Porta aberta ao capital estrangeiro

Governo sancionou uma medida provisória que amplia de 20% para 49% a participação estrangeira em empresas aéreas nacionais. Foto: Tomás Faquini
Governo sancionou uma medida provisória que amplia de 20% para 49% a participação estrangeira em empresas aéreas nacionais. Foto: Tomás Faquini

Em meio à crise política e econômica que toma de assalto o noticiário, existe pouco, quase nenhum espaço para discutir a gradual abertura brasileira à participação estrangeira em setores essenciais, em uma versão recauchutada da política econômica típica do País na década de 1990. Se naquela época setores inteiros trocaram o Estado pela iniciativa privada, como o elétrico e o telefônico, agora governo e Congresso incentivam participação internacional cada vez maior sobre diferentes e estratégicas esferas da economia, como petróleo, saúde pública e aviação.

O exemplo mais recente, e um dos mais escandalosos, ocorreu há dois meses com a aprovação  de um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) que tira da Petrobras a exclusividade sobre a exploração do pré-sal, o único grande campo petrolífero encontrado no mundo nos últimos 30 anos. A articulação política do Palácio do Planalto facilitou o trabalho da oposição. Há meses discutindo o assunto com empresários estrangeiros, o governo simplesmente fechou os olhos para a data em que o Senado votou a urgência da tramitação do texto: dois senadores do PT faltaram, Walter Pinheiro (BA) e Jorge Viana (AC), e o governo perdeu por dois votos. No dia seguinte, o resultado: por 40 votos a 26, o projeto foi aprovado e seguiu para a Câmara, onde aguarda votação.

Depois do sucesso da empreitada, chegou a vez de o lobby internacional alçar outro voo ambicioso: agora a meta é controlar as companhias aéreas brasileiras. Sem alarde, Dilma assinou uma medida provisória, em 3 de março, ampliando a possibilidade de participação acionária estrangeira, de 20% para 49%. A canetada evitou um desastre pior: em agosto do ano passado, a Comissão da Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica aprovou a abertura de 100% do capital das aéreas do País. A medida foi tratada no governo como parte do socorro à economia sob a justificativa de que a atração de investidores internacionais traria maior competitividade ao setor. Por trás do discurso, a intenção de salvar a Gol, Latam, Avianca e Azul, endividadas em razão da crise econômica.

Mas talvez o maior golpe tenha sido desferido contra a saúde pública: a aprovação da Lei 13.097, assinada pela presidenta Dilma Rousseff em janeiro do ano passado, permitiu a participação direta e indireta de empresas estrangeiras em hospitais e clínicas, inclusive em instituições filantrópicas. Ela escancarou de vez uma porta que estava entreaberta.

O Brasil é o único país do mundo a possuir um sistema de saúde universal no qual o setor privado responde pela maior parte dos gastos no setor. No Reino Unido, o Estado é responsável por 83,5% dos gastos; na França, por 77,5%; na Alemanha, por 76,8%. Mesmo na Argentina o Estado arca com 67,7% das despesas. Já no Brasil o setor público só investe 45% dos recursos, mas arca com 70% dos atendimentos. Com a nova lei, essa distorção tende a se ampliar.

A aprovação da Lei 13.097 foi bastante tortuosa. Primeiro, o governo enviou ao Congresso uma medida provisória que tratava de tantos assuntos que surpreendeu o fato de alguém ter encontrado o jabuti em cima da árvore: a MP 656 versava sobre nada menos que 32 temas, entre os quais Imposto de Renda, parcelamento de dívidas de clubes de futebol e estímulo à aviação regional. Mas continha também uma proposta de alteração da Lei 8.080, que regula o Sistema Único de Saúde. Nela, a permissão para a entrada de dinheiro estrangeiro na atenção à saúde. O assunto prosperou e se transformou na lei sancionada por Dilma. O autor da emenda foi o deputado Manoel Alves Júnior (PMDB-PB), um aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do presidente interino, Michel Temer.

A guinada liberal da economia não abriu a porteira apenas para multinacionais. Empresas brasileiras e estrangeiras com antiga atuação no País já se beneficiaram muito com as toneladas de impostos que deixaram de recolher com as desonerações aprovadas pela presidenta desde seu primeiro mandato. Embora nada tenha sido suficiente para saciar a sanha empresarial – a atuação “belicosa” de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, é um exemplo –, as desonerações foram tantas que comprometeram a arrecadação federal em pela crise econômica. De 2011, ano em que Dilma assumiu, até 2015, os benefícios fiscais dobraram: passaram de
R$ 209 bilhões para R$ 408 bilhões. Este ano, eles devem bater em R$ 419 bilhões, quase os R$ 500 bilhões que o Brasil desembolsa todos os anos, em média, com o pagamento de juros, o equivalente a 82% do déficit público. Cerca de 75% desse dinheiro foram cortes de impostos e renúncias de arrecadação. O estudo, da Fundação Getulio Vargas, lembra que, entre 1988, ano da Constituição, e 2003, esses benefícios equivaliam a 2% do PIB (Produto Interno Bruto). Entre 2003 e 2010, subiu para 4% ao ano. Mas a partir do ano seguinte, já sob Dilma, essa proporção saltou para 6%, bateu em 6,5% no ano passado e deve ficar em 6,2% em 2016.

Embora a guinada ortodoxa na economia já tenha começado em 2013, a chegada de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, em 2015, foi simbólica. Pressionada pela oposição após vitória apertada nas eleições, Dilma acabou cedendo. Com o apoio do mercado financeiro, seus adversários passaram a dizer que o desenvolvimentismo da década anterior tinha fracassado e era hora de uma virada econômica. “Um discurso que foi comprado”, crava André Biancarelli, professor do Instituto de Economia da Unicamp. “Houve um grande aperto fiscal e um choque monetário. O Banco Central aumentou a taxa de juros e em seguida subiu de uma vez os preços de energia e gasolina, uma agenda claramente neoliberal.” O resultado foi a rápida alta da inflação, corroendo salários.  Para o economista, a decisão foi política. “Foi um erro por ter sido uma concessão para a direita que não resolveu o problema do mercado nem do quadro político, que resultou no processo de impeachment.” A hipótese de que o ajuste traria a confiança de volta era falsa e agora Temer, na presidência interina, só de aprofundar ainda mais essa política econômica. “Um erro crucial.”

Fonte: Brasileiros.

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