  vai agora incumbir Passos Coelho de formar governo.

Mas que governo? Como escreveu o diretor executivo do semanário de direita  Expresso, a vitória do PSD-CDS «só chega para um governo provisório».

O povo português pronunciou-se nas urnas contra a política da coligação reacionária. Os três partidos da oposição elegeram 121 deputados e a aliança PSD-CDS apenas 104 (falta apurar os 4 da emigração).

Existe portanto agora no Parlamento uma maioria com força suficiente para impor uma mudança radical no rumo da sociedade portuguesa.

Passos revelou temor do futuro. Apressou- se alias a lançar um apelo à cooperação do PS, sublinhando quem  ela as suas «reformas» não serão possíveis.

No momento é imprevisível o que vai acontecer nas próximas semanas.

Mas o discurso de Antonio Costa, ontem, foi ambíguo. Se respeitar compromissos assumidos durante a campanha, o PS não deixará passar no Parlamento um governo PSD-CDS.

Mas o próprio emprego contraditório que na sua fala fez do verbo «inviabilizar» não justifica a esperança de uma política de firmeza perante as forças lideradas por Passos & Portas.

LIÇÕES DAS ELEIÇÕES

Que ensinamentos extrair destas eleições?

Em primeiro lugar cabe perguntar por que não castigou o eleitorado mais severamente nas urnas os partidos responsáveis pela ruina do Pais? Como explicar que quatro décadas apos o 25 de Abril mais de dois milhões de portugueses tenham concedido uma maioria parlamentar relativa a uma aliança de direita que assume posições ideológicas aparentadas com o fascismo?

A resposta a essas perguntas conduz a uma conclusão dolorosa.

As novas gerações de portugueses têm muito pouco de comum com aquela que tornou possível Abril e soube depois defender com firmeza as suas grandes conquistas sociais.

Hoje o nível de consciência de classe e de consciência politica

da maioria dos portugueses é muito baixo. A sociedade mudou profundamente. A ideologia do capitalismo, sob o bombardeamento esmagador da classe dominante, sobretudo apos a entrada de Portugal na União Europeia, fez estragos devastadores.

Não estamos perante um caso único. A Historia apresenta-nos situações similares. Na Rússia, por exemplo.

A grande geração da Revolução de Outubro, que a defendeu com heroísmo, e a seguinte, que resistiu vitoriosamente à agressão alemã e fez da União Soviética a segunda potência mundial, não tiveram continuidade. Os filhos e netos dos revolucionários de Outubro acompanharam passivamente a ofensiva contrarrevolucionaria de Gorbatchov e Ieltsin e do imperialismo que destruiu a URSS, reimplantando nela o capitalismo.

Como comunista sou e continuarei a ser otimista.

O sistema capitalista está condenado a desaparecer.

O resultado das eleições foi insatisfatório. Estavam reunidas condições objectivas para se infligir uma derrota esmagadora às forças que ocupam o poder. Faltavam porem as subjectivas.

Mas, como afirmou odiario.info na sua NOTA DOS EDITORES, é na força criadora das massas populares que o povo português encontrará a saída para o desfecho das eleições.

Imagem tomada de: www.portaldeangola.com

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